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Frequentado por famosos, aeroporto de Angra assusta pilotos e tripulantes

Espremida entre o mar e a montanha, pista exige alta perícia em pousos e decolagens para vencer limitações técnicas e desafios impostos pela natureza

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 4 ago 2023, 17h19 - Publicado em 4 ago 2023, 17h14

Em alta temporada, a pequena pista emoldurada pelo relevo de frente para o mar cristalino de Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense, é palco de um vaivém de helicópteros e jatinhos que trazem a bordo nomes famosos das mais distintas áreas. Entre os 60, 70 pousos diários num verão, avistam-se com boa frequência gente como Luciano Huck e Angélica, as atrizes Marina Ruy Barbosa, Isis Valverde e Giovanna Ewbank, além de um rol de sertanejos, entre os quais Gusttavo Lima e Wesley Safadão. Eles trocam a viagem de carro, que pode durar três horas partindo do Rio de Janeiro e umas seis saindo da capital paulista, por um voo de até 50 minutos. O tão esperado momento de desembarcar na esplendorosa paisagem, porém, assusta os tripulantes, sobretudo os neófitos que observam, lá de cima, a proximidade da pista à serra que a envolve. A sensação, descrita por passageiros, é a de que a aeronave pode colidir na montanha ou até mesmo passar direto pela área destinada ao pouso. “Nessa hora, o comandante precisa pôr em prática toda a sua habilidade e experiência para fazer uma aterrissagem segura, muito mais do que em aeroportos de estrutura mais robusta”, avalia o piloto Yunes Samor Marco, habituado a transitar por lá a bordo de um jato Phenom 300, da Embraer.

Uma combinação de fatores torna o aeroporto de Angra dos Reis mais vulnerável a incidentes se uma mínima recomendação não for observada. O conjunto que inspira cuidados redobrados alia a pista curta, com seus 1077 metros de comprimento e 30 metros de largura, à falta de instrumentos de auxílio à navegação numa região montanhosa onde, para piorar, chove com regularidade. Isso exige dos pilotos elevada perícia e a capacidade de entender quando não decolar ou pousar. Do contrário, há risco, e alguns resolvem enfrentá-los.  

Batizado de Carmelo Jordão em 2019, após uma lei sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o aeroporto pertence à Classe I-A, que não recebe voos regulares, aqueles com dia e horário pré-determinados. Apesar de curta, a pista por si só não é um problema, já que, para ser segura, se considera uma série de elementos, como o peso bruto da aeronave na decolagem, o tipo de pneu, o grau de declive, as condições de atrito do pavimento e até dados como altitude e temperatura. Para fins de comparação, a pista do aeroporto de St Barts, no Caribe, que ostenta a maldita fama de ser o mais perigoso do mundo, possui exíguos 650 metros de comprimento e 18 metros de largura. Na verdade, o ponto que preocupa no caso de Angra é justamente a equação que soma, à área reduzida para o pouso, as limitações de infraestrutura e aquelas impostas pela própria natureza.

Mesmo com a geografia sui generis e o clima muitas vezes desfavorável, profissionais da aviação ouvidos pela reportagem afirmam que proprietários de jatinhos não raro pressionam seus funcionários a levantar voo ou pousar no aeroporto – o que é, sim, perigoso. “Muita gente acaba correndo riscos desnecessários, e ali eles existem mesmo”, conta um piloto, que, como outros, prefere não se identificar. Sem uma boa área para manobra, o responsável pelo voo, a depender das condições no instante da aterrissagem, muitas vezes opta por usar a vizinha pista de Mangaratiba, cuja extensão é maior, de 1240 metros. Por tudo isso, o aeroporto de Angra passa agora por obras de expansão da pista e de iluminação, uma vez que a falta dela impede a movimentação noturna.

Todo piloto que pousa naquela paisagem sabe que as características locais exigem atenção máxima. O aeroporto não tem, por exemplo, uma torre de controle de voo para nortear o percurso, mas apenas uma coordenação feita por funcionários em solo. Para pousar ou decolar ali é necessário que o piloto adote as regras visuais, uma vez que também não há instrumentos de auxílio à navegação. As condições atmosféricas então precisam permitir que o piloto possa controlar “no olho”, como se diz no meio, a altitude e assegure a razoável distância de possíveis obstáculos, como as montanhas próximas e as usinas nucleares da cidade, que não podem ser sobrevoadas. “Quem assume um voo para lá pela primeira vez pode se sentir inseguro, tamanho o desafio de lidar sozinho com tantas variáveis”, diretor de uma empresa de fretamento de jatinhos.  

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Seguindo as normas do voo visual, é recomendado que, para pousar em Angra dos Reis, a aeronave esteja voando abaixo de 1500 pés. Esse tipo de instrução,adicionada ao fato de a região, por ser montanhosa e colada ao oceano, chegar a registrar mais de 2000 milímetros de chuva por ano, leva algumas empresas de táxi aéreo a nem sequer decolar quando o clima no deslumbrante destino está instável. Se a pista se encontra medianamente molhada, o melhor é não utilizar o aeroporto, para evitar o pesadelo da aquaplanagem – situação em que a água no asfalto da pista impede a aderência do pneu no solo, podendo desencadear perda de controle da aeronave.  

Numa situação dessas, a modesta extensão da pista atrapalha, por oferecer menos chances para manobras. E, só lembrando, não há por lá qualquer pista auxiliar. “A região da Costa Verde é conhecida por acidentes, então, diante de um quadro minimamente desfavorável, melhor adiar a viagem e priorizar a segurança”, reforça Flavio Carvalho, diretor regional da Flapper, empresa de aviação sob demanda que oferece voos compartilhados para Angra em turboélices de nove assentos. “Tem cliente que reclama ao ver seus planos frustrados, mas se pegar uma turbulência horrorosa, vai dizer que a culpa é minha”, ressalta. Aos fins de semana, a companhia chega a oferecer entre 10 e 12 voos para o balneário fluminense, 90% partindo de São Paulo.

Mesmo fora de temporada, a média diária de pousos gira em torno de 40. “Em véspera de feriado, chega a ter engarrafamento no céu. Como o controle aéreo fica no Rio, dividindo-se entre os demais aeroportos da cidade, às vezes precisamos esperar um bom tempo até receber autorização para o pouso”, relata outro piloto. Para aumentar a segurança, a obra em curso esticará a pista para 1300 metros. A reforma também prevê a iluminação do trajeto percorrido pelas aeronaves, o que vai permitir que o aeroporto abrigue pousos e decolagens à noite e antes do nascer do sol. “Uma expansão de 100 metros já traz mais segurança para pilotos e passageiros”, explica Edgar Koester, coordenador do curso de ciências aeronáuticas da universidade Estácio. “Além disso, as mudanças vão possibilitar que aeronaves um pouco maiores, como turboélices para até 50 passageiros, tenham o aeródromo como destino final.”

É boa notícia para quem já tomou sustos naquela área e para quem não quer ter a experiência. Em março de 2022, um jato executivo saiu da pista ao pousar e acabou atolado na grama. Felizmente, ninguém ficou ferido. Antes, em setembro de 2016, um avião de pequeno porte, já em solo, não conseguiu frear a tempo e atingiu a tela de proteção da pista. Segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos, o Cenipa, a faixa que se estende entre Angra dos Reis e Paraty registrou sete ocorrências envolvendo queda de aeronaves entre 2010 e 2021. Um deles vitimou o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, em 2017. Dois anos depois, o Ministério Público pediu o arquivamento das investigações após especialistas da Aeronáutica concluírem que o mau tempo e a visibilidade reduzida foram os principais motivos da trágica queda do avião no mar. Quem sobrevoa hoje a região fica com um olho no paradisíaco cenário e outro na pista que põe medo a tanto a gente.

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