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Marisa Letícia, propina e prisão: o depoimento de Lula a Moro

Confira os principais momentos do depoimento do ex-presidente ao juiz federal

Por Da Redação Atualizado em 15 Maio 2017, 10h45 - Publicado em 10 Maio 2017, 23h08

Cercado de expectativas, o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro, nesta quarta-feira, serviu apenas para reprisar a estratégia reiteradamente adotada pelo petista nos momentos em que sua honestidade é colocada em xeque. Durante as cinco horas em que esteve pela primeira vez cara a cara com o juiz, Lula negou ter qualquer relação com o famoso tríplex do Guarujá, mirou sua artilharia contra o Ministério Público e a imprensa e falou ter ouvido sobre “boatos” relativos à roubalheira que corria solta na Petrobras – que, apesar de jurar não saber, delatores que mantinham contato íntimo com o ex-presidente, como o ex-diretor Renato Duque, foram categóricos ao afirmar que o petista tinha “pleno conhecimento” da derrama nos cofres da estatal brasileira.

O ex-presidente é réu em cinco ações penais, acusado de crimes como corrupção (dezessete vezes), lavagem de dinheiro (211 vezes), tráfico de influência (quatro vezes), organização criminosa (três vezes) e obstrução de justiça (uma vez). Nesta tarde, falou sobre as acusações de ter sido beneficiado pelo “caixa-geral” de propinas da OAS, recolhido a partir de desvios em obras de três refinarias. Emocionado por algumas vezes, Lula pediu que Moro não perguntasse sobre o papel que a ex-primeira-dama teve no episódio do tríplex no Guarujá, mas, ao mesmo tempo, delegou à esposa, morta em fevereiro, responsabilidades sobre o interesse pelo imóvel, visitas à unidade de luxo no Guarujá e todo o protagonismo no direito de aquisição da propriedade. Autointitulado a “viva alma mais honesta”, o ex-presidente chegou ao ponto de atribuir a morte de Marisa à Lava-Jato. “Uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu”, resumiu.

Confira os principais momentos do depoimento de Lula a Moro:

O ‘mês Lula’ e a teoria da conspiração
O ex-presidente disse que, nas últimas semanas, a Lava-Jato fez um esforço concentrado para buscar acusações contra ele. “Aqui na sua sala estiveram 73 testemunhas. Grande parte, de acusação do Ministério Público. E nenhuma me acusou. O que aconteceu nos últimos 30 dias, doutor Moro, vai passar para a história com o mês Lula, porque foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo pra falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia.” Moro se incomodou, e perguntou: “O senhor entende que existe uma conspiração contra o senhor?”. Lula prosseguiu na crítica, dizendo que a Lava-Jato prende para obter acordos de delação premiada – e que isso teria levado o empreiteiro Léo Pinheiro a acusá-lo. “Eu entendo e acompanho pela imprensa que pessoas, como o Léo Pinheiro, (que) está já há algum tempo querendo fazer delação, primeiro foi condenado a 23 anos de cadeia, depois se mostra na televisão como é que se vive a vida de nababos dos delatores e o cara fala: ‘Porra, eu tô condenado a 23 anos e os delatores pagaram uma parte e estão vivendo essa vida?’, sabe? Então delatar virou na verdade quase que o alvará de soltura dessa gente.”

Lula anuncia candidatura
O petista disse que, antes da Lava-Jato, estava decidido a não disputar mais eleições, mas que mudou de ideia com o avanço das investigações. “Depois de tudo o que está acontecendo, estou dizendo em alto e bom som que vou querer ser candidato à Presidência da República outra vez”, declarou o petista. A afirmação foi feita depois de Moro perguntar se era verdade que Lula teria afirmado, ao final da condução coercitiva de que foi alvo, que conquistaria um novo mandato e se lembraria de cada agente envolvido naquela ação. “Não sei se disse que me lembraria de todos eles. Sinceramente. Também não sei se disse que seria eleito em 2018.”

Houve, de fato, o encontro com Renato Duque
Lula confirmou ter tido um encontro com o Renato Duque no Aeroporto de Congonhas, para alertar o ex-diretor sobre a existência de contas bancárias no exterior. Duque, que havia dito em seu depoimento que Lula tinha pleno conhecimento e tinha o comando do esquema de corrupção na Petrobras, disse que Lula o chamou em 2014 no Hangar da TAM e perguntou se ele tinha conta na Suíça, na qual teria recebido recursos da SBM. Duque atribuiu ao ex-presidente o alerta: “Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome entendeu?”. Em sua versão, Lula diz que pediu a Vaccari para chamar Duque ao Aeroporto. “Tive uma vez no Aeroporto de Congonhas, se não me falha a memória, porque tinha vários boatos no jornal de corrupção e de contas no exterior. Eu pedi para o Vaccari, que eu não tinha amizade com o Duque, trazer o Duque para conversar”, disse Lula. “Eu sei que foi num hangar em Congonhas e a pergunta que eu fiz para o Duque foi simples: ‘Tem matéria nos jornais, tem denúncias de que você tem dinheiro no exterior, que está pegando da Petrobras. Você tem contas no exterior? Ele falou: ‘Não tenho’. Falei: ‘Acabou’. Se não tem… Sabe, mentiu pra mim. Mentiu para ele mesmo”, disse Lula.

A artilharia contra o Ministério Público – e Dallagnol no centro
Voltando a adotar o discurso de vitimização, Lula mirou sua artilharia contra o Ministério Público e, diretamente, contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, e sua famosa apresentação de Power Point em que acusou o ex-presidente de ser o chefe do petrolão. “Eu tenho acompanhado, tô atento e tô percebendo e vou discutir em algum momento o contexto. O contexto está baseado num Power Point mentiroso, malfeito, da Operação Lava-Jato. Aliás, o doutor Dallagnol que fez a apresentação não tá aqui. Deveria estar aqui, para ele explicar aquele famoso Power Point. Aquilo é uma caçamba, onde cabe tudo. Aquele Power Point não está julgando pessoa física ou pessoa jurídica. Está julgando o Lula presidente da República, e isso eu quero discutir”. As críticas foram estendidas aos procuradores da Lava-Jato: “Como eu considero esse processo ilegítimo e a denúncia, uma farsa, eu estou aqui em respeito à lei, em respeito à nossa Constituição. Mas [com] muitas ressalvas com o comportamento dos procuradores da Lava-Jato.”

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Mensagens comprometedoras entre executivos da OAS: ‘Duas pessoas alheias a mim’
O ex-presidente se recusou a comentar o teor de mensagens telefônicas de executivos da OAS que mostram que era ele o beneficiário da reforma do tríplex do Guarujá. “Eu vim aqui preparado para responder tudo o que perguntar e para não ficar nervoso. Se tem uma coisa para que eu me preparei foi para não ficar nervoso. Agora, eu quero lhe dizer uma coisa: eu não sou obrigado a responder mensagens que o Ministério Público pegou entre duas pessoas alheias a mim”, disse ele ao juiz Sergio Moro. O petista afirmou não ter conhecimento de que os executivos estavam incumbidos de cuidar da reforma. Ele confirmou, porém, ter recebido a visita de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e de Paulo Gordilho, engenheiro da empreiteira. As mensagens indicam que esse encontro serviu para tratar das benfeitorias na propriedade. Indagado sobre por que a OAS fez reforma no apartamento, ele respondeu rispidamente: “Tem que perguntar pra eles”.

O elevador do tríplex e as ‘anomalias’ encontradas pelo ex-presidente
Lula reagiu à acusação de que teria pedido à OAS no tríplex para instalar um elevador privativo interligando os três andares do apartamento no Guarujá. Ao ser indagado sobre o assunto, ele atacou o Ministério Público. “Se o senhor me permite, essa do elevador é uma das anomalias da denúncia (…) Eu vi pela imprensa que o Ministério Público tinha dito que eu tinha pedido para o Léo (Pinheiro) colocar o elevador”, disse o petista a Sergio Moro. Neste momento, ele sacou a foto de uma escada caracol e a apresentou ao juiz. “Isso aqui, doutor, é uma escada caracol, o senhor deve conhecer. Essa escada tem dezesseis degraus. Essa escada é do meu apartamento, em que eu moro há 18 anos. A dona Marisa (ex-primeira-dama) há seis anos tomava remédio todo santo dia para dor na cartilagem. Será que alguém de bom senso neste país imagina que eu ia pedir para fazer um elevador num apartamento que não era meu e deixar de fazer no prédio em que a dona Marisa mora há 20 anos e que tomava remédio todo santo dia?”, indagou. E arrematou, novamente acusando os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato: “É no mínimo, doutor, cumprir o ditado que quem conta uma mentira passa a vida inteira mentindo pra justificar a primeira mentira”.

Dona Marisa: a gestora do apartamento
Com o tom de voz alterado, Lula esclareceu ao Ministério Público: “Vou até repetir, se quiser economizar tempo. A minha relação com o famoso apartamento da Bancoop é de quando a minha mulher comprou, que foi feito imposto de renda, à primeira visita do Leo (Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS) para me falar que tinha que visitar o apartamento porque estava acabando o prédio”. Lula ainda pediu ao juiz Sergio Moro para não lhe fazer perguntas sobre a participação da ex-primeira-dama Marisa Letícia na negociação do tríplex. Por mais de uma vez, ele disse desconhecer documentos assinados por ela. Também disse não saber por que sua família, na negociação com a OAS, teve condições mais favoráveis do que as de outros proprietários de apartamentos no mesmo empreendimento: “Não tenho conhecimento”. Ele tentou se descolar de qualquer responsabilidade sobre a transação – o direito de aquisição do imóvel, repetia, era de Marisa. “Eu ouvi falar desse apartamento em 2005, quando (dona Marisa) comprou. E fui voltar a ouvir falar do apartamento em 2013. Ou seja, há um interregno de discutir esse apartamento da minha parte de 2005 a 2013. Ninguém nunca conversou comigo. Eu não sabia que esse apartamento estava na OAS”, disse. Foi exatamente nesse instante que ele fez o apelo a Moro: não gostaria de falar sobre os negócios feitos pela ex-primeira-dama. “Eu só queria, doutor Moro, pedir uma coisa. É muito difícil pra mim toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender. É muito difícil.”

A verdadeira culpada: a imprensa
Em vários momentos do depoimento, o petista se disse perseguido pela imprensa. Ao ser indagado acerca de reportagens publicadas sobre o tríplex, ele levou a mão a uma pasta de plástico sobre a mesa. “Vou lhe mostrar uns dados sobre a imprensa, o senhor vai ficar estarrecido”, anunciou. Na sequência, disse que se recusa a responder perguntas baseadas apuração jornalística que “não tem autor, que não tem entrevista”. “É achismo.” Moro relevou.

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Paz e amor?
Em alguns momentos do interrogatório, Lula se esforçou para mostrar que não queria entrar em choque com Moro. O ex-presidente interferiu quando seu advogado, Cristiano Zanin, questionou a postura do juiz. “Quero evitar que o senhor brigue muito com meu advogado”, disse o petista. “É o seu advogado que está brigando, doutor. Na verdade estou tentando fluir com a audiência”, respondeu Moro, que protagonizou, como já se tornou corriqueiro, embates com a defesa de Lula ao longo do depoimento.

Lula, claro, nega conhecimento sobre propinas
O petista disse desconhecer que o dinheiro investido pela OAS na reforma do tríplex tenha saído de uma conta-propina abastecida com dinheiro desviado da Petrobras. E aproveitou para defender o companheiro João Vaccari Neto, ex-presidente da cooperativa que iniciou as obras no prédio do Guarujá e ex-tesoureiro do partido. “Tanto quanto eu, a Bancoop foi tachada de organização criminosa pelo Ministério Público. Faz dois meses que a Bancoop foi absolvida, o Vaccari foi absolvido e ninguém que o acusou teve coragem de pedir desculpas.” O ex-presidente se referia a um processo que correu na Justiça de São Paulo. Lula admitiu que conversava regularmente com Vaccari, inclusive no período das negociações do tríplex. Mas disse que nunca tratou com ele sobre o imóvel. Indagado por Moro se tinha conhecimento de que Léo Pinheiro mantinha uma contabilidade paralela com recursos de propina, ele negou. E, referindo-se ao empreiteiro, até recentemente seu amigo in pectore, arrematou: “Se tivesse (conhecimento), ele (Léo Pinheiro) seria um preso bem antes”.

Segundo Lula, manifestação do Instituto Lula não é manifestação de Lula
Perguntado por Moro sobre uma nota do Instituto Lula que tentava explicar a negociação do tríplex, o ex-presidente explicou que manifestações da entidade não refletem, necessariamente, suia posição. “(A nota) foi feita com sua orientação?”, indagou Moro. “Não”, respondeu o petista. “Eu sou apenas presidente de honra.” “Eu sou o nome e a imagem do instituto, mas não sou a figura jurídica do instituto”. Ele disse que a nota é de responsabilidade dos assessores do instituto.

Prisão? Agora não
Logo antes de começar a audiência, o juiz Sergio Moro tentou desfazer o clima de animosidade criado por simpatizantes do magistrado e do petista e disse que não estava em cogitação decretar a prisão do político. “Em que pesem algumas alegações nesse sentido, da minha parte não tenho qualquer desavença pessoal em relação ao ex-presidente. O que vai determinar o resultado desse processo são as provas que vão ser colecionadas e a lei. Vamos deixar claro: quem faz as acusações nesse processo é o Ministério Público, e não o juiz. Estou aqui para ouvi-lo”, disse Moro. Ao juiz, o ex-presidente Lula disse que tinha “consciência” de que não sairia preso da audiência de Curitiba. “São boatos que não têm qualquer fundamento. Para deixar o senhor absolutamente tranquilo, lhe asseguro de pronto e expressamente que isso não vai acontecer”, declarou o juiz.

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Tríplex, o inutilizável
Na tentativa de se desvincular da propriedade do tríplex do Guarujá, imóvel utilizado, segundo o Ministério Público, para compensar o “caixa-geral” de propina da OAS, Lula disse que nunca teve a intenção de adquirir a unidade porque ela “tinha 500 defeitos” e era “praticamente inutilizável’. “Quando eu fui ao apartamento percebi que aquele apartamento era praticamente inutilizável por mim pelo fato de eu ser, independente da minha vontade, uma figura pública. Eu só poderia ir naquela praia ou segunda-feira ou Quarta-feira de Cinzas”, afirmou.

Resgatando o mensalão
Sergio Moro fez uma série de perguntas a Lula sobre o esquema do mensalão. A maioria delas era baseada em entrevistas dadas pelo próprio ex-presidente. Em 2005, por exemplo, Lula disse que foi traído. Por quem?, perguntou o juiz. Em 2006, Lula afirmou que o PT fez aquilo que todos os partidos faziam. Era uma admissão do caixa dois, questionou Moro? Os advogados de defesa orientaram o petista a não responder nada, sob a alegação de que o tema não era objeto da ação. Lula seguiu a orientação no campo jurídico, mas fez questão de se posicionar politicamente. Como de costume, lembrou que, depois da descoberta do esquema de compra de votos no Congresso, conquistou a reeleição, em 2006, e fez de Dilma Rousseff sua sucessora, em 2010. De quebra, ajudou Fernando Haddad, em 2012, a vencer a eleição para a prefeitura de São Paulo. “Eu já fui julgado três vezes pelo povo brasileiro.”

A enquadrada de Moro: ‘Não é programa eleitoral’
Em suas declarações finais, Lula aproveitou o tempo para fazer um discurso político — contou como desafiou as expectativas ao se eleger presidente pela primeira vez, como salvou a Petrobras e, como sempre, tentou alardear conquistas de seu governo. O juiz Sergio Moro se incomodou em ver a audiência se transformar num palanque e interrompeu o petista em pelo menos três oportunidades: “Não é para fazer um apanhado do que [o senhor] fez no seu governo, não é programa eleitoral”, disse.

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