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‘É preciso provar que houve dolo’, diz promotora do caso do bebê Jonatas

Diana Spalding Lessa Garcia vai avaliar inquérito policial que indiciou casal de Joinville por desviar doações para tratamento de doença grave do filho

Por Fernanda Bassette
31 jul 2018, 19h14
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  • A promotora Diana Spalding Lessa Garcia, da 5a Promotoria Criminal de Joinville (SC), afirmou que a análise da perícia de oito celulares apreendidos na residência do casal Renato e Aline Openkoski – investigados sob a suspeita de desviar dinheiro doado para tratamento médico do filho Jonatas -, poderá ser a peça-chave para esclarecer dúvidas e ajudá-la a formar uma conclusão. Ela salientou que o caso tem “nuances muito delicadas” e que é preciso provar que houve dolo dos investigados.

    Diana será a responsável pela análise do inquérito policial que terminou com o indiciamento do casal pelos crimes de estelionato e apropriação indébita. Jonatas é portador da atrofia muscular espinhal tipo 1 (AME), uma doença genética rara, progressiva e extremamente incapacitante, que pode levar à morte em pouco tempo.

    “Pela minha experiência, essa perícia pode ajudar a esclarecer muitas coisas, o que facilita no momento de formar um convencimento. Em geral, as perícias em telefones celulares são muito esclarecedoras e costumam fornecer provas importantes para formalização de um crime”, afirmou. Os celulares do casal e de familiares foram apreendidos em fevereiro, quando a Polícia Civil fez uma busca e apreensão na casa de Renato e Aline. “Além dos textos, existem áudios que podem nos ajudar a entender e a interpretar situações.”

    O inquérito foi protocolado pela Polícia Civil no Fórum local na sexta-feira (27). O documento já foi distribuído e digitalizado, mas ainda não chegou às mãos da promotora – que tem dez dias a partir do recebimento oficial para se manifestar e oferecer a denúncia à Justiça, pedir novas diligências ou arquivar o caso.

    Sobre o pedido de prisão de Renato, a promotora afirmou que ainda precisa analisar o pedido e as justificativas apresentadas pela delegada Geórgia Marrianny Gonçalves Bastos (o inquérito tem 1.040 páginas), titular da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso. “Ainda é cedo para formar uma opinião porque não li o inquérito, nem vi a perícia dos celulares”, disse Diana.

    A promotora afirmou ainda que também precisa analisar com calma como a delegada chegou à conclusão dos crimes de estelionato e de apropriação indébita. “Para caracterizar o estelionato, eu preciso provar que eles agiram de forma fraudulenta. São nuances muito delicadas, afinal a criança existe, tem a doença e está recebendo o tratamento. Para eu oferecer a denúncia, preciso provar que houve intenção, dolo, em realizar determinadas ações. E para isso preciso analisar o inquérito.”

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    Para caracterizar o estelionato, eu preciso provar que eles agiram de forma fraudulenta. São nuances muito delicadas, afinal a criança existe, tem a doença e está recebendo o tratamento. Para eu oferecer a denúncia, preciso provar que houve intenção, dolo, em realizar determinadas ações

    Diana Spalding Lessa Garcia, promotora

    A investigação

    Renato e Aline foram indiciados com base no artigo 89 da Lei da Pessoa com Deficiência.  Segundo a delegada Geórgia, o estelionato surgiu no decorrer da campanha por doações e foi caracterizado no ápice da arrecadação, em maio de 2017, quando o casal solicitava aos doadores valores em espécie, em mãos, sob argumento de que a conta sofria intervenção da Justiça, o que induzia as pessoas ao erro para eles obterem vantagem ilícita.

    “A aplicação do artigo 89 foi resultado dos desvios dos valores da conta poupança do Jonatas, obtidos pela campanha, para uso próprio, como aquisição de celulares em uma cidade vizinha para não chamar a atenção dos doadores. Mas, ao longo do ano, outros gastos foram se consolidando, como a compra do carro e da viagem para Fernando de Noronha”, explicou a delegada.

    Sobre o pedido de prisão apenas para Renato, a delegada disse que o inquérito demonstra que era ele quem articulava todas as ações. “Ele sempre utiliza novas artimanhas para sensibilizar as pessoas, dissimula a verdade sobre as manifestações judiciais, se faz de vítima e quando os doadores cobram lisura nas redes sociais, ele exclui as indagações. Diante disso, concluo que não há outro recurso capaz de deter esse comportamento se não o cerceamento da liberdade, que está sendo danosa à coletividade.”

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    A delegada reforçou ainda que os autos do inquérito demonstram que Renato não era tão assíduo nos cuidados de Jonatas como Aline – o que justifica não pedir a prisão dela também. “Neste caso, somos sensíveis em entender que é notória a importância da genitora no tratamento da criança, que já demonstra sinais de evolução”, afirmou. Geórgia, no entanto, pede a adoção de uma medida cautelar de proibição de contato com os seguidores das redes sociais, para evitar o surgimento de novas vítimas.

    O médico Danny César de Oliveira Jumes foi indiciado por falso testemunho, com pena prevista de dois a quatro anos de prisão. À polícia ele afirmou que doou 10.000 reais para que o casal fizesse uma viagem a Fernando de Noronha, fato que foi desmentido após a apreensão dos celulares de Renato e Aline. Em uma troca de mensagens, Aline diz ao médico que um jornalista entraria em contato e pede que ele reforce a versão que eles deram ao fato, confirmando a suposta doação do dinheiro.

    Doadores famosos

    Os objetos apreendidos pela polícia na residência do casal em um mandado de busca e apreensão em fevereiro, entre eles um carro avaliado em cerca de 140.000 reais, televisão, óculos, perfumes, camisas de time de futebol, roupas e brinquedos foram remetidos ao Fórum de Joinville com a sugestão de que sejam leiloados e o dinheiro seja revertido ao tratamento da criança.

    Com a ajuda de milhares de doadores desconhecidos e de celebridades como a atriz Danielle Winits, as duplas Victor e Léo e Zezé di Camargo e Luciano, as apresentadoras Ana Hickmann e Eliana e o cantor Luan Santana, entre outros, os pais de Jonatas arrecadaram cerca de 4 milhões de reais em aproximadamente três meses – quantia mais do que suficiente para iniciar o tratamento do menino com o medicamento Spinraza, que promete estabilizar a progressão da doença e até mesmo recuperar movimentos perdidos em alguns casos. Cada dose da medicação custa em torno de 350 mil reais – são necessárias pelo menos quatro ampolas nos dois primeiros meses de tratamento, além das doses de manutenção a cada quatro meses.

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    O problema surgiu quando o casal começou a alterar o padrão de vida, chamando a atenção dos doadores anônimos. Por meio das páginas nas redes sociais, a população pedia transparência e prestação de contas do uso do dinheiro. Segundo a investigação policial, Renato e Aline compraram o carro no valor de R$ 140 mil reais, mudaram para uma casa melhor, trocaram os aparelhos de celular por modelos mais modernos e gastaram dinheiro na compra de óculos, perfumes, joias e roupas para eles e não para o bebê.

    A gota d’água aconteceu em dezembro do ano passado, na semana do Ano Novo, quando o casal viajou para Fernando de Noronha (um dos destinos turísticos mais caros do Brasil) com o dinheiro arrecadado na campanha, acompanhados do médico Danny César, de Balneário Camboriú. Só de passagens aéreas – pagas em dinheiro e à vista – foram quase 8.000 reais. Lá no arquipélago, passaram a virada do ano na disputada Pousada do Zé Maria, reduto de famosos, cujos ingressos da ceia estão à venda neste ano por 1.318 reais mais taxas para homens e 1.048 reais mais taxas para mulheres.

    Após a viagem, os doadores começaram a exigir prestação de contas – algo nunca feito pelos pais. Além disso, o casal nunca cumpriu um acordo judicial firmado com o Ministério Público e a Justiça de Joinville de fazer o depósito judicial do dinheiro arrecadado e de prestar contas mensalmente. Por conta disso, em janeiro, a Justiça bloqueou as contas do casal e, desde então, o dinheiro tem sido liberado judicialmente apenas após a apresentação de notas ou documentos que comprovem os gastos.

    Defesa

    Procurada por VEJA, a advogada Jucelia Vinholi, que representa o casal e o médico Oliveira Jumes, informou por meio de sua secretária, Iandra, que não vai se pronunciar sobre o caso.

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