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Exposição discute o notável legado de Darcy Ribeiro

O antropólogo, educador, indigenista e gestor público completaria 100 anos em 2022

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 nov 2022, 08h00

Um dos principais pensadores brasileiros do século XX, Darcy Ribeiro (1922-1997) teve várias encarnações em vida. Sociólogo de formação, também foi antropólogo, educador, etnólogo, indigenista, gestor público, político e romancista. Como escritor, vestiu o fardão da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira 11 de 1993 até sua morte. Mas a pele que melhor lhe deu contorno foi a de intérprete do Brasil, país que conhecia profundamente na teoria e na prática, desde o início da carreira, na segunda metade dos anos 1940, quando começou a trabalhar no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), embrião da Fundação Nacional do Índio (Funai). Deixou um legado importante e precioso, que se tornou objeto de várias homenagens no ano do centenário de seu nascimento.

Uma das mais abrangentes é a exposição Utopia Brasileira — Darcy Ribeiro 100 Anos, em cartaz no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, até 25 de junho de 2023. Com curadoria da socióloga Isa Grinspum Ferraz e instalações do cineasta Eryk Rocha, reúne fotografias, objetos, documentos, vídeos, plumárias indígenas, obras literárias e cartas inéditas do acervo do intelectual. São itens que representam o pensamento vivo do célebre mineiro de Montes Claros, cujo projeto de país passava pela associação entre educação e cultura, valorização e proteção dos povos originários, defesa da miscigenação e da democracia racial, o combate aguerrido ao racismo e a obrigatória mitigação da miséria.

No início dos anos 1960, depois de fundar a Universidade de Brasília (UnB), Darcy Ribeiro foi ministro de João Goulart, primeiro na pasta da Educação e, depois, na da Casa Civil. Após o golpe civil-militar de 1964, ele teve seus direitos cassados pelo Ato Institucional número 1 (AI-1) e se exilou no Uruguai. Retornou ao Brasil entre 1968 e 1969, período no qual foi enquadrado pela Lei de Segurança Nacional após a edição do AI-5, e acabou retornando ao exílio. No Chile e no Peru, trabalhou diretamente com os presidentes à época — o chileno Salvador Allende e o peruano Juan Velasco Alvarado — em projetos educacionais. Entre suas realizações nesse intervalo também figuram estudos para universidades no México e na Costa Rica.

VOCAÇÃO PARA A POLÍTICA - Darcy Ribeiro teve marcante trajetória política. À esquerda, com o presidente João Goulart, de quem foi ministro da Educação e da Casa Civil. No alto, à direita, com o parceiro inseparável Leonel Brizola — Ribeiro foi vice-governador do Rio de Janeiro, entre 1983 e 1987 — e o arquiteto Oscar Niemeyer. Ao lado, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), chamada posteriormente de Lei Darcy Ribeiro. -
VOCAÇÃO PARA A POLÍTICA – Darcy Ribeiro teve marcante trajetória política. À esquerda, com o presidente João Goulart, de quem foi ministro da Educação e da Casa Civil. No alto, à direita, com o parceiro inseparável Leonel Brizola — Ribeiro foi vice-governador do Rio de Janeiro, entre 1983 e 1987 — e o arquiteto Oscar Niemeyer. Ao lado, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), chamada posteriormente de Lei Darcy Ribeiro. – (Acervo UH/Folhapress; Luciana Whitaker/Folhapress; Sérgio Lima/Folhapress/.)

Depois da anistia, voltou ao Brasil em 1979, para constatar que o caminho de reconstrução seria longo. Nos anos 1980, ele disse que o Brasil havia perdido o “nervo ético”, porque normalizara a fome e a miséria. O fato de haver famílias inteiras morando nas ruas o consumia. Achava, com razão, que a educação é o instrumento mais eficiente para formar as pessoas e prepará-las para uma sociedade mais justa. Sua frustração, já naquele tempo, era constatar que o ensino estava “uma lástima” no país. De lá para cá, vale ressaltar, não houve avanços nesse campo, só retrocessos — em todos os níveis. “As questões pelas quais o Darcy batalhou continuam as mesmas”, diz Isa Grinspum, que foi assistente do antropólogo e teve nele um mentor. “Por isso, ainda são de uma atualidade muito grande.”

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Na redemocratização, Darcy Ribeiro mergulhou na política. No primeiro mandato de Leonel Brizola, foi vice-governador do Rio de Janeiro, quando criou os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) e inaugurou o Sambódromo. No segundo, abandonou o Senado, em 1991, para assumir a Secretaria Extraordinária de Programas Especiais, quando fundou a Universidade Estadual do Norte Fluminense (1993). Depois, faria a relatoria do Projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e idealizaria a Universidade Aberta do Brasil e a Escola Normal Superior (1996).

Embora dissesse, antes de morrer, que havia fracassado em seus projetos, Darcy Ribeiro deixou como herança um pensamento fundamental, que merece ser debatido hoje: a ideia de que o Brasil precisa se reinventar sem seguir modelos, porque a visão europeia e americana não combinam com o que somos. Nesse aspecto, poucos brasileiros — Darcy Ribeiro muitas vezes foi duramente criticado — contribuíram tanto para desvendar a verdadeira alma nacional.

Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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