Caso Henry: Justiça torna Jairinho réu por tortura de filho de ex-namorada
Vítima foi revelada por VEJA em abril e teve o fêmur quebrado após um “passeio” com o político, que também vai responder por falsidade ideológica

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou a denúncia do Ministério Público e tornou o ex-vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, de 43 anos, réu por tortura majorada e falsidade ideológica no caso de mais um menino agredido pelo político entre os anos de 2014 e 2016. A criança, à época com três anos, é filha da assistente social Débora Mello Saraiva, de 34 anos. A história do garoto foi revelada por VEJA na edição de 2 de abril.
Débora manteve um relacionamento paralelo com Jairinho até o caso do menino Henry Borel, de 4 anos, vir a público. O ex-parlamentar e a mãe da criança, a professora Monique Medeiros, de 33 anos, estão presos e são réus por homicídio triplamente qualificado e tortura do menor, assassinado na madrugada de 8 de março no apartamento em que os três viviam na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Além do processo da morte de Henry, Jairinho também foi denunciado no final de abril por torturar a filha de outra ex-namorada.
A nova acusação em relação ao filho da amante de Jairinho foi apresentada pelo promotor Marcos Kac e tem base nas investigações da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), conduzidas pelo delegado Adriano França, que documentou as agressões feitas pelo político contra o menino. Como VEJA havia mostrado, o garoto voltou de um “passeio” com o ex-vereador com o fêmur quebrado. Os investigadores conseguiram rastrear o registro do atendimento médico da época. “A denúncia contém a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e rol de testemunhas. Os pressupostos processuais e as condições para o exercício da ação penal estão presentes”, escreveu a magistrada Daniela Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal, na decisão. A juíza, no entanto, não decretou a prisão dentro deste processo por considerar que Jairinho já está preso e que os fatos ocorreram há mais de cinco anos.

Embora o delegado tenha indiciado Débora por omissão e tortura imprópria, cuja pena é mais branda, o promotor optou por denunciar apenas Jairinho. Ele também vai responder por falsidade ideológica porque o casal mentiu no atendimento hospitalar em 2015, na tentativa de ocultar as agressões sofridas pelo menor de idade.
No caso do filho de Débora, tanto o menino quanto sua irmã, também menor de idade, foram submetidos a depoimentos especiais feitos por policiais especializados em interrogatórios infantis. Os dois ativaram memórias guardadas e o menino reviveu episódios em que foi espancado pelo parlamentar: tortura mediante sufocamento com saco na cabeça, pisões no abdômen e uma grave fratura de fêmur. Neste episódio, de acordo com as investigações, “a criança com medo vomitou no carro na tentativa de fugir de seu algoz, descendo de um veículo tipo SUV acabando por sofrer a lesão grave, ficando imobilizado com gesso por cerca de dois meses”.
À época, a criança foi levada ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca. A polícia conseguiu obter a documentação do atendimento, no qual há relatos de uma psicóloga narrando que a criança “interagia bem, mas chorava um pouco e dizia que queria ir para casa e que não queria entrar no carro em que se acidentou”.


“Há relatos no atendimento médico no mesmo dia e no mesmo hospital de que o paciente apresentava dois hematomas na bochecha, sendo uma do lado direito e outro do lado esquerdo, bem como assaduras nos glúteos, comprovando não só a fratura, mas também outras agressões naquele dia em que a criança foi vítima” de agressões, segundo a Dcav. Ao hospital, Jairinho e Débora alegaram que os machucados teriam sido consequência de um “acidente automobilístico”. Para a polícia, eles “fizeram inserir informação falsa em documento público”.
Ainda de acordo com os investigadores, os relatos no hospital ocorreram na presença da mãe da vítima. “Mesmo sendo que mesmo sabedora dos fatos ocorridos, ainda assim, [Débora] conviveu em imóvel no bairro de Jacarepaguá pertencente ao seu amante (local onde ocorreram posteriormente outras agressões contra seu filho) e não comunicou os fatos às autoridades, bem como também não o fez a equipe de profissionais de saúde que atendeu a criança, fato este tratado pelo ECA como infração administrativa [omissão]”, disse a polícia.

O relatório final do inquérito apontou que Débora declarou à polícia que Jairinho não fazia muita questão da presença da irmã mais velha do garotinho agredido, “demonstrando sempre um interesse especial em se aproximar da criança menor; que Jairinho sempre insistia com a declarante para que fossem buscar o garoto; que desde o início do relacionamento Jairinho pedia à declarante para sair sozinho com o menino pequeno”.
Para a polícia, isso evidenciou que a mãe dele, “sabendo de fato anterior ocorrido em seu próprio imóvel, ainda assim, permitiu que Dr. Jairinho saísse sozinho com seu filho de apenas 3 anos de idade, vindo este a sofrer posteriormente novo episódio de intensa dor e sofrimento por pessoa que deveria protegê-lo, pois mesmo que mantivesse um relacionamento extraconjugal, Dr. Jairinho fazia efetivamente o papel de padrasto daquela criança, não ficando comprovado, nem mesmo, em tese, quaisquer agressões em relação à irmã do menino”.
Débora seguiu mantendo relacionamento amoroso com Jairinho até a morte de Henry vir à tona. É para ela que o vereador manda uma mensagem na madrugada em que a criança foi morta, à 1h47 daquela noite. Tanto o filho torturado por Jairinho quanto sua irmã confirmaram, em depoimentos, que Jairinho o pisoteou e colocou um saco plástico na cabeça do menino – episódio narrado pela mãe em maio à polícia.
Em 2015, o menino e a irmã, também menor de idade, acordaram para beber água. O vereador estava acordado e Débora estava dormindo. Jarinho mandou a menina, que é mais velha que o irmão, pegar água e ir deitar, pois ele cuidaria do garoto – à época com 3 anos incompletos. A mulher contou que o filho lhe disse que Dr. Jarinho “colocou um papel e um pano na boca dele, e disse que ele não poderia engolir”. O parlamentar, então, teria deitado a criança pequena no sofá da sala, ficado em pé no sofá e apoiado todo o peso do corpo dele com os pés acima do menino. O garotinho teria relatado ainda que conseguira se desvencilhar, chamara pela mãe e que ela não conseguia acordar. Dr. Jairinho conseguiu alcançá-lo, levou a criança “até o estacionamento, para dentro do carro”, e que o vereador teria colocado um saco plástico na cabeça do menino. Em seguida, ficou dando voltas com o veículo.
Aos policiais, a mulher afirmou que suspeita ter sido dopada naquela noite em que a criança foi torturada – isto porque sua filha e sua mãe viram um copo de bebidas com um pó branco em seu interior. Sobre o episódio em que a criança ficou com o rosto e olhos roxos, a avó materna da criança informou à polícia que ele havia “caído de uma rede” em uma casa de veraneio em Angra dos Reis, e que foi conduzido ao atendimento médico por Dr. Jairinho e Débora.