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As primeiras pedras no caminho do provável novo ministro do STF

As pancadas até a sabatina no Senado vão determinar a aprovação ou não de Kassio Nunes

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h01 - Publicado em 9 out 2020, 06h00

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado marcou para o próximo dia 21 a sabatina do desembargador Kassio Marques, escolhido por Jair Bolsonaro para ocupar a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. O plenário, depois, vai decidir se aprova ou não a indicação. Em tese, o Congresso deveria esmiuçar a vida pregressa do candidato, fustigar suas convicções e avaliar o nível de seus conhecimentos jurídicos. Mas essa não é a tradição. O Parlamento raramente cria algum embaraço aos futuros ministros — o que não quer dizer que será necessariamente tranquila a rotina do desembargador até a confirmação ou não do nome dele para um dos cargos mais importantes da República. É nesse espaço de tempo que certos episódios da biografia dos pretendentes costumam emergir.

Em menos de uma semana como candidato, por exemplo, Kassio já foi acusado de inflar seu currículo acadêmico e de plagiar uma dissertação de mestrado. Em seu histórico de formação, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ostentava o título de pós-doutor em direito constitucional pela Universidade de Messina, na Itália, e pós-graduação pela Universidade da Coruña, na Espanha. A primeira instituição disse que o magistrado tem, na verdade, uma especialização, enquanto a segunda afirmou que o curso era apenas uma extensão. Diante da revelação, Nunes se viu obrigado a preparar um documento, com uma foto sua em frente à faculdade de Messina, para se explicar ao presidente. No material, ele argumenta que na Europa é possível fazer pós-doutorado enquanto ainda está realizando o doutorado e que a emissão dos certificados dos seus cursos ainda não ocorreu porque ele concluiu o doutorado recentemente.

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RECADO - Sergio Moro, no Twitter: ele diz que o novo ministro vai revelar a verdadeira natureza de Bolsonaro – (Cristiano Mariz/VEJA)

A explicação ainda estava sendo processada quando surgiu uma terceira acusação. Na tese de mestrado do desembargador foram identificados trechos idênticos aos de um artigo publicado por um advogado. Até mesmo erros de ortografia foram reproduzidos. Esse trabalho acadêmico garantiu ao magistrado o título na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal. Kassio Nunes alegou que a coincidência de citações não foi plágio nem obra do acaso. Ele e o advogado teriam sido parceiros no desenvolvimento do trabalho. Em nota, o candidato a ministro do STF assegurou que essa titulação acadêmica nunca lhe trouxe “nenhuma vantagem financeira”. O próprio plagiado saiu em defesa do candidato a ministro dizendo que não houve cópia.

Além de ter idade entre 35 e 65 anos (Nunes tem 48), a Constituição estabelece outros dois pré-requisitos para um candidato se habilitar a uma vaga no Supremo: reputação ilibada e notável saber jurídico. Embora o currículo esteja sendo questionado, o indicado de Bolsonaro tem os dois. Nunes foi nomeado juiz eleitoral no Piauí na cota reservada aos advogados. Exerceu o cargo entre 2008 e 2011. Ano em que foi nomeado pela então presidente Dilma para ocupar o posto de desembargador do TRF1. Bem relacionado, muito habilidoso com seus interlocutores, ele passou nos últimos tempos a pleitear uma indicação para o Superior Tribunal de Justiça. Durante a peregrinação em busca de apoio político, aproximou-se da família Bolsonaro. Aliás, foi o senador Flávio quem o levou ao presidente. Seu jeito envolvente, temperado com críticas à Lava-Jato e ao ex-juiz Sergio Moro, o colocou em sintonia com o presidente da República e o catapultou rumo ao STF.

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Plenário do Senado
APLAUSO - Renan: “Se o governo acabasse hoje, já teria valido a pena” – (Jefferson Rudy/Ag. Senado)

Se nenhum detalhe mais picante de sua biografia aparecer até o dia 21, a aprovação ao seu nome no Senado deve ser uma barbada. Afinal de contas, sua plataforma central — a oposição ao lavajatismo — une hoje governistas a oposicionistas. “Eu tenho mil divergências com o Bolsonaro, mas não posso deixar de reconhecer a coragem dele em desmontar o estado policial que o Moro criou no Brasil. Se o governo Bolsonaro acabasse hoje, já teria valido a pena”, disse a parlamentares o senador Renan Calheiros, um desafeto das hostes bolsonaristas, mas alvo da Lava-Jato.

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Caso consiga atravessar o corredor polonês destas últimas semanas, o desembargador fará parte da Segunda Turma do STF, que vai decidir se Moro atuou ou não com parcialidade no processo que condenou o ex-presidente Lula a oito anos e dez meses prisão. Marques será o responsável pelo voto de minerva. Por essa razão, logo depois da notícia da indicação, Moro, pelo Twitter, provocou: “Simples assim, se o presidente Jair Bolsonaro não indicar alguém ao STF comprometido com o combate à corrupção ou com a execução da condenação criminal em segunda instância, todos já saberão a sua verdadeira natureza (muitos já sabem)”. A mensagem foi apagada logo depois. Brigas políticas à parte, o importante é Marques deixar claro um único compromisso: com a Constituição.

Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708

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