Havia excesso de peso na bagagem da jovem militante indígena Artemisa Xakriabá em sua primeira viagem internacional, aos Estados Unidos, realizada em setembro passado. Não, não eram quilos a mais, traduzidos na forma de algum exagero na quantidade de peças escolhidas na hora de arrumar as malas. Está-se falando aqui da importância simbólica do que Artemisa — nascida na Terra Xakriabá, em São João das Missões (MG) — levava quando embarcou rumo à maior potência do mundo. Convidada para participar da Cúpula do Clima, que antecedeu a Assembleia-Geral das Nações Unidas, ela soube que no evento seria apresentada à sueca Greta Thunberg, de 16 anos, a adolescente que se tornou o principal rosto do planeta quando o assunto é meio ambiente. A brasileira já tinha ouvido falar de Greta, no entanto não conhecia detalhes de sua atuação. Quando se inteirou das manifestações que a ativista nórdica promove todas as sextas-feiras em favor da natureza, e que se espalham pelo globo, decidiu presenteá-la com um colar de sementes de açaí: era uma forma de saudar Greta usando um elemento representativo da região amazônica, que ambas defendem contra a ameaça de destruição. A sueca se emocionou, e as duas conversaram. “Não há diferença entre mim e ela. A gente luta por uma questão só, a proteção da Terra”, ressalta Artemisa.
Antes da Cúpula, que teve lugar em Nova York, a representante da tribo xakriabá foi a Washington. Na capital americana, entregou uma carta aberta, escrita por representantes indígenas, ao senador democrata Ed Markey — que a recebeu em nome do Congresso —, pedindo providências contra o aquecimento global. “Você tem o poder de adotar acordos internacionais importantes e liderar a regulamentação ambiental. Você tem o poder de contribuir com tecnologia e inovação de ponta para a luta contra as mudanças climáticas, e tem o poder de apoiar-nos, as comunidades indígenas e locais que protegem um terço das florestas tropicais do mundo”, escreveu o grupo.
No evento da ONU, ela conheceu a adolescente sueca Greta Thunberg e se identificou com sua luta pelo planeta
O convite para que Artemisa fosse aos Estados Unidos veio depois de ela ter participado, em Brasília, um mês antes da Cúpula do Clima, da primeira Marcha das Mulheres Indígenas — ao lado de sua tia, Célia Xakriabá, liderança inconteste dos nativos, e de Sônia Guajajara, indígena que se candidatou a vice-presidente em 2018, na chapa de Guilherme Boulos (PSOL). A recepção em solo americano surpreendeu Artemisa. “Sofri menos preconceito lá do que no Brasil”, diz a jovem. Aluna de um cursinho pré-vestibular em Ribeirão Preto (SP), onde vive com os tios, ela pretende fazer psicologia — e retornar às terras de sua tribo. “O suicídio é um problema sério dentro da nossa região. Quero me formar nessa área para poder ajudar o meu povo a lidar com as questões da mente”, explica. Mesmo com planos para o futuro, Artemisa tem medo dos rumos da política brasileira em relação aos indígenas. “Consideramos que estamos lutando desde 1500”, afirma.
Ainda menina, a representante do povo xakriabá se acostumou a participar de iniciativas em defesa do meio ambiente, como o reflorestamento. Ao se mudar para o interior paulista, Artemisa tinha como meta encontrar melhores oportunidades de estudo. No cenário urbano, doenças respiratórias como a asma começaram a fazer parte de seu dia a dia. Ao descobrir que a poluição estava afetando sua saúde, ela resolveu se engajar na luta em prol do verde. E se encontrou como militante. Contudo, por mais incrível que possa parecer, suas origens nem sempre são vistas como um fator de legitimidade para seu empenho ambientalista. “Muitas pessoas chegam a dizer que não sou índia, por causa da cor da minha pele, e das minhas feições, que escapam do estereótipo dos nativos” , relata Artemisa. “Quando estou pintada, começam a rir de mim”, queixa-se. O bullying, entretanto — ele, sim, selvagem —, não tira seu foco. Em outras palavras, não lhe pesa nada.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668