No cemitério de Brumadinho, em Minas Gerais, estão enterradas muitas das 270 vítimas de um dos maiores desastres ocorridos no país. Vinte e duas pessoas continuam desaparecidas, provavelmente soterradas nos rejeitos da barragem que se rompeu em janeiro passado. Os sinais da destruição ainda se fazem presentes em todo lugar, especialmente na memória daqueles que perderam familiares num acidente que poderia ter sido evitado, não fosse o encontro da negligência da empresa responsável pela barragem com a omissão do poder público. A novidade é que, seis meses depois da tragédia, a cidade começa a se erguer de novo — e num ritmo surpreendente. Brumadinho experimenta uma espécie de boom econômico. O comércio está em franca expansão, as lojas de material de construção duplicaram as vendas, as propriedades valorizaram-se diante do aumento da procura, falta mão de obra e sobram empregos — tudo isso reflexo direto das indenizações que vêm sendo pagas às vítimas do acidente.
Já foram fechados 451 acordos individuais e trabalhistas com as vítimas. A Vale, empresa responsável pela barragem que se rompeu, concordou em pagar 700 000 reais a cada um dos parentes dos mortos. Uma família de quatro pessoas — mulher e três filhos, por exemplo — vai receber 2,8 milhões de reais. O benefício se estende a irmãos, que têm direito a 150 000 reais cada um. Além disso, a empresa fez uma “doação” imediatamente após a tragédia de 100 000 reais a 276 famílias para amenizar os danos emocionais. A Vale calcula já ter desembolsado algo em torno de 2,3 bilhões de reais em indenizações e contratação de serviços para minimizar os danos ambientais. Essa injeção de dinheiro catapultou a economia da cidade.
Nenhum dos 36 000 habitantes de Brumadinho jamais vai esquecer o que fazia às 12h28 do dia 25 de janeiro, quando 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de uma mina vieram abaixo. O lavrador Maxwel Moreira Cardoso, de 21 anos, plantava alfaces na roça da família quando recebeu um telefonema. Ele foi avisado pela esposa que perdera cinco amigos que limpavam tubulações e que tinham acabado de conseguir para ele o mesmo emprego em uma empresa terceirizada da mineradora Vale. Hoje, recém-contratado para trabalhar na área do acidente, complementa a renda com a indenização mensal. Ele, a esposa e duas crianças recebem 2,5 salários mínimos. Já o garçom Marcos Antônio Osório, de 56 anos, servia clientes a poucos metros da casa em que morava com familiares quando vizinhos lhe contaram que sua irmã e o cunhado estavam mortos. Osório vai receber 150 000 reais de indenização. “Vou comprar umas vacas, umas galinhas e cuidar de uma terrinha da família”, diz ele.
Parte dos sobreviventes da tragédia ainda se encontra em moradias provisórias e toda a população da cidade e do entorno — mais de 100 000 pessoas — recebe um auxílio emergencial de até um salário mínimo. Desde maio, o comércio de produtos eletrônicos e de material de construção atravessa um período de euforia. Na principal cadeia de lojas da cidade, o estoque de televisores se esgotou. O aquecimento temporário da economia também fez com que trabalhadores abandonassem subempregos ou ocupações de baixa remuneração para viver do salário mínimo garantido pela Vale até dezembro. Na cidade, sobram vagas. A dona do restaurante Tropical viu todas as suas quatro funcionárias — duas cozinheiras e duas atendentes — pedir as contas para viver com a indenização temporária. A Pousada Alta Vista procura camareira e cozinheira e anunciou que vai pagar por hora de trabalho para tentar atrair candidatas. Nada até agora.
Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646