A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a entrevista a VEJA concedida pelo delegado Mauricio Moscardi Grillo, coordenador da Lava Jato na Polícia Federal, é “luminosa ao reconhecer que a operação trabalha com ‘timing’ ou sentido de oportunidade em relação a Lula, evidenciando a natureza eminentemente política da operação no que diz respeito ao ex-presidente”.
Na entrevista, Grillo afirma que houve um tempo em que os investigadores tinham provas, áudios e indícios que poderiam caracterizar tentativa de obstrução da Justiça por parte do ex-presidente, mas que, hoje, “os elementos que justificariam um pedido de prisão preventiva não são tão evidentes”. Ele diz também que foi um erro ter levado o petista para depor no Aeroporto de Congonhas, porque acabou permitindo a ele passar uma imagem de vítima.
Por meio de nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Martins, que defendem Lula, dizem que a operação não tem “provas concretas e robustas para demonstrar o ilícito e para sustentar as consequências jurídicas decorrentes” e que o delegado “afronta” o Supremo Tribunal Federal (STF) ao citar gravações consideradas ilegais pela Corte.
Zanin e Martins acusam Grillo de “desprezar o direito de defesa” e se colocar “acima da lei” ao afirmar que os advogados de Lula “tumultuam a Lava Jato”.
Leia abaixo a nota da defesa de Lula:
Sobre a entrevista concedida pelo delegado federal Mauricio Moscardi Grillo, coordenador da Lava Jato na Polícia Federal, à revista Veja (“Da prisão do Lula”, 14/01/2017), fazemos os seguintes registros, na condição de advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
1- A divulgação pela imprensa de fatos ocorridos na repartição configura transgressão disciplinar segundo a lei que disciplina o regime jurídico dos policiais da União (lei no. 4.878/65, art. 43, II) e, afora isso, a forma como o delegado federal Mauricio Moscardi Grillo se dirige ao ex-presidente é incompatível com o Código de Ética aprovado pela Polícia Federal (resolução no. 004-SCP/DPF, de 26/03/2015, art. 6o, II) e com a proteção à honra, à imagem e à reputação dos cidadãos em geral assegurada pela Constituição Federal e pela legislação infra-constitucional e, por isso, será objeto das providências jurídicas adequadas.
2- Por outro lado, a entrevista é luminosa ao reconhecer que a Lava Jato trabalha com “timing” ou sentido de oportunidade em relação a Lula, evidenciando a natureza eminentemente política da operação no que diz respeito ao ex-presidente.
É o “lawfare”, como uso da lei e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, exposto reiteradamente pela defesa de Lula, agora afirmado, de modo indireto, pelo próprio coordenador da Lava Jato na Policia Federal.
3 – Se Lula tivesse praticado um crime, a Polícia Federal, depois de submetê-lo a uma devassa sem precedentes, teria provas concretas e robustas para demonstrar o ilícito e para sustentar as consequências jurídicas decorrentes.
Os mesmos áudios e elementos de que a Lava Jato dispunha em março de 2016 estão disponíveis na data de hoje e não revelam nenhum crime. Mas a Lava Jato, segundo o próprio delegado, trabalha com “timing” ou sentido de oportunidade em relação a Lula.
4- A interceptação da conversa entre os ex-presidentes Lula e Dilma no dia 16/03/2016 pela Operação Lava Jato foi julgada inconstitucional e ilegal pelo Supremo Tribunal Federal. O delegado federal Mauricio Moscardi Grillo e a Lava Jato afrontam a Suprema Corte e revelam desprezo pelo estado democrático de direito ao fazer afirmações sobre esse material sem esse registro. Ademais, é preciso, isto sim, que o delegado federal coordenador da Lava Jato esclareça o motivo da realização da gravação dessa conversa telefônica após haver determinação judicial para a paralisação das interceptações e, ainda, a tecnologia utilizada que permitiu a divulgação do conteúdo desse material menos de duas horas após a captação, tendo em vista notícias de colaboração informal – e, portanto, ilegal – de agentes de outros países no Brasil. A divulgação dessa conversa telefônica em menos de duas horas após a sua captação, além de afrontar a lei (lei n. 9.296/96, art. 8o. c.c. art. 10), está fora dos padrões técnicos brasileiros verificados em situações similares.
5- A condução coercitiva de Lula para prestar depoimento no Aeroporto de Congonhas foi ato de abuso de autoridade (lei no. 4.898/65, art. 3o., “a”) porque promoveu um atentado contra a liberdade de locomoção do ex-presidente e de sua liberdade fora das hipóteses autorizadas em lei. Por isso mesmo, fizemos uma representação à Procuradoria-Geral da República para as providências cabíveis e, diante da inércia, documentada em ata notarial, promovemos queixa-crime subsidiária, que está em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O tema também é objeto do comunicado que fizemos em julho ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. Portanto, o delegado federal deveria repensar não só o local da condução coercitiva de Lula, mas, sobretudo, a inconstitucionalidade e a ilegalidade do ato. Merece registro, adicionalmente, que o local do Aeroporto de Congonhas para onde Lula foi levado tem paredes de vidro e segurança precária, tendo colocado em risco a integridade física do ex-presidente, de seus colaboradores, advogados e até mesmo dos agentes públicos que participaram do ato, sendo injustificável sob qualquer perspectiva.
6- Ao classificar as ações e providências da defesa de Lula como atos para “tumultuar a Lava Jato”, o delegado e a Lava Jato mostram, de um lado, desprezo pelo direito de defesa e, de outro lado, colocam-se acima da lei, como se estivessem insusceptíveis de responder pelos abusos e ilegalidades que estão sendo praticadas no curso da operação em relação ao ex-presidente. Deve ser objeto de apuração, ademais, se pessoas que praticaram atos estranhos às suas funções públicas ou com abuso de autoridade estão sendo assistidas por “advogados da União” – pagos pela sociedade – como revela Mauricio Moscardi Grillo em sua entrevista.