Carta ao Leitor: Testemunha da história
Em 55 anos, o mundo mudou — VEJA também, mas sem jamais abandonar os cânones que a fizeram a mais relevante publicação brasileira

O Brasil vivia um tempo de ebulição política, em acalorados confrontos entre estudantes e soldados armados a mando da ditadura militar do general Arthur da Costa e Silva. O Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, levava Roda Viva, “a ascensão e queda de Benedito Silva, cantor medíocre transformado em ídolo da televisão”, em um espetáculo de “muitos palavrões e insultos nessa peça vale-tudo encenada por José Celso Martinez Corrêa com música de Chico Buarque de Hollanda”. No exterior, crescia a queda de braço entre a União Soviética e parte de seus satélites, como a Checoslováquia, que menos de um mês antes fora invadida por tanques soviéticos. Celebrava-se o extraordinário feito de um promotor de Justiça de São Paulo que morreu e deu vida a quatro outras pessoas, com a doação dos dois rins, o pâncreas e o coração. A empresa alemã Telefunken anunciava a chegada ao Brasil de um televisor de 41 centímetros, com exibição em preto e branco — “o pacificador”, na definição de um anúncio que punha o aparelho como se fosse um totem.
Era esse o andar da carruagem em setembro de 1968. E então, com data do dia 11, VEJA chegaria às bancas de revistas com a histórica edição número 1. Na capa, a foice e o martelo em mãos adversárias e a chamada: “O grande duelo no mundo comunista”. Neste mesmo espaço, o da Carta ao Leitor, há 55 anos, Victor Civita, fundador da Editora Abril, escreveu: “O Brasil não pode mais ser o velho arquipélago separado pela distância, o espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos: precisa de informação rápida e objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber o que está acontecendo nas fronteiras da ciência, da tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa acompanhar o extraordinário desenvolvimento dos negócios, da educação, do esporte, da religião. Precisa, enfim, estar bem informado. E este é o objetivo de VEJA”.
Passadas cinco décadas, pode-se dizer que aquele mantra inicial de Civita — e que depois seria acompanhado por seu filho Roberto e, agora, pelo publisher Fabio Carvalho — nunca deixou de ser fielmente seguido. Em 2 858 semanas, incluindo esta agora, deu-se a cuidadosa construção de um caminho sustentado por dois grandes pilares: o jornalismo como rascunho da história, na definição de um veterano editor do jornal americano The Washington Post, e a permanente vigilância do poder, na defesa da livre-iniciativa e da democracia. Não por acaso, nessa longa e bela estrada, feita de muitos acertos e poucos erros — e quando errou, VEJA admitiu tê-lo feito —, deu-se a tradução do mundo. As revoluções, as mortes trágicas, amores e dores, o ser humano na Lua, os grandes avanços da ciência, as pandemias e as vacinas, os governantes honestos e os ladrões, a vida pública e a vida privada. VEJA fez rir. VEJA fez chorar. VEJA foi aplaudida. VEJA incomodou.
É possível narrar o tempo em que vivemos por meio das páginas da revista — e não é raro que as pessoas, ao passearem pela aventura de cada semana, relembrem momentos coletivos e individuais, como um termômetro do que fomos e do que sonhávamos ser. O que não se supôs, por óbvio, era o extraordinário salto dado pela tecnologia que nos encaminhou para a velocidade da comunicação imposta pela internet. E, também nesse aspecto, VEJA soube seguir o tempo das transformações. Temos hoje, no site e nas redes sociais, aqui e agora, para já, em qualquer circunstância, a mesma relevância inaugurada naquela primavera de 1968. O mundo mudou — VEJA também, mas sem jamais abandonar os cânones que a fizeram a mais relevante publicação brasileira. Obrigado, leitor.
LEIA EM PDF UMA SELEÇÃO DE EDIÇÕES HISTÓRICAS DE VEJA:
11/SET/1968 – VEJA ED-1
Conflito da URSS e seus satélites
18/DEZ/1968 – VEJA ED-15
O general em seu labirinto
23/JUL/1969 – VEJA ED-46
Um passo para a humanidade
10/DEZ/1969 – VEJA ED-66
O horror da ditadura
28/MAR/1979 – VEJA ED-551
O sopro da liderança metalúrgica
18/JUL/1979 – VEJA ED-567
Revolução de comportamento
1º/FEV/1984 – VEJA ED-804
A democracia volta a respirar
10/AGO/1988 – VEJA ED-1040
O drama do vírus HIV
27/MAI/1992 – VEJA ED-1236
O início do fim do presidente
6/JUL/1994 – VEJA ED-1347
A inflação enfim controlada
1º/MAR/1995 – VEJA ED-1381
O futuro dentro dos lares
5/MAR/1997 – VEJA ED-1485
Cidadãos, replicai-vos! Ou não
1º/ABR/1998 – VEJA ED-1540
O sexo sem medo nem preconceito
18/AGO/2004 – VEJA ED-1867
De olho no governo do PT
5/FEV/2020 – VEJA ED-2855
E então o mundo descarrilou
18/AGO/2023 – VEJA ED-2672
Nos bastidores do clã Bolsonaro
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858