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Deputados se articulam para aprovar ‘vale-tudo eleitoral’ a toque de caixa

Reforma deve flexibilizar o uso de verba pública e privada, ampliar a propaganda política e afrouxar o controle de gastos

Por Victoria Bechara Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Bruno Caniato Atualizado em 4 jun 2024, 10h04 - Publicado em 10 set 2023, 08h00
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  • A um ano das próximas eleições, os deputados estão empenhadíssimos em aprovar relevantes alterações na legislação que visam a facilitar a vida de candidatos e partidos já em 2024. O pacote prevê facilitar o financiamento privado de campanha, flexibilizar as regras de propaganda, afrouxar a prestação de contas e ampliar as possibilidades de uso de dinheiro público. Os parlamentares tentam passar as mudanças a toque de caixa, pois elas precisam ser sancionadas pelo presidente Lula até 5 de outubro, de forma a valerem na disputa municipal. O pontapé inicial foi dado em 22 de agosto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, ao criar grupo de trabalho que teria noventa dias para encaminhar a questão. Enquanto muitas discussões acabam dormindo nas gavetas da Casa, esse trabalho ficou pronto antes do tempo. O relatório será apresentado na segunda-feira 11, e votado em plenário na quarta — 22 dias entre o início e o fim dos debates.

    MOTIVO - Dani Cunha, presidente do grupo: “Problemas que todos sofrem”
    MOTIVO - Dani Cunha, presidente do grupo: “Problemas que todos sofrem” (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

    Boa parte das mudanças representa uma inflexão em relação aos últimos anos. Um dos pontos prevê uma espécie de boca de urna digital, com os candidatos podendo pedir votos em suas redes sociais no dia da votação. A propaganda na data da eleição, inclusive via internet, é proibida por uma lei de 1997. Outra alteração significativa será a permissão irrestrita para propaganda em bens particulares, como veículos e imóveis. Adesivos e placas poderão ter qualquer tamanho desde que não firam as leis que tratam de poluição visual. O pacote também amplia a possibilidade de uso do Pix para arrecadação de doações privadas, inclusive sem pedir o CPF do doador — como exige uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral na eleição de 2022. O combo quer permitir ainda que o dinheiro dos fundos públicos seja usado para gastos hoje proibidos, como alimentação, hospedagem e segurança pessoal das candidatas (veja o quadro).

    arte reforma eleitoral

    Como era de se esperar, a discussão atraiu o interesse de parlamentares de todos os espectros políticos. Tanto que o relator, Rubens Pereira Jr. (PT-MA), teve de adiar o relatório, previsto para quarta-feira 6, devido à quantidade de sugestões recebidas. Além disso, algumas propostas dividiram a turma, como a revogação às restrições de propaganda em bens privados. Parte dos deputados alega que candidatos poderiam ser beneficiados por empresários ou donos de imóveis — um outdoor sem limite de tamanho poderia ser colocado em um terreno baldio, por exemplo, ou estampar um prédio. Outra questão é a possibilidade de políticos trocarem de legenda dentro da mesma federação partidária a qualquer momento sem que seja considerado infidelidade. Os pontos que causam divergência não deverão entrar no texto final. “Não queremos mudar nada que seja muito denso. Queremos simplificar e vamos dar preferência àquilo que é consenso”, diz Pereira Jr.

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    A correria para a tramitação da reforma uniu esforços de vários lados. O grupo tem representantes de treze partidos, da esquerda à direita, incluindo os presidentes do MDB, Baleia Rossi, e do Podemos, Renata Abreu. O relator, Pereira Jr., é um dos vice-líderes do governo Lula. A presidência é de Dani Cunha (União Brasil-­RJ), que, embora seja parlamentar de primeiro mandato, é filha e herdeira política do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha. Além de tudo, a discussão tem o padrinho mais forte da Câmara, o presidente Arthur Lira, que garantiu que as mudanças serão votadas na próxima semana. “A gente está tratando de problemas que todos sofrem, sem exceções. Há um entendimento de que todos querem essa reforma”, afirma Dani Cunha.

    MUDANÇA - Outdoor retirado no interior de SP em 2022: deputados agora querem liberar propaganda em espaço privado
    MUDANÇA - Outdoor retirado no interior de SP em 2022: deputados agora querem liberar propaganda em espaço privado (MPSP/Divulgação)

    O frenesi parlamentar em torno do tema não chega a surpreender. Desde que foi sancionada em 1997 pelo presidente FHC, a Lei das Eleições foi alterada dezenove vezes. Na maioria delas, o foco foi regular fundos públicos, financiamento, prestação de contas e propaganda. A primeira “minirreforma” de impacto considerável veio em 2015, com a restrição ao número de candidatos e a instituição da cláusula de barreira, que visava ao fim do “efeito Tiririca” — fenômeno que permitia a eleição de candidatos de votação pouco expressiva a reboque de “puxadores de votos”, como o famoso palhaço cearense. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal, em meio aos gigantescos esquemas desvendados pela Lava-Jato, como o da Odebrecht, determinou o fim das doações de empresas às campanhas, dando o pontapé para que o Congresso criasse o bilionário Fundo Eleitoral, em 2017. A mais recente minirreforma foi promulgada pelo Congresso no ano passado e, embora enxuta, impôs uma mudança significativa: fixou em 30% o repasse mínimo do Fundo Eleitoral e tempo de propaganda para as candidaturas femininas — medida que acabou amplamente desrespeitada.

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    Embora as “minirreformas” tramitem sempre sob a premissa de aperfeiçoar o processo eleitoral, a frequência de remendos resulta em uma enorme colcha legal de retalhos cujos detalhes estão em constante mutação e não geram os efeitos pretendidos. As alterações ocorrem praticamente às vésperas de cada eleição e, reiteradamente, são elaboradas e aprovadas a toque de caixa sem a devida transparência e comprometimento com um modelo sólido de longo prazo. “É como um jogo de tabuleiro: se as regras mudam a cada rodada, nenhum dos participantes — tanto eleitores quanto partidos — consegue avaliar a melhor estratégia para fazer valer os interesses da sociedade”, avalia a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). Ela lembra que algumas medidas aprovadas na reforma de 2017, como a cláusula de desempenho, são gradativas e só estarão consolidadas em 2030 — até lá, o ideal seria interferir o mínimo possível nas regras para avaliar os efeitos em médio e longo prazo.

    MARCO - Odebrecht: escândalo levou ao fim do financiamento por empresas
    MARCO - Odebrecht: escândalo levou ao fim do financiamento por empresas (Sebastião Moreira/EFE)

    Nada leva a crer, no entanto, que esse estica e puxa das regras eleitorais não vai continuar nos próximos anos. O próprio relator da discussão em curso, Pereira Jr., indicou que temas complexos e que não forem incluídos por falta de consenso ainda serão discutidos futuramente, como a equiparação de redes sociais aos meios de comunicação, políticas para fake news e mudanças no sistema de cotas. Além disso, está parado no Senado desde 2021 o novo Código Eleitoral, que foi aprovado rapidamente na Câmara, mas não andou. O texto tem mais de 900 artigos, incluindo a proibição de pesquisas na véspera da eleição e dispositivos que protegem a propaganda política em igrejas. Ninguém sabe quando — e se — essa proposta voltará a andar.

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    O que ninguém tem dúvida é que partidos e políticos sempre estarão se mobilizando para ajustar a lei ao que acham melhor em cada empreitada eleitoral — mesmo que isso pouco contribua para o que de fato interessa ao país: o fortalecimento de sua democracia.

    Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858

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