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Delivery de drogas e celulares em prisões faz polícia abrir caça a drones

Cerca de oitenta ocorrências com aparelhos desse tipo foram registradas em áreas de presídios desde 2017; entrega de um smartphone pode custar R$ 15.000

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 jul 2019, 16h43 - Publicado em 19 jul 2019, 06h30
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  • Na madrugada do último dia 12, uma sexta-feira, guardas da Penitenciária de Segurança Máxima de Campina Grande, na Paraíba, saíram correndo de suas cabines para o pátio e fizeram disparos para o alto, mirando em um pequeno ponto luminoso no céu. Ele deixou cair no lugar um tijolo de 1 quilo de maconha — e desapareceu de lá assim como surgiu. O ataque não chegou a ser uma surpresa. Na noite anterior, provavelmente o mesmo drone já havia tentado uma ação semelhante. “O crime organizado tem se aprimorado muito nos últimos tempos”, diz Manuel Leite, presidente do sindicato dos agentes penitenciários da Paraíba. “Antigamente, os bandidos tinham o costume de colocar celulares e drogas dentro de bolas de futebol antes de jogá-las para dentro da área da cadeia.”

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    No Brasil, ainda é incipiente o volume de entregas de pacotes de comida e de outras mercadorias por meio de drones. Para os bandidos, no entan­to, o futuro já é o presente. Cerca de oitenta ocorrências com equipamentos desse tipo foram registradas em áreas de presídios no Brasil de 2017 para cá, conforme levantamento feito por VEJA junto às secretarias de administração penitenciárias dos estados. O número deve ser ainda maior, pois a estatística considera apenas os aparelhos interceptados ou avistados durante as ações. Em um primeiro momento, a solução foi adaptar os bloqueadores de celulares, que, com um ajuste na faixa de frequência, também conseguem derrubar o sinal dos drones. “É como se numa conversa chegássemos com uma buzina, interrompendo a comunicação do piloto com o drone”, explica Leandro Manera, professor e coordenador do Laboratório de Soluções em Eletrônica da Unicamp. A limitação dessa solução é que ela não funciona em todos os tipos de drone. Manera e sua equipe também desenvolveram um sistema conhecido como spoofing, que consiste em hackear o drone alheio e assumir seu controle. O projeto é inédito no mundo e ainda não foi implantado em nenhum presídio por causa do custo, estimado em 1 milhão de reais. “O grande desafio é que essas tecnologias precisam passar por um constante processo de atualização”, afirma Eduardo Neger, CEO da Neger Telecom, que fornece bloqueadores a presídios, empresas de segurança privada e aeroportos no Brasil e na América do Sul. Hoje, por exemplo, já existem drones que, quando perdem o sinal ou ficam sem bateria, voam automaticamente de volta a seus donos.

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    Há outras iniciativas que envolvem novas tecnologias de combate ao “bonde aéreo”. Um aparato antidrone de última geração foi instalado para teste, em novembro de 2018, na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, em São Paulo, conhecida por abrigar integrantes importantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). “Ele está passando por uma fase de readequação, pois houve um problema de cruzamento de sinal com o bloqueador de celular, mas deve começar a operar em breve”, afirma o secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, Nivaldo Restivo. Por meio de radiodifusão, o equipamento, desenvolvido por uma empresa brasileira em parceria com a Unicamp, consegue detectar a aproximação de drones e a localização do seu piloto num raio de até 30 quilômetros. O mesmo sistema está sendo testado desde o início de 2019 na penitenciária federal de Brasília, para onde foram transferidos em março Marcos Herbas Camacho, o Marcola, e outros membros de peso do PCC.

    O “PROFESSOR” – Michael Silva de Melo, preso em maio: piloto do PCC (./Reprodução)

    Outro desafio da área da segurança para coibir essa forma de crime envolve a captura do piloto que está dirigindo o equipamento. Há apenas cinco registros de prisões desse tipo no Brasil nos últimos dois anos. A mais significativa delas foi feita pela Polícia Civil de Presidente Prudente, em São Paulo. Por oito meses a equipe investigou a formação de uma célula especializada dentro do PCC, cujo nome já é bastante significativo: Sintonia do Ar. O setor seria responsável por um esquema de delivery de celulares e drogas dentro de presídios dominados pela facção. Quem tocava o negócio era Michael Silva de Melo, de 24 anos, conhecido como Mixa. Batizado no PCC em 2016, quando cumpriu pena por tentativa de homicídio e furto, ele popularizou a prática no sistema penitenciário paulista. Em sua carreira de piloto, Mixa fez cerca de vinte entregas em apenas cinco meses, segundo cálculos da polícia. Para cada remessa, cobrava em média 40 000 reais.

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    O preço valia a pena. De acordo com o linguajar da cadeia, um batonzinho (microcelular) custava cerca de 5 000 reais; um FM (celular com rádio), 7 000 reais; e um zap (smartphone), 15 000 reais. Numa só entrega, Mixa conseguia levar até vinte batonzinhos. Importante lembrar: havia sempre uma “cortesia” de celulares extras para a “família” — as lideranças do PCC que mandavam na cadeia. Com a agenda lotada de serviços, Mixa passou a ser chamado pela facção de “Professor”, que remete ao apelido do cérebro criminoso da série La Casa de Papel.

    Segundo a polícia, caberia a ele formar e treinar equipes para replicar o sistema de delivery em outros estados. “Foi aí que decidimos acelerar e deflagrar a operação”, conta o delegado Pablo França. No fim de junho, a Justiça paulista decretou a prisão preventiva do Professor e de outros onze comparsas. A viagem do piloto terminou na cadeia de Presidente Venceslau, onde aguarda o julgamento, que pode condená-lo a pena de até quarenta anos. Mas a batalha contra os “bondes aéreos” parece estar apenas no começo.

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    Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644

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