Lira corre contra o tempo para articular consenso por sucessor na Câmara
Presidente da Casa tenta evitar que a eleição do novo líder se encaminhe para uma disputa fratricida e imprevisível
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mantém guardado a sete chaves o nome do deputado que apoiará para sucedê-lo em uma das mais poderosas cadeiras da República. Quem conversa com o parlamentar não tem dúvida de que ele já definiu quem indicará na disputa que, apesar de marcada para fevereiro do próximo ano, vem sendo travada há meses nos bastidores da Casa. Conforme o roteiro planejado por Lira, o nome do escolhido será anunciado ainda neste mês de agosto, o que fez os postulantes ao cargo acelerarem as suas articulações com as diferentes correntes políticas, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro. Hoje, são três os principais cotados para receber o apoio de Lira. Todos dizem ter certeza de representar a melhor opção para comandar os deputados, garantem aglutinar a maior quantidade de votos e negam a intenção de desistir do páreo. Ou seja: o objetivo de evitar uma disputa ainda parece distante, mas o obstinado Lira não desiste de costurar um consenso e, com ele, dar uma senhora demonstração de força ao voltar à planície.
Uma etapa crucial na tentativa de acordo envolve os dois maiores líderes políticos do país. Assim que bater o martelo sobre a sua opção para sucessor, Lira pretende procurar Lula e Bolsonaro. Em um movimento programado para acontecer longe dos holofotes, ele pedirá a bênção prévia dos dois, que são expoentes máximos de PT e PL, os maiores partidos da Câmara, que somam 161 dos 257 votos necessários para eleger o futuro presidente da Casa. Disposto a demonstrar sua influência sobre o plenário, Lira quer reprisar com o seu afilhado o feito de quando se reelegeu, em fevereiro do ano passado, reunindo deputados da direita à esquerda e recebendo 464 votos de um total de 513 possíveis. Apesar de serem vitais para a vitória de qualquer postulante, as bancadas de PT e PL não têm espaço na corrida, que dribla a polarização e é dominada por nomes de centro, com destaque para os deputados Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Antonio Brito (PSD-BA) e Marcos Pereira (Republicanos-SP).
Além de negociar com a cúpula da política nacional, Lira estabeleceu critérios para dar transparência à sua escolha. Inicialmente, ele se reuniu com os candidatos, apontou as qualidades e as dificuldades de cada um deles e, depois, mandou-os ir à luta, prometendo apadrinhar quem tivesse mais condições de vitória. A ideia era que, após essa disputa prévia, ninguém ficasse contrariado ao ser preterido, já que a decisão final não seria subjetiva, mas baseada no desempenho de cada um durante essa espécie de preliminar. Hoje, a formação de um consenso parece quase impossível, e os postulantes à presidência da Câmara não dão sinais de que pretendem desistir da eleição. “Meu nome estará como candidato na disputa em fevereiro. Acredito que reúno todas as condições para unificar as diferentes alas políticas do plenário da Câmara. Mas, se houver necessidade de disputa, vamos para a disputa”, disse Marcos Pereira a VEJA. “Eu vou até o fim mesmo se tiver disputa”, foi, na mesma linha, Antonio Brito.
Nos corredores da Câmara, há consenso de que Pereira e Brito não são os nomes do coração de Arthur Lira. Se escolhesse com base apenas em preferência pessoal, ele anunciaria apoio a Elmar Nascimento, que enfrenta resistência da bancada do PT. “Busco criar as condições para ter o apoio de Arthur e trabalho para isso. Ninguém tem competitividade sem esse apoio”, afirma o parlamentar. Ciente da disposição dos colegas de lutarem pelo cargo até o fim, Lira planeja reunir numa mesma mesa os três deputados nos próximos dias. Enquanto esse encontro e o cobiçado acordo não ocorrem, o trio segue em plena campanha, uma das mais antecipadas da história recente. Em meio ao recesso parlamentar, Elmar Nascimento aproveitou a agenda das eleições municipais para fazer novos acenos ao PT. Adversário do partido em seu reduto eleitoral e apoiador de Bolsonaro na última campanha, ele vem mobilizando sua base eleitoral em torno de petistas baianos e voltou a subir no palanque do governador Jerônimo Rodrigues (PT) no último fim de semana.
Antes, Nascimento também fez as pazes com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, considerado um dos mais influentes dentro do governo e do PT baiano. O deputado garante que essa aproximação não está relacionada à sua candidatura, apesar de o armistício entre os dois ter sido costurado depois de Rui Costa dizer que não atrapalharia a campanha do líder do União Brasil à presidência da Câmara. “Não coloco um interesse paroquial à frente dos interesses do meu estado. Eu faço política construindo pontes, e isso significa dizer que a gente conversa. Quando o interesse da Bahia está em jogo, a gente tem que se unir”, afirmou. Na próxima semana, Nascimento deve ser oficializado como líder de um blocão de 161 deputados, o maior da Câmara, formado por oito partidos, a partir de uma articulação de Lira. Na prática, terá ainda mais protagonismo e condições de mostrar competência para liderar e agradar aos colegas, requisitos importantes, ainda mais para ele, que, entre congressistas do chamado baixo clero, tem fama de ser duro no trato.
Considerado também um nome de peso, Marcos Pereira é tratado como o coringa da disputa. O presidente do Republicanos tem um acordo firmado desde 2021 com Arthur Lira, quando abriu mão de concorrer à presidência para apoiar o deputado alagoano. Na ocasião, ficou pactuado que Pereira, em contrapartida, seria o sucessor. Três anos depois, porém, não há garantia de que a fatura será paga. Bispo licenciado da Universal, Pereira chegou a ser vetado por Bolsonaro e por uma ala de líderes evangélicos, mas, garante, superou os problemas, ao mesmo tempo que se aproximou do governo e de ministros como Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa. Como o republicano indica estar disposto a ir até o fim, integrantes de partidos como o MDB e o PSD já sinalizaram que poderiam debandar para o seu lado numa eventual candidatura de Elmar, o que confirmaria o racha indesejado por Lira. Racha que certos tarefeiros tentam evitar.
Nas coxias, Pereira sofre intensa pressão, com ofertas de cargos e postos influentes, para abrir mão da candidatura e ceder espaço a um correligionário: o deputado paraibano Hugo Motta, que transita com extrema facilidade da base à oposição. Pessoas do entorno mais próximo ao presidente da Câmara alegam que a entrada de Motta mudaria todo o cenário, cessaria a disputa e resolveria o impasse de Lira. O problema é que Pereira, como se viu, não indica que vai recuar. Segundo aliados dele, seria até uma “desmoralização” fazer esse gesto em benefício de um colega de partido a esta altura do campeonato. Já Antonio Brito, que votou em Lula em 2022, intensificou os acenos à oposição nas últimas semanas, seguindo o pragmatismo de seu partido, que comanda a secretaria de Governo do Estado de São Paulo, com Gilberto Kassab, e controla três ministérios em Brasília.
De perfil conciliador, Brito conversou com deputados do PL, reuniu-se com o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, e com Jair Bolsonaro, de quem ganhou a infame medalha dos três “is” — grafada com os termos “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”. Na próxima terça-feira, 13, ele deve ser ajudado por uma romaria formada por sua principal base de apoio. Representantes de dezenove federações estaduais das Santas Casas, ou de 1 800 hospitais pelo país, vão aproveitar a ida a um congresso em Brasília para buscar parlamentares e pedir votos ao baiano. A frente das Santas Casas, comandada por Brito, tem cerca de 200 deputados.
Longe de ser uma disputa comezinha, a briga pelo comando da Câmara envolve poder, domínio sobre as principais agendas do país, aproximação com o mercado e muita projeção nacional. O investimento é alto para alcançar o posto. Candidatos preveem alugar jatinhos para viajar em campanha, gastos com hospedagem em hotéis, panfletos e contratação de pessoal. Uma bagatela de cerca de 3 milhões de reais, na previsão de um dos concorrentes. O dinheiro, claro, vem dos cofres públicos. Já para Arthur Lira o enredo encerra interesses bem particulares. Fazer o sucessor significa deixar a presidência da Câmara pela porta da frente, manter influência em Brasília e pavimentar outros projetos pessoais, como uma candidatura ao Senado ou, quem sabe até, a posse num ministério. A eleição de um nome de consenso traria paz para a Casa, não há dúvida, mas também asseguraria prestígio, muito prestígio, ao articulador do acordo. Lira sabe como poucos o que está em jogo — e não pensa em perder.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905