Em 1994, o meu padrasto, Jairo Narciso da Silva, matou a minha mãe, Luzineide Leal Militão, por asfixia e golpes de barra de ferro e a enterrou no banheiro da casa onde morávamos, que estava em reforma. Depois contou a mim, que tinha dez anos de idade, e a minha irmã, com seis, que ela havia nos abandonado. Passei mais de 24 anos sem conhecer a verdade. Eu, por ser criança, nunca fui atrás de saber o que realmente tinha acontecido, nem estranhei o sumiço. Tenho poucas recordações dela. Jairo cuidou de mim como se fosse seu filho, virou meu pai de coração – não tive contato com meu pai biológico. Também nunca senti a ausência da figura materna porque o meu padrasto logo se casou novamente. Lembro-me apenas que a minha mãe era brava, ao contrário dele, que era bonzinho. Tenho memórias afetivas com ele, mas não com ela. Quando meu pai – sempre o chamei assim e vou continuar chamando – ficou desempregado, por exemplo, trabalhamos juntos capinando terrenos em Sinop (MT). Sou um homem honesto, com um bom caráter e digno por sua causa. Ele, pelo que eu sabia até então, nunca havia feito nada de ruim a ninguém.
No dia 24 de julho deste ano, no entanto, essa imagem mudou. Fiquei sabendo que ele estava na polícia prestando depoimento e admitindo que tinha assassinado a minha mãe. Demorou muito tempo para cair a ficha e, quando caiu, eu desabei. Era uma notícia que nunca imaginara receber. Quando ele deixou a delegacia, telefonei chorando e cobrando explicações. Ele pediu desculpas, disse que era um monstro, um criminoso. A primeira coisa que perguntei foi: por que fez aquilo? A resposta: ciúme, uma vez que minha mãe, então com 28 anos, tinha o costume de ir a festas. Meu pai tinha 40 anos. Eu simplesmente não sabia o que falar. Um vazio tomou conta de mim. Eu nem lembro direito da nossa conversa, apenas que ele pedia perdão. Jairo foi o homem que cuidou de mim durante toda a vida. Era claro que ele estava transtornado com a situação. Após a confissão do crime, a polícia chamou minha irmã e eu para irmos ao imóvel, que estava alugado. Foi no lugar em que passei a infância que o encontrei pela primeira vez depois da notícia. A família toda estava em choque. Eu não quis conversar com ele naquela cena. Perguntaram se queríamos entrar no cômodo para ver a ossada, eu me recusei. Minha irmã disse que estava preparada. Fiquei sentado na sala enquanto a polícia retirava o corpo. Se eu visse o cadáver da minha mãe, iria enxergar o meu pai com outros olhos. Também não quis saber detalhes de como ele a havia matado. Quero manter apenas as lembranças boas. Não desejo carregar esse sentimento ruim pelo resto da vida. Ele me criou e me ensinou tudo o que eu sei. Por isso, eu o perdoo.
Não consigo imaginar como seria a minha vida se a minha mãe estivesse viva. Não sei se seria o homem que sou hoje. A vida é um aprendizado. A cada dia, vamos aprendendo coisas diferentes e tomando as decisões a partir daí. Também não consigo imaginar o que vai acontecer daqui para a frente. Meu pai sabe que precisa pagar pela barbaridade que cometeu. O crime de homicídio está prescrito, porque a lei prevê um prazo de vinte anos, mas ele deve ser acusado de ocultação de cadáver – que pode dar três anos de prisão -, já que o tempo para a prescrição começa a correr no dia em que o cadáver foi encontrado. O caso está na Justiça, vou deixar que ela julgue o meu pai. Lá no céu, a justiça será de Deus. A maior preocupação é meu filho, de 6 anos. Eu e minha mulher vamos esperar o momento certo para contar. Não o deixo ver TV para evitar que saiba pelo noticiário. Não queremos que ele tenha um choque tão grande como eu e o resto da família tivemos. E, apesar de tudo, quero ensinar ao menino o que o meu pai me ensinou.
Depoimento dado a Giovanna Romano