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Em ponto de ebulição, conflito entre Renan e Lira acende alerta no governo

A rixa regional, que ganhou ares de escândalo, alimenta instabilidade entre a gestão Lula e o Parlamento, com potencial para provocar novas crises políticas

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h40 - Publicado em 9 jun 2023, 06h00
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  • “Renan Calheiros falando em honestidade é a maior piada que existe. Isso é pra desviar a atenção da enxurrada de denúncias que vão aparecer do governo do filho. Aguardem!” - Deputado Arthur Lira
    “Renan Calheiros falando em honestidade é a maior piada que existe. Isso é pra desviar a atenção da enxurrada de denúncias que vão aparecer do governo do filho. Aguardem!” - Deputado Arthur Lira (Fátima Meira/Futura Press)

    Com um eleitorado de apenas 2,3 milhões de pessoas, o segundo menor do Nordeste, Alagoas já foi berço de três presidentes da República, de um presidente do Congresso Nacional e de um chefe da Câmara dos Deputados. A despeito do protagonismo nacional, o estado hoje registra mais da metade da população em situação de pobreza e ostenta a última colocação no ranking no índice de desenvolvimento humano (IDH) no país, marca que revela a vulnerabilidade da região em questões como educação e esperança de vida. A situação calamitosa contrasta com as preocupações políticas que cruzaram a fronteira de Alagoas para bater à porta do governo federal. Nas últimas semanas, o presidente Lula teve de abrir seu gabinete para uma miríade de reclamações, acusações e ameaças trocadas pelos dois principais caciques do estado, que há anos se engalfinham numa renhida disputa de poder que descambou recentemente para a baixaria, virou um caso de polícia e pode se tornar um fator de grande instabilidade para o próprio governo.

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    “Arthur Lira é o dono da chave do cofre do orçamento secreto que exala corrupção: ônibus, barras de ouro, robótica, caminhões de lixo etc.” - Senador Renan Calheiros
    “Arthur Lira é o dono da chave do cofre do orçamento secreto que exala corrupção: ônibus, barras de ouro, robótica, caminhões de lixo etc.” – Senador Renan Calheiros (Ton Molina/Fotoarena/.)

    A hostilidade envolve o deputado Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, e o senador Renan Calheiros (MDB), ex-presidente do Congresso. Ninguém sabe ao certo qual foi o marco zero do desentendimento. Nenhum deles gosta de falar sobre isso — ao menos não publicamente. O conflito, porém, antes restrito às contendas paroquiais, começa a ganhar uma dimensão infinitamente mais grave. Na semana passada, a Polícia Federal realizou buscas nos endereços de um grupo suspeito de fraudar licitações em prefeituras de Alagoas. Um assessor de Lira surgiu entre os investigados. Para o presidente da Câmara, a investida teria sido articulada por interessados em minar seu poder — petistas e ministros do governo — e incentivada pelo seu desafeto. O deputado levou o caso ao presidente Lula, advertiu que ações como aquela poderiam prejudicar as relações entre o Executivo e o Legislativo, ouviu a garantia de que o Planalto nada tinha a ver com a incursão policial e foi aconselhado a enfrentar a situação.

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    Quem conhece Arthur Lira sabe que a reação virá na mesma intensidade e em sentido contrário. Ele desconfia, por exemplo, que o Ministério da Justiça estaria operando os vazamentos de detalhes da investigação sobre o suposto esquema de fraudes. As imagens divulgadas de dinheiro apreendido e do encontro do seu asses­sor com alguns dos suspeitos seriam parte de uma trama para desqualificá-lo na semana em que o governo sofreu pesadas derrotas no Congresso. Por outro lado, ele tem certeza de que Renan Calheiros está por trás da operação policial. Lira relatou essa convicção a um grupo de aliados. Segundo ele, a investigação da PF teve como base informações colhidas pelo Tribunal de Contas da União, cujo presidente, Bruno Dantas, é muito próximo ao senador alagoano. O deputado explicou por que não tem dúvida de que o senador no mínimo sabia o que estava para acontecer.

    GOVERNO - Renan Filho: incômodo com o posto ocupado pelo filho do senador
    GOVERNO - Renan Filho: incômodo com o posto ocupado pelo filho do senador (Roberto Casimiro/Fotoarena/Ag. O Globo/.)

    No ano passado, Renan Calheiros postou a seguinte mensagem em uma rede social: “Arthur Lira é o dono da chave do cofre do orçamento secreto que exala corrupção: ônibus, barras de ouro, robótica, caminhões de lixo etc.”. Parecia mais uma provocação sem muita importância, que, inclusive, foi prontamente respondida: “Renan Calheiros falando em honestidade é a maior piada que existe. Isso é pra desviar a atenção da enxurrada de denúncias que vão aparecer do governo do filho. Aguardem!”, devolveu o deputado. A PF apura o superfaturamento de equipamentos de robótica adquiridos por municípios de Alagoas com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Lira não está entre os investigados. A repercussão do caso, no entanto, o obrigou a afastar seu assessor, cujo motorista foi filmado pela polícia recebendo uma sacola na garagem de um hotel em Brasília. O fato de Renan Calheiros ter incluído o item “robótica” na mensagem do ano passado, na visão de Lira, não teria sido uma coincidência.

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    A temperatura do confronto entre o deputado e senador vinha subindo gradativamente. No fim de maio, Calheiros foi às redes sociais para chamar Lira de “caloteiro”, dizer que ele “desvia dinheiro público” e comete “achaques”, no momento em que a Câmara ameaçava derrubar a medida que reestruturou a Esplanada dos Ministérios e os deputados chegavam ao ápice da pressão pela liberação de cargos e verbas, travados pelo governo. Em conversas privadas, Lira acusava Renan de estar “descompensado” e avisava que não ia deixar barato. O plano de reação já estava rascunhado. O deputado avisava que iria “pegar” o senador trazendo à tona supostas irregularidades na administração de Alagoas, estado governado por Paulo Dantas (MDB), aliado e sucessor de Renan Filho, o primogênito do senador. Aos mais próximos, aliás, o deputado nunca escondeu a contrariedade em ter o rebento de seu principal desafeto ocupando o Ministério dos Transportes, um dos mais importantes da Esplanada.

    FRAUDE - Cofre fotografado na operação: a PF apreendeu dinheiro com suspeitos
    FRAUDE - Cofre fotografado na operação: a PF apreendeu dinheiro com suspeitos (Polícia Federal/Reprodução)

    Após a ação da PF, Lira procurou o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, para reclamar dos constantes vazamentos da operação, cujas cenas de supostas entregas de malas de dinheiro e de um cofre com mais de 4 milhões de reais flagrado na casa de um dos envolvidos foram logo divulgadas na imprensa. Em uma nova conversa com Lula, na segunda-feira 5, o presidente da Câmara dizia ver uma ingerência direta de Renan Calheiros. Indício disso, além dos ataques prévios, seria o fato de o Tribunal de Contas da União (TCU), presidido por Bruno Dantas, afilhado do alagoano, ter apontado para a fraude na aquisição dos kits de robótica no fim de abril. Lira pediu ao presidente para conter seu aliado e afirmou não ter nenhuma ligação com as eventuais irregularidades. Lula disse que nem sequer sabia do motivo da briga entre os dois.

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    Renan Calheiros também procurou o presidente. Acompanhado de outros senadores do MDB, ele negou qualquer influência no caso policial e sugeriu a Lula que formasse uma coalizão na Câmara à revelia de Lira, buscando ele próprio uma aproximação direta com os deputados do Centrão e dar mais atenção ao Senado — uma maneira de mitigar os poderes do presidente da Câmara. Em ambas as conversas, o petista deixou claro que não pretende se tornar árbitro dessa disputa e fez acenos duplos para não melindrar nenhuma das partes. Lula levou Renan Filho a tiracolo na viagem que fez à Bahia, onde participou de uma feira agropecuária (veja a matéria na pág. 24), e, diante de apoiadores, fez questão de elogiar a atuação do ministro. Ao mesmo tempo, trocou telefonemas com Lira e, em tom de brincadeira, disse que levaria a dupla em uma próxima viagem. “Você fica de um lado e o Renan do outro”, ironizou o presidente.

    KIT ROBÓTICA - Bruno Dantas: investigações começaram no TCU
    KIT ROBÓTICA - Bruno Dantas: investigações começaram no TCU (Tribunal de Contas da União/.)

    A política já experimentou surpreendentes alianças entre notórios adversários, como os maranhenses José Sarney e Flávio Dino e, mais recentemente, entre Lula e Geraldo Alckmin. Aliados de Lira e Calheiros, no entanto, dizem já ter jogado a toalha e desistido de qualquer composição. Com seus respectivos clãs ocupando lados opostos na política, a dupla não conversa há mais de quatro anos — a última tentativa de trégua se deu durante um jantar promovido pela ex-senadora Kátia Abreu. O encontro, porém, terminou sem um aperto de mãos e os dois continuaram em estado de beligerância. Nas próximas eleições, Calheiros deve tentar a reeleição, e Lira, se nada mudar, alçará um voo mais alto em busca de uma cadeira no Senado. Por ora, não haveria nenhum terceiro nome capaz de derrotar a dupla na corrida pelas duas vagas disponíveis em 2026. O desafio agora é prever os próximos passos desse embate, seja em relação a Renan, seja em relação ao governo. Arthur Lira está bem magoado.

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    Disputa que não acabou bem

    EMBATE - Jader e ACM: os dois caciques acabaram renunciando
    EMBATE - Jader e ACM: os dois caciques acabaram renunciando (Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo/.)

    Em 2000, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso foi palco de um duelo entre dois dos políticos mais importantes da época. De um lado, o então to­do-poderoso senador Antonio Carlos Magalhães, influente como poucos, experiente, ex-ministro das Comunicações no governo de José Sarney e ex-governador da Bahia por três mandatos. Do outro, o senador Jader Barbalho, presidente do maior partido de então, o PMDB, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e da Previdência Social e governador do Pará por duas vezes. Ambos eram legítimos representantes do mais alto escalão da República, pesos-­pesados da política nacional. O desentendimento entre eles começou com um bate-boca e foi escalando até chegar a ponto de ACM acusar o colega em plenário de cometer atos de corrupção. “Vossa Excelência é um ladrão”, disse sem meias-palavras. O conflito tinha como pano de fundo a disputa pela presidência do Senado. Jader acabou vencendo, mas o embate pessoal continuou — e o desfecho não foi bom para nenhum dos dois.

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    Disposto a fustigar o rival, que passou a comandar o Congresso, o senador baiano procurou o Ministério Público para denunciar supostos crimes atribuídos a Jader Barbalho e seus aliados no governo. Na ocasião, ACM acabou cometendo uma inconfidência que lhe custaria caro. Sem saber que estava sendo gravado, comentou com um procurador da República que havia tomado conhecimento do resultado de uma votação secreta no Congresso. De acusador passou a acusado e, pressionado, acabou renunciando ao mandato para não ser cassado por quebra do decoro parlamentar. As denúncias contra Barbalho, no entanto, continuaram e foram se avolumando. Cinco meses depois de ACM, foi a vez de o senador paraense renunciar ao mandato. Na sequência, Jader foi preso em uma operação da Polícia Federal que investigava fraudes em um órgão do governo. O processo contra ele acabou prescrevendo. Os dois caciques voltaram ao Parlamento nas eleições seguintes, mas sem ostentar a influência ou o poder de outrora. ACM morreu em 2007, aos 79 anos. Jader continua senador.

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    Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845

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