No documentário Kobra Auto Retrato, você trata de sua carreira, mas também expõe muito da sua vida pessoal. Como sou muito introvertido e reservado, o filme, para mim, é uma novidade. Porque falo de questões familiares e das dificuldades de saúde. Agora, também tem o lado positivo. As coisas que aconteceram na minha vida, e que vêm acontecendo, são fruto simplesmente de trabalho. De superação mesmo, de força de vontade, de esforço, de querer vencer. E a cineasta que dirigiu, a Lina Chamie, teve sensibilidade para tratar dessas questões.
Como encara os problemas? Eu viajo pelo mundo sem saber falar inglês até hoje por causa da minha origem. Tenho problemas seriíssimos de saúde causados pela intoxicação de tinta. Além de uma insônia crônica, sofro de distúrbios alimentares e digestivos que me impedem de comer glúten, leite e derivados, ovos e até feijão. Mas nunca me acovardei diante disso, sempre encarei e fui para cima.
Por que resolveu falar de tudo isso agora? Acho que tem uma conexão com os meus propósitos daqui para a frente e com o meu instituto, que está funcionando desde o ano passado. Nós realizamos ações on-line durante a pandemia e presenciais em comunidades pelo país. É uma maneira de incentivar os meninos e as meninas das comunidades periféricas. E mostrar que é possível vencer, que é possível conquistar espaço. Mas não é fácil.
Como você vislumbra o futuro da arte de rua no Brasil? Quando comecei, em 1987, era outro cenário. A internet nem existia. Eu não tinha acesso algum a museu, a outros artistas. Nem tive apoio do governo, de político, de família, de ninguém. Tampouco sabia aonde meu trabalho poderia me levar. O cenário não mudou muito, na verdade. A não ser por algumas histórias de superação individual, nas quais as pessoas conquistam espaço sozinhas, por esforço e sacrifício pessoal.
Mas espera mudanças? Espero transformações significativas, porque arte e cultura são importantes para o país e para o desenvolvimento das pessoas. São antídotos para todos os males. São vacinas que me salvaram de muita coisa. Quanto mais arte tivermos nas ruas, melhor para as cidades, para a população, para todos. Esculturas, instalações, intervenções, murais, pinturas. Porque hoje não existe mais aquela divisão da arte que está na galeria, da arte que está no museu, da arte que está na rua. Tudo se conecta.
Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816