O presidente Jair Bolsonaro anunciou no último domingo, 31, por meio de sua conta no Twitter, que determinou o cancelamento da instalação de 8.000 radares eletrônicos em rodovias federais no país.
“Sabemos que a grande maioria destes têm o único intuito de retomo financeiro ao estado. Ao renovar as concessões de trechos rodoviários, revisaremos todos os contratos de radares verificando a real necessidade de sua existência para que não sobrem dúvidas do enriquecimento de poucos em detrimento da paz do motorista”, criticou o presidente.
Tomada após o Ministério da Infraestrutura comunicá-lo sobre o número de pedidos para montar os equipamentos à beira das estradas, a decisão do presidente segue suas promessas de campanha de combater o que chama de “indústrias da multa”. Se considerasse os números de acidentes e mortes nos 52.000 quilômetros de rodovias federais em 2018, apurados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), contudo, Bolsonaro talvez refletisse mais sobre a medida – ou incluísse no tuíte o anúncio da implementação de equipamentos mais eficazes que os sensores para coibir motoristas imprudentes.
De acordo com o balanço da PRF em 2018, que contabilizou 69.114 acidentes (queda de 22,8% em relação a 2017) e 17.606 mortes (redução de 15,8%), “velocidade incompatível” foi o segundo fator que mais levou a mortes nas estradas federais e o terceiro maior causador de acidentes – à frente de ocorrências e óbitos causadas por consumo de álcool.
No ano passado, 743 pessoas morreram nas 6.843 ocorrências que tiveram excesso de velocidade como causa presumível. No ranking de causas prováveis de acidentes, que enumera 24 itens, “ingestão de álcool” fica em quarto lugar em número de ocorrências, 5.195, e em quinto na quantidade de mortes, 302. Para presumir o que levou a um acidente, conforme a PRF, os agentes analisam “todos os vestígios, depoimento das testemunhas e outras características do local e dos envolvidos”.
“Um bêbado devagarinho não mata, mas um motorista rápido demais mata mesmo não tendo bebido”, diz Sergio Ejzenberg, engenheiro civil e mestre em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
A causa presumível que mais levou a acidentes e mortes nas estradas administradas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em 2018 foi a “falta de atenção à condução”. Houve 25.765 ocorrências atribuídas a falhas do tipo, nas quais foram registradas 1.365 mortes. “Desobediência às normas de trânsito pelo condutor” foi causa presumível de 7.169 acidentes e 689 mortes, enquanto “falta de atenção do pedestre” provocou 2.068 ocorrências e 603 mortes (veja lista completa abaixo).
Lombada é alternativa a radar, diz especialista
Para Sergio Ejzenberg, a ideia de que existe uma “indústria da multa”, ecoada pelo presidente da República, decorre, sobretudo, de falhas na sinalização das rodovias nas quais há redução de velocidade.
“Existe um clamor na sociedade de que o radar é arrecadatório, mas as pessoas, muitas vezes, são mal orientadas sobre a diminuição da velocidade. Radares, nessas condições, são mesmo armadilhas, e isso disseminou a população o rumor de que a coisa está errada e foi nesse rumor que embarcou o presidente Bolsonaro”, diz o engenheiro.
Conforme o balanço da Polícia Rodoviária Federal, o volume de multas por excesso de velocidade se manteve constante nas rodovias federais em 2018 em relação a 2017: passou de 2.329.261 para 2.330.466, alta de apenas 0,05%.
Como alternativa aos sensores de velocidade, que entraram na mira de Jair Bolsonaro e têm a instalação sob análise do Dnit, o especialista em engenharia de transportes defende a adoção de outros equipamentos de fiscalização, como lombadas eletrônicas. “A boa fiscalização em trechos de redução de velocidade tem que ter um ‘escândalo’ de advertência e lombada eletrônica. Não é o que acontece. Normalmente, não há tanta advertência, mas apenas plaquinhas do lado da via, e um radar, que multam muita gente, o que gera esse clamor popular”, conclui Ejzenberg.
Embora Bolsonaro tenha utilizado a palavra “cancelar”, o Dnit contemporizou e afirmou que a instalação de novos sensores foi “suspensa até a revisão e a atualização de critérios pelo Ministério da Infraestrutura, que serão baseados em estudos técnicos que já estão em andamento”.
A autarquia federal diz ainda que “será considerada como prioritária a redução do uso do equipamento onde estes não são essenciais à segurança viária, com a possibilidade de utilização de outros mecanismos de segurança”.
Os processos licitatórios para a instalação dos novos radares haviam sido concluídos em janeiro, antes da posse da nova diretoria do Dnit, e os contratos firmados a partir do edital teriam um custo de 1 bilhão de reais em cinco anos, se efetivados na totalidade.