O deputado federal Arthur Lira (AL), líder do PP na Câmara, é um dos poucos que não se importam em ser tachados como membros do Centrão, grupo conhecido por barganhar votos em troca de cargos e outras práticas fisiológicas pouco nobres. Aos 50 anos e em seu terceiro mandato, Lira, pelo contrário, encarna com orgulho o papel de ser um dos líderes do bloco — engrenagem cada vez mais relevante para os planos de Jair Bolsonaro. Aos poucos, Major Vitor Hugo (PSL-GO), atual líder do governo na Câmara, vai virando uma figura decorativa. É Lira, na verdade, quem de fato ocupa hoje esse espaço e o crescimento de sua importância se deu na esteira do casamento entre o presidente e o Centrão. Sua biografia, para lá de enrolada, que inclui suspeita de ocultação de patrimônio, parece só um detalhe neste momento em que Bolsonaro precisa desesperadamente de uma base para se blindar contra as três dezenas de pedidos de impeachment e, ao mesmo tempo, aprovar projetos que podem ser importantes para a retomada econômica. Alçado ao posto de homem de confiança do capitão, Lira vem desempenhando esse papel com maestria.
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Clique e AssineClaro que tudo isso tem um preço. Na cada vez mais quente negociação de cargos em troca de apoio político, os principais pedidos passam hoje por Lira e Ciro Nogueira, presidente do PP e outro pilar do Centrão. Recentemente, a dupla fechou acordo para pôr no comando do cobiçado Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) o ex-chefe de gabinete de Nogueira, Marcelo Lopes. A vaga, até dezembro, era ocupada por um apadrinhado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Lira também tem alinhado os deputados sob sua influência às pautas do governo nas votações mais importantes, como na tentativa de fazer passar a Medida Provisória 910, sobre regularização fundiária, apelidada de “MP da Grilagem” pelos opositores. O negócio não foi à frente e voltará à pauta na forma de projeto de lei, mas chamou a atenção dos parlamentares o fato de o deputado alagoano ter defendido com afinco a posição do Palácio do Planalto — Vitor Hugo só foi ao microfone depois, para concordar com ele. Na última terça, 26, outra prova de que há um novo chefe no tapete verde: Lira articulou a aprovação de um projeto de ajuda emergencial de 3 bilhões de reais ao setor cultural, cabendo ao líder do governo apenas elogiar a atuação do colega. “Vitor Hugo vai cumprir tabela, Lira vai jogar os clássicos e ainda ser aplaudido”, resume um líder da Casa.
Habilidoso, pragmático e conhecedor dos bastidores do Congresso, o deputado alagoano está tão cheio de moral que se movimenta para concorrer à presidência da Câmara com o apoio do governo em 2021. A cessão ao nanico Avante da diretoria do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), por exemplo, foi um dos primeiros movimentos de sua estratégia eleitoral e irritou alguns correligionários do PP. Dentro da bancada do partido, Lira antagoniza com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), o preferido de Rodrigo Maia para suceder-lhe, caso o atual presidente não possa concorrer à reeleição.
Filho do ex-senador Benedito de Lira, o novo homem forte do governo no Congresso tem a seu favor uma sólida e bem-sucedida experiência política. Ele foi eleito vereador em Maceió aos 23 anos pelo PFL, emendou dois mandatos na Câmara Municipal e três de deputado estadual, até se eleger deputado federal pela primeira vez, em 2010, pelo PP. Em 2006, quando se candidatou a deputado estadual pela terceira vez, seu patrimônio declarado ao TSE era de 695 901 reais, montante que passou a 1,7 milhão de reais em 2018. As cifras são exatamente um dos pontos que não ajudam Lira na conquista de seu objetivo de presidir a Câmara.
Em entrevista a VEJA em dezembro, Jullyene Lins, ex-mulher de Lira, acusou-o de ter um patrimônio oculto de pelo menos 40 milhões de reais — e esse foi apenas o mais recente item da vasta lista de embaraços do deputado. Na época em que integrava a cúpula da Assembleia alagoana, ele foi alvo da Operação Taturana, deflagrada em 2007 contra desvios de 280 milhões de reais na Casa por meio de cheques em nome de laranjas e empréstimos bancários fraudulentos. As apurações identificaram movimentações financeiras dele de 13,1 milhões de reais entre 2001 e 2006, incompatíveis com seu imposto de renda. Na Lava-Jato, Lira também foi citado como frequentador do escritório do notório doleiro Alberto Youssef e ainda é réu em dois processos no STF, um por corrupção passiva, acusado de receber 106 000 reais em propina, e o outro por participação no “quadrilhão do PP”. Embora não tenha sido condenado em nenhuma dessas ações, a escolha de Lira como membro da tropa de choque do governo no Congresso é a prova definitiva de que Bolsonaro já não tem tanta ojeriza àquilo que ele mesmo definiu como velha política.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689