Há exatos 200 anos, Dom Pedro I bradava a independência do Brasil e dava início a um projeto de país com identidade própria, liberto das amarras coloniais impostas por Portugal. Em termos simbólicos, o 7 de Setembro passou a ser comemorado como uma espécie de segundo batismo do país, superando em importância o 22 de abril, que exaltava a bravura dos descobridores. Nesta quarta-feira, o retrato da nação que estampará as ruas das principais cidades brasileiras nesta quarta-feira para comemorar o bicentenário, contudo, será restrito a uma fração dos brasileiros: a de seguidores do presidente da República.
As convocações de Jair Bolsonaro para que seus eleitores participem dos desfiles de 7 de setembro devem transformar a data cívica em atos de campanha política. Pela manhã, ele participa da parada militar em Brasília e à tarde, viaja para o Rio de Janeiro. Nas duas cidades estão previstas manifestações explícitas de apoio e ataques (pelo menos por parte da militância) às instituições que desagradam o governo, como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O mote difundido esse ano é “Eleições limpas já – Supremo é o Povo”, em alusão ao processo eleitoral, frequentemente colocado em dúvida – sem que haja provas de fraudes – pelo mandatário.
O Planalto não tem poupado esforços para contornar obstáculos impostos por outros poderes da República ou por outras esferas de governo para garantir a ordem das manifestações. Na capital federal, o STF passou a semana se reunindo com a Secretaria de Segurança do Distrito Federal para montar estratégias de isolamento do prédio. O acesso à Praça dos Três Poderes foi fechado e a Esplanada dos Ministérios recebeu blocos de concreto para impedir a circulação de caminhões e tratores.
Até a tarde da terça-feira, avaliação do setor de segurança dos dois tribunais era que os atos desse ano tinham caráter mais eleitoral do que golpistas. Tudo mudou no final do dia quando o presidente, que mantém estreito contato com representantes do agronegócio e com os caminhoneiros, ordenou que as pistas fossem liberadas para esses veículos.
No Rio, o tradicional desfile militar, que sempre ocorreu na Avenida Presidente Vargas, no centro da cidade, foi cancelado para dar lugar a um ato no Forte de Copacabana. Em vez de exibições de carros blindados e de formação da tropa, a cerimônia terá disparos de canhão ao longo de todo dia, acompanhados de hinos executados pela banda militar. A Aeronáutica preparou uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça e a Marinha programou um desfile com seus principais navios de guerra. Paraquedistas irão pousar na faixa de areia. Um general da ativa ouvido por VEJA garante que dificilmente uma mudança como essa seria tomada pelo Ministério da Defesa sem um pedido explícito do Planalto.
Ainda não está claro qual chapéu Bolsonaro vai vestir para acompanhar o figurino verde amarelo que pretende ostentar no feriado, se o de presidente da República, ou se o de candidato à reeleição. O Comando Militar do Leste confirmou que o presidente chegará ao Forte para as comemorações às 15h desta quarta-feira. Antes, de acordo com aliados, acompanhará o inicio de uma motociata que sairá do Monumento aos Pracinhas, no Flamengo. Depois, pegará um helicóptero até o Forte.
Ao todo, serão colocados 10 carros de som, onde políticos aliados devem fazer discurso. O próprio presidente deve discursar, segundo alguns organizadores dos eventos civis. O tom que irá adotar, permanece sendo um segredo que até os auxiliares mais próximos desconhecem.
Uma ala de políticos do centrão que dá sustentação ao governo no Congresso Nacional tenta convencer o presidente a não repetir os ataques do 7 de setembro do ano passado, quando ele chamou o ministro Alexandre de Moraes de “Canalha” e disse que não acataria as ordens do STF. Para eles, Bolsonaro precisa diminuir a rejeição e sair do quadro de estagnação observado nas últimas pesquisas de intenção de voto.
No entanto, decisões recentes do STF, tais como a revogação de decretos presidenciais que facilitam a obtenção de armas de fogo – determinada por Edson Fachin – e a ordem de busca e apreensão na casa de empresários bolsonaristas que teriam defendido um golpe de estado em um grupo de WhatsApp – acatada por Alexandre de Moraes – descontentaram o presidente e acirraram os ânimos da militância. Antes mesmo de ocorrer, os 200 anos da independência, data que deveria reforçar a certeza de um país soberano, já está marcado pela incerteza quanto ao desfecho de suas comemorações.