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Em sua primeira viagem aos EUA, Bolsonaro terá de mostrar que continua fiel ao slogan “Brasil acima de tudo”, sem se dobrar ao “America first” de Trump

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sergio Ruiz Luz Atualizado em 4 jun 2024, 15h38 - Publicado em 15 mar 2019, 07h00
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  • No domingo 17, o presidente Jair Bolsonaro embarca rumo aos Estados Unidos para sua primeira missão diplomática. A viagem a Washington quebra uma tradição da diplomacia brasileira, que há décadas tem a vizinha Argentina como o primeiro destino dos presidentes recém-eleitos, mas obedece à afinidade que o presidente brasileiro tantas vezes demonstrou pelo atual ocupante da Casa Branca. “O objetivo do atual governo é selar uma aliança com os Estados Unidos, algo que não ocorria desde o governo de Eurico Gaspar Dutra, no pós-guerra”, afirma o diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero. Ao tempo de Dutra, nos primórdios da Guerra Fria, a aliança colocava o Brasil no polo americano, contra o bloco comunista. O mundo hoje se organiza por outras linhas, bem mais complexas. Bolsonaro e seu chanceler são fãs de Donald Trump — o único líder capaz de salvar o Ocidente, já disse Ernesto Araújo —, mas a agenda do presidente republicano tem pontos que a opõem aos interesses brasileiros.

    Entre as prioridades de Trump estão a contenção da ascensão da China como potência global e a hostilidade aos países árabes. A China é o nosso maior parceiro comercial, destino de 64 bilhões de dólares em exportações brasileiras em 2018. Nos últimos anos os chineses foram os maiores investidores em infraestrutura no Brasil. Já o Oriente Médio consome sozinho um terço de toda a carne de frango exportada pelos frigoríficos nacionais, cinco vezes mais que toda a União Europeia. Declarações apressadas do presidente brasileiro já prejudicaram negócios do país. No fim de 2018, o Egito cancelou, de última hora, uma visita de autoridades brasileiras, que encontrariam o presidente Abdel al-Sisi. A represália ocorreu logo após Bolsonaro afirmar que mudaria a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. A retórica anti-China de Bolsonaro — que deve visitar o país no segundo semestre — travou o primeiro desembolso de um fundo de investimento chinês de infraestrutura, que pode chegar a 20 bilhões de dólares em projetos no Brasil.

    O ponto alto dos quatro dias da visita a Washington ocorrerá na terça-­feira 19, quando Bolsonaro será recebido por Trump no Salão Oval da Casa Branca. Os dois terão uma conversa reservada, mas com intérpretes (o que vem provocando apreensão entre os servidores de Washington: Trump demonstra impaciência com esses diálogos mediados por tradutores). A principal pauta do encontro será a Venezuela. Trump espera que Bolsonaro se comprometa a fazer com que os militares brasileiros convençam os pares venezuelanos a abandonar a claudicante ditadura de Nicolás Maduro. Em troca, o Brasil ganharia sinal verde para arrendar aos americanos a base de lançamento de Alcântara, no Maranhão. O país também pode alcançar o almejado status de “aliado dos Estados Unidos fora da Otan”. Por fim, Bolsonaro deve pedir uma declaração de apoio explícito do governo americano para que o Brasil ingresse na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que ainda está em estudo.

    Durante a viagem, Bolsonaro também pode anunciar o novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Mas a decisão está sob uma queda de braço. Dois são os nomes cotados: Nestor Forster, diplomata próximo ao onipresente ex-­astrólogo e filósofo Olavo de Carvalho, e Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, nome de fora do Itamaraty que conta com o apoio da ala militar do governo. A agenda social-ideológica de Bolsonaro nos Estados Unidos deve incluir um encontro com o estrategista de direita Steve Bannon (Olavo de Carvalho está convidado para a ocasião). Parte do corpo diplomático brasileiro vê esse compromisso com preocupação: quando saiu da Casa Branca depois de sete meses como assessor, Bannon não estava nos melhores termos com Trump. “A impressão que se tem é que Bolsonaro e sua equipe estão lendo notícias de um ano e meio atrás, e não sabem que a proximidade com Bannon é um ponto negativo na Casa Branca”, diz um especialista em relações exteriores. Se Bolsonaro insistir na retórica de palanque em terras americanas, também pode afastar os democratas, que têm chance de retornar à Casa Branca nas eleições do ano que vem. Mesmo que isso não aconteça, a aprovação do acordo sobre a base de Alcântara terá de passar pelo Congresso americano, e os democratas têm maioria na Câmara.

    Os dois presidentes são parecidos, talvez demais. “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” é o slogan do Bolsonaro; Trump tinha, entre seus bordões de campanha, “America first” (Estados Unidos em primeiro lugar). Essa retórica é boa para animar as redes sociais, mas será aconselhável que Bolsonaro compreenda que os interesses do país estão acima das suas afinidades políticas.

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    Com reportagem de Eduardo Gonçalves e Edoardo Ghirotto

    Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626

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