Em outubro do ano passado, às vésperas do segundo turno das eleições, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, expediu uma ordem de prisão contra o presidente de honra do PTB, Roberto Jefferson. Ao chegarem à residência do ex-deputado para cumprir o mandado, os policiais encarregados da missão foram recebidos a bala. Jefferson anunciou que não se entregaria, da janela de sua casa disparou cerca de cinquenta tiros de fuzil e lançou granadas em direção aos agentes. Dois deles ficaram feridos pelos estilhaços. Depois de uma tensa e demorada negociação, o insurgente se rendeu. O episódio teve uma enorme repercussão e, segundo assessores de Jair Bolsonaro, está na raiz da derrota do ex-presidente, de quem o petebista se transformou em um famoso apoiador. Preso preventivamente desde então, Jefferson está internado há mais de um mês num hospital privado do Rio de Janeiro, doente, com graves problemas físicos e mentais, segundo um relatório médico a que VEJA teve acesso.
Um dos políticos mais controversos da história recente, o ex-deputado está com 70 anos de idade. No início do mês passado, ele foi encaminhado a um hospital com um quadro de apatia, insônia, distúrbio depressivo, inapetência e súbita perda de peso. Dias antes da transferência, havia levado um tombo na cela, batido a cabeça e sofrido um traumatismo craniano. Os médicos da penitenciária reportaram que, depois da queda, ele passou a apresentar sintomas de confusão mental, desmaios, ouvia vozes e pronunciava frases desconexas. No relatório, elaborado no último dia 29, informaram que Jefferson chegou ao hospital com insuficiência renal, desidratação e com um quadro grave de desnutrição — havia perdido 20% do peso corporal. Os exames neurológicos e psiquiátricos detectaram lentidão nas atividades mentais, perda de memória, ocorrência de convulsões e dificuldades para se locomover e realizar atividades como ir ao banheiro.
O ex-deputado teve a prisão preventiva decretada duas vezes em menos de dois anos. Ele é investigado por tentativa de homicídio, divulgação de fake news, crimes contra a honra, racismo e homofobia. Depois disso, sua saúde, que já era frágil, se agravou — ele já teve câncer no pâncreas, na tireoide e no cólon. Por razões humanitárias, em janeiro do ano passado o STF autorizou Jefferson a ficar em casa, mas lhe impôs uma série de restrições, proibindo, entre outras coisas, o uso de redes sociais. O ex-parlamentar, porém, não só voltou a usar as redes sociais como ainda compartilhou notícias falsas sobre o tribunal. Ele gravou e divulgou um vídeo em que destratava a ministra Cármen Lúcia e atacava o Tribunal Superior Eleitoral. Por causa disso, o ministro Alexandre de Moraes revogou a prisão domiciliar e determinou o retorno dele ao presídio, medida que deu origem à confusão que terminou na troca de tiros a sete dias das eleições.
O ex-deputado que pode ter contribuído para a vitória de Lula em 2022 quase soterrou o próprio Lula em 2005 no escândalo que ficou conhecido como mensalão. Naquele ano, Jefferson confessou que ele, seu partido e outros aliados do PT recebiam propina para votar projetos de interesse do governo. Vinte e cinco pessoas foram condenadas pelo STF por corrupção, incluindo o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o próprio Roberto Jefferson. O caso não comprometeu de maneira letal a reeleição de Lula, mas tisnou a imagem dos petistas. O então deputado teve o mandato cassado, foi condenado a sete anos de prisão e cumpriu parte em regime semiaberto num presídio do Rio de Janeiro. Em 2018, ele apoiou a candidatura de Bolsonaro à Presidência e, depois da eleição, se transformou num dos principais difusores de ataques contra o STF e seus ministros.
Os advogados pretendem invocar as condições de saúde do ex-deputado para tentar mais uma vez transformar a prisão preventiva em domiciliar, já que ele necessita de cuidados especiais. Segundo os médicos, não levanta mais da cama, chora a todo instante e tem alucinações. Além disso, vão argumentar que, ao disparar os tiros de fuzil contra os policiais federais, Jefferson não tinha a intenção de atingi-los. Se quisesse, afirmam, teria condições e treinamento suficiente para acertar os alvos. Os disparos e as granadas atiradas contra os agentes na véspera da eleição seriam apenas atos extremados de um protesto mais incisivo contra a humilhação de ter de voltar para a cadeia. Difícil acreditar que o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo e destinatário dos principais ataques do ex-deputado nas redes sociais, reconsidere sua decisão com base nessa estranha versão.
Colaborou Ricardo Chapola
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849