Em 1971, na Califórnia do movimento paz & amor, o psicólogo Philip Zimbardo aproveitou o período de férias para transformar seu departamento na Universidade de Stanford em cenário de um experimento: ele e seus assistentes puseram um anúncio no jornal procurando voluntários e oferecendo a eles 15 dólares por dia, durante duas semanas. Entrevistaram dezenas de candidatos, selecionaram 24: todos jovens de comportamento normal, sem inclinações agressivas ou violentas, sem histórico de problemas familiares nem de dependência de álcool ou drogas. Seis ficaram no banco dos reservas, e os dezoito restantes foram divididos em dois grupos, literalmente no cara ou coroa: cara, e o candidato virava “prisioneiro”; coroa, virava “carcereiro”.
A prisão de mentirinha montada nas salas do departamento de psicologia virou uma prisão de verdade: em questão de horas, mal nove dos rapazes tinham vestido o camisolão de prisioneiros e os outros nove envergado o uniforme dos guardas, um ciclo de abuso crescente já se havia instalado. E dá-lhe guerra. O estudo de Zimbardo já inspirou vários filmes e episódios de seriados, entre eles A Experiência (2001), A Onda (2008) e O Experimento do Aprisionamento de Stanford (2015). O projeto tomou um rumo tão grave que teve de ser interrompido no sexto dia. Pelo protocolo estabelecido pelo próprio Zimbardo, aliás, deveria ter sido cancelado bem antes. Mas é compreensível o fascínio dos cientistas com o monstro em que o estudo se tornou, e sua relutância em privar-se de ver a que ponto ele chegaria.
Até hoje, o teste ainda está envolto em controvérsia, já que alguns dos voluntários dizem ter sido traumatizados em definitivo pela experiência. Zimbardo estava na verdade mirando em outra coisa: queria analisar a forma como um ambiente institucional influencia o comportamento dos indivíduos. Acabou descobrindo fatores decisivos das reações autoritárias e “de manada” — e não por acaso foi muito consultado quando vieram a público os episódios de tortura, como os dos soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib, denunciadas a partir de 2004. Ele morreu em 14 de outubro, aos 91 anos, em São Francisco.
“Tolice é viver a vida assim”
É inevitável, você vai cantarolar. “Me dá um beijo, então / Aperta minha mão / Tolice é viver a vida assim sem aventura / Deixa ser / Pelo coração / Se é loucura então melhor não ter razão”, de O Último Romântico, sucesso de Lulu Santos. “Meu mundo você é quem faz / Música, letra e dança / Tudo em você é fullgás / Tudo você é quem lança / Lança mais e mais”, de Fullgás, na voz de Marina Lima. Os trechos dessas canções pop, ícones dos anos 1980, são do poeta, filósofo e crítico literário Antonio Cicero — irmão de Marina. Em 2017, ele foi eleito para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, tal qual Bob Dylan recebeu o Nobel, por força de seu trabalho popular.
Ele sofria de Alzheimer. Cansado, decidiu pela eutanásia na Suíça, país que autoriza o procedimento. Deixou uma carta elegante e emocionada: “Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.” Morreu em 23 de outubro, aos 79 anos.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916