A intervenção federal decidida pelo presidente Michel Temer (MDB) na segurança pública do Rio de Janeiro fará com que o estado tenha, na prática, “dois governadores”: um exclusivo para o combate à criminalidade. Escolhido para ser o interventor, o general Walter Souza Braga Netto substituirá o governador Luiz Fernando Pezão (MDB) no comando das polícias Civil e Militar, do sistema penitenciário, do Corpo de Bombeiros e da área de inteligência do estado. As demais áreas continuarão dirigidas pelo chefe do executivo.
A Constituição deixa claro que o governo federal deve evitar retirar a autonomia dos estados, a menos que se preencham um ou mais de sete requisitos que o texto prevê. O item, previsto no artigo 34, que baseará a decisão do presidente de entregar ao militar do Exército o controle das políticas de Segurança do Rio é o terceiro: “pôr termo [fim] a grave comprometimento da ordem pública.”
Para efetivar a medida, o presidente Temer deverá editar um decreto, detalhando ao menos três aspectos. O primeiro é a amplitude (ou seja, deixar claro quais são as atribuições do interventor); o segundo é o prazo de duração da intervenção, que deve ter data para acabar; e o terceiro são as condições de execução (como será organizada essa espécie de “governo paralelo” no Rio).
A principal diferença da decisão desta sexta-feira para situações anteriores é que, pela primeira vez, será retirado formalmente o poder político de um ente da União sobre alguma de suas responsabilidades. No passado, a participação da Força Nacional e do Exército ocorria, no Rio e em outros estados, ocorria em caráter de apoio, não de administração.
“Mesmo que o Exército já tenha assumido uma ou outra função de coordenação, como ocorreu no Espírito Santo durante a greve dos policiais em 2017, é algo que pode ser dispensado caso o estado ajudado por ventura não queira ou não precise mais. Nesse caso não, é uma decisão do presidente, que poderia ser tido feita mesmo que à revelia do governo”, explicou a advogada Vera Chemim.
Validade
Uma vez publicado no Diário Oficial, o decreto passa a valer imediatamente. Em até dez dias, os plenários da Câmara e do Senado votarão se o referendam ou se vão rejeitá-lo. A exigência da aprovação dos parlamentares é uma forma de evitar autoritarismos. “Isso decorre do chamado ‘controle político da ação presidencial’, é uma forma de o Legislativo ter o poder de evitar abusos da autoridade presidencial”, afirma Paulo Casseb, professor de Direito Constitucional do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP).
A tendência natural é que o decreto seja aprovado, já que o próprio governador Pezão é favorável à intervenção. Outro aspecto técnico que o presidente precisará observar é a necessidade de expor sua decisão ao chamado Conselho da República, um órgão de assessoramento para questões institucionais que nunca precisou ser formado anteriormente. Para este conselho, serão convocados o ministro da Justiça, Torquato Jardim, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), líderes de governo e oposição nas duas casas e seis cidadãos com mais de 35 anos.
Apesar do caráter excepcional, a intervenção ainda é uma medida menos grave que um estado de defesa ou de sítio, o que significa é que Temer não poderá dar a Braga Netto “nenhum poder além do que Pezão teria”, completou Casseb. Desta forma, caberá ao general buscar uma forma de reorganizar as ações das forças de segurança e exercer funções administrativas. Ele também poderá definir os ocupantes dos cargos de cúpula da Segurança do Rio, não havendo nenhuma informação ainda sobre a permanência de atuais nomes nem eventuais substitutos.