Nos últimos anos, no auge do enfrentamento entre o Poder Executivo, então presidido por Jair Bolsonaro, e o Supremo Tribunal Federal (STF), um ministro da Corte ganhou enorme protagonismo: Alexandre de Moraes. Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, ex-ministro da Justiça, “Xandão” personificou, em muitas ocasiões, o ódio destinado ao Tribunal. No dia 7 de setembro de 2021, Bolsonaro o citou nominalmente no discurso que fazia a milhares de manifestantes na Avenida Paulista. Intimidações foram dirigidas ao ministro e a sua família, que teve a segurança reforçada. “Eles são covardes e misóginos. Faziam ameaças de cunho sexual”, conta o ministro que considera aquele momento o ápice do enfrentamento entre os dois poderes. A tensão, porém, foi constante entre 2019 e 2022. Além do STF, Moraes acumulou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, onde está até hoje, e é o relator das ações que investigam o uso criminoso das redes sociais, assim como as orquestrações de setores radicais para não reconhecer o resultado das eleições.
Um ano depois dos atos de 8 de janeiro, que considera um dos episódios mais graves da história do Brasil, Moraes conta em detalhes os bastidores de quem viveu aquele momento por dentro, fala dos planos que os extremistas tinham de prendê-lo e matá-lo e avalia o que pode ser feito para que novos ataques à democracia não se repitam. Na sua visão, a missão de curto prazo do STF é impor limites às big techs, as grandes empresas que utilizam algoritmos e inteligência artificial usados por movimentos extremistas para divulgar e espalhar fake news. “Juntaram o discurso de ódio com uma ignorância muito grande.” O ministro também não tem dúvida de que houve mais do que apenas incompetência das forças de segurança no dia da depredação dos prédios do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional. “Por algum motivo houve omissão. Apenas cinquenta homens do Batalhão de Choque da PM seriam suficientes para impedir a invasão.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida em seu gabinete no prédio do Tribunal Superior Eleitoral.
Onde o senhor estava no dia 8 de janeiro? Eu estava com a minha família em Paris. Havíamos chegado no dia 6, após a eleição, após a diplomação e as posses do presidente Lula e do vice. Fiquei em Brasília no dia 1º, vim para São Paulo no dia 5 e no dia 6 embarquei para França. No dia 8, estava no hotel, quando comecei a receber as notícias do que estava acontecendo.
Como o senhor ficou sabendo do episódio? Pelo meu filho. Ele chegou com o celular e já existiam muitas notícias na internet e comentários nas redes sociais. Conectamos a televisão brasileira. Naquele momento, estava ocorrendo a invasão do Congresso Nacional. Imediatamente, eu liguei para o ministro Flávio Dino, meu amigo desde 2005, e eu indaguei o que havia ocorrido. Como a Polícia Militar tinha deixado os manifestantes entrarem na Esplanada? Até sexta-feira havia o consenso, inclusive uma ata assinada por todas as autoridades. Essa ata consta no inquérito que a PF vem investigando, ela dizia que seria absolutamente vedada a entrada dos manifestantes na Esplanada dos Ministérios. Exatamente por isso se fez uma barreira maior e o STF, por exemplo, não replicou a segurança que fez no 7 de setembro de 2022 e 2021. Por algum motivo houve omissão, até agora dolosa, como vem sendo apontada pela PF e pela própria PGR, que denunciou vários policiais. Por causa dessa omissão, eles ingressaram.
“O meu grande receio, de todos, era que isso acarretasse um padrão, uma operação dominó. Ou seja, que isso pudesse ocorrer em outros estados”
Nesse momento o senhor já tinha a dimensão que o episódio ganharia? Foi uma surpresa. Até porque estava tudo acertado para que algo assim não acontecesse. Como não se sabia exatamente o que era, algumas providências precisavam ser tomadas. Comecei a trocar telefonemas com a (então) presidente do STF, Rosa Weber, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com Arthur Lira, e o Dino me passou o presidente Lula. O meu grande receio, de todos, era exatamente que isso acarretasse um padrão, uma operação dominó. Ou seja, que em outros estados isso pudesse ocorrer, que pudesse haver adesão eventual das PMs. Por isso, entrei em contato com os núcleos de inteligência que havia criado no TSE. Aparentemente, estava tudo tranquilo, mas não poderíamos naquele momento descartar nenhuma hipótese. De todo modo, aquilo precisava imediatamente ser repudiado. Eu falo como ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo. Com 100 homens do Choque da PM, aquilo não teria ocorrido. Talvez só com cinquenta. Não havia policiamento. Quando ocorreu, mandaram recrutas que tinham acabado de ingressar. Só depois da ordem judicial foi mandado o Choque. Aí em vinte minutos a situação se resolveu.
Qual a explicação para a falta de uma ação das forças de segurança nesse episódio? Incompetência? Não quero fazer um prejulgamento. Mas a PGR fez uma investigação e ofereceu a denúncia contra os policiais militares, inclusive juntando conversas de WhatsApp, de celular, demonstrando que — e isso a PGR precisa comprovar na ação penal — há fortes indícios de que foi uma atitude dolosa. Há a necessidade de comprovação, mas há imagens de carros blindados da PM se retirando e permitindo a passagem. Eu não diria, pelo menos com os indícios e com o recebimento da denúncia pela PF, que houve só incompetência. Há fortes indícios de crime. Exatamente por isso o STF recebeu a denúncia. Agora há a necessidade de se comprovar a conduta de cada um. Mas que há materialidade do crime, isso ficou demonstrado. Naquele momento, foram muito importantes algumas medidas tomadas para evitar o efeito dominó. A pedido da PF, eu decretei a prisão do secretário de Segurança Pública do DF, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e do comandante-geral da PM. Também foi determinado o afastamento do governador do DF, Ibaneis (Rocha), para evitar também que outros eventuais governadores extremistas pudessem aderir a uma tentativa de golpe. Criou-se uma lenda urbana que eu teria decretado de ofício essas medidas. A prisão foi decretada a pedido da PF e o afastamento a pedido da AGU.
O senhor citou um telefonema com o presidente Lula. O que os senhores falaram? O presidente estava preocupado. Ele queria saber quais medidas poderiam ser tomadas. Eu disse a ele que não era possível que não fossem retirados os golpistas de frente dos quartéis. Eu estava determinando naquele momento (essa, sim, de ofício) que eles estavam em situação de flagrante delito e que a polícia deveria retirar todos em menos de 24 horas. Não existe liberdade de expressão ou liberdade de reunião de pessoas que ficam em frente de quartéis do Exército pedindo golpe militar, o fim da democracia, a volta do AI-5, com tortura, com prisão de adversários políticos. E era fundamental também a retomada imediata da ordem em Brasília. O presidente estava conversando com a sua equipe, sobre uma GLO ou intervenção. O que eu fiz foi relembrá-lo que um momento anterior, na época do presidente Michel Temer, já havia ocorrido uma intervenção específica só na área de segurança do DF, e isso poderia ser uma boa medida, já que seriam usadas apenas forças policiais, sem a necessidade de convocação das Forças Armadas.
E essa medida foi adotada. Sim, foi adotada.
Havia o temor de que uma GLO pudesse contribuir para que a situação saísse de controle de alguma forma? O presidente não expôs isso. Só falou das possibilidades. Mas me parece que foi a medida mais acertada porque no decorrer das investigações nós temos vários depoimentos de réus presos que disseram que no quartel — tanto aqui quanto no resto do país — ocorreram várias palestras pedindo para que as pessoas viessem até Brasília, invadissem o Congresso, ficassem ali até que fosse obrigatório uma GLO para que tentassem convencer o Exército a aderir ao golpe e a uma intervenção militar. Nós só soubemos isso depois da investigação, o que mostra o acerto da medida. Mas, justiça seja feita, institucionalmente as Forças Armadas, principalmente o Exército, jamais chegaram a flertar com a possibilidade de golpe. O fato de elementos isolados terem aderido ou incentivado não coloca em dúvida que as Forças Armadas atuaram totalmente dentro da democracia.
“Foi algo claramente organizado. Houve ônibus saindo de quartéis já com discurso de invasão. Havia 200 precursores, com balaclava, vestidos de preto e com radiotransmissores”
Em que momento o senhor viu as imagens do STF sendo invadido e que emoção passou pela sua cabeça? Ainda na França, eu peguei o meu computador e comecei a trabalhar preparando as decisões. Enquanto preparava o pedido, fiquei vendo as imagens e realmente era algo mais do que triste. Era decepcionante ver que, depois de mais de 35 anos da redemocratização do Brasil, há muitas pessoas que defendem o golpe, o autoritarismo. Pessoas que não fazem a mínima ideia do que é o AI-5. Nós conseguimos juntar o extremismo com discurso de ódio a uma ignorância muito grande. Como as pessoas podem pleitear liberdade querendo acabar com a democracia? Foi uma sensação de frustração. Fui secretário de Segurança, ministro da Justiça, tenho uma relação de admiração muito grande com as forças policiais, e não podia acreditar no que eu via. Simplesmente a ausência total. Aquilo poderia ter gerado mortes de pessoas. Eu tinha certeza de que as Forças Armadas não iriam aderir. Mas o grande receio é que começassem a pipocar em vários estados e isso forçasse a uma reação da polícia, o que acabaria gerando um conflito civil de proporções inéditas no Brasil. Ou seja, foi uma temeridade, um absurdo, inclusive porque agentes políticos incentivaram isso. Não é possível ter clemência com uma tentativa de golpe. Não é possível esquecer quem tentou subverter a democracia no Brasil, tentou acabar com os Poderes constituídos, principalmente o STF, e tentou voltar a um período de exceção. Todas as pessoas civis ou militares, da reserva ou da ativa, políticos ou não, todos serão responsabilizados.
Há uma visão de que era apenas um grupo de arruaceiros que veio a Brasília fazer uma manifestação e a situação degringolou. Daí as críticas em relação às penas, consideradas altas. O que o senhor acha dessa visão? É uma visão de golpista. Só tem essa visão quem defende o golpe, incentivou e merece ser investigado também. Porque claramente foi algo organizado, os autos demonstram isso. Houve ônibus saindo de quartéis do Brasil todo, já com discurso de invasão. Havia também 200 precursores que invadiram e a PF chegou a eles. Eles estavam com balaclava, todos de preto, com radiotransmissores, cortando a luz dos locais. Ou seja, já sabiam a planta dos locais, incentivando as pessoas e com uma finalidade: não sair de lá até que convencessem as Forças Armadas a dar um golpe militar. De baderna não teve nada. Foi algo organizado. Como eu disse no primeiro julgamento, não foi um domingo no parque. Foram de forma programada, financiada, a PGR recentemente denunciou os primeiros financiadores para conseguir um golpe militar. Não é por outro motivo que o Supremo foi alvo do maior ódio, um ódio que foi construído ao longo de quatro anos. Eu não tenho dúvida em afirmar que, se não houvesse uma reação forte das instituições, nós hoje não estaríamos aqui conversando. O STF estaria fechado e eu, como as investigações demonstraram, não estaria aqui. Havia três planos de prisão em relação a mim. Um só com prisão e outros com prisão e morte. Um deles, sumindo com o corpo. Em relação às penas, eles foram condenados de acordo com a legislação. As pessoas no Brasil, e infelizmente as da classe média, precisam saber que a lei é para todos. Não apenas para aquelas que têm menos condição econômica. Essas pessoas acharam que podiam vir a Brasília, planejar um golpe de Estado e tentar executar. Se desse certo, seriam considerados heróis. Se desse errado, voltariam para casa tranquilamente? Não é assim. Em nenhuma democracia do mundo isso acontece. Aqui também não.
O senhor veio ao STF logo depois da depredação? Chegou a ver o prédio destruído? Voltei ao Brasil no dia seguinte. Fui direto para o STF. Estavam lá Rosa, Lula, outros ministros e parlamentares. Cheguei nessa hora. Era uma situação de destruição total. Além do caráter antidemocrático e do absurdo, eram pessoas com muito ódio, um ódio inexplicável. As pessoas não entenderam que estavam destruindo algo delas. O STF não é meu ou seu, mas de todos. Nós passamos, o STF fica, assim como o Palácio do Planalto e o Congresso. Isso não pode ser esquecido. Foi um dos episódios mais graves na história do Brasil. Nem nos outros momentos de exceção — o estado de sítio dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a ditadura Vargas e a ditadura militar — o STF foi destruído. Mas as instituições se mostraram fortes. Houve resistência, resiliência e a normalidade retornou.
O senhor citou políticos extremistas na criação desse sentimento de ódio contra o STF. Qual o papel da retórica do ex-presidente Jair Bolsonaro para alimentar esse sentimento? Eu não posso individualizar as condutas porque os políticos estão sendo investigados.
Posso refazer a pergunta? Qual o papel da polarização política nessa criação desse sentimento de ódio? Por algum motivo, escolheu-se o STF como inimigo. Mas escolher instituições é um pouco etéreo. Se você escolhe personagens dentro dessas instituições, fica mais fácil canalizar o ódio. Como eu sou o relator dos inquéritos e presidente do TSE, se canalizou esse ódio mais especificamente para a minha pessoa. Obviamente, e isso temos de combater, um instrumento novo foi utilizado: as redes sociais. As redes sociais fizeram uma verdadeira lavagem cerebral em grande parte da população. Isso foi feito durante cinco, seis, sete anos, com um discurso extremista, pegando os temores das pessoas, usando algoritmos e inteligência artificial, que captam o que a pessoa consulta, direcionando isso. A partir de algumas verdades, se cria uma mentira. Isso foi gerando um ódio e ele foi sendo canalizado para um golpe de Estado. O TSE já começou uma regulamentação das redes e da IA, um trabalho que precisa continuar em 2024. Elas não serão instrumentalizadas novamente contra a democracia.
Qual o limite entre a liberdade de expressão e a incitação à violência? Esse limite é clássico no mundo todo. A liberdade de expressão atinge o seu limite quando você está agredindo o direito dos demais. Nenhum direito pode ser utilizado como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. No momento em que você usa a sua pretensa liberdade de expressão para gerar ódio, para discursos nazistas, machistas, misóginos, homofóbicos, você está praticando um crime. A Constituição é muito clara: liberdade com responsabilidade. As pessoas diziam: eu posso me manifestar na frente dos quartéis pedindo intervenção militar. Não, não pode. É crime. Está tipificado como crime. E você vai responder criminalmente. Uma observação importante em relação às redes sociais. Basta transportar as regras do mundo real para o mundo virtual. Eu não posso te ofender ou caluniar pessoalmente. Por que posso nas redes sociais? Eu não posso defender golpe militar num palanque. Por que eu posso na internet? Elas não são terra sem lei. A falta de autorregulação das big techs ficou muito clara no dia 8 de janeiro. Se as big techs tivessem uma autorregulação, ou uma regulação de um órgão exterior, teriam contido pelo menos essa profusão de manobras golpistas nas redes sociais.
Desde a campanha de 2018 havia uma animosidade da chapa do então candidato Jair Bolsonaro com o Poder Judiciário. O filho dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, chegou a dizer que bastava “um cabo e um soldado” para fechar o STF. Na sua opinião em que momento a tensão entre o Executivo e o STF chegou ao seu ápice durante os quatro anos de governo Bolsonaro? Nós tivemos muitos problemas. Uma verdadeira incitação criminosa por várias autoridades públicas contra o STF. O ápice foram as manifestações no dia 7 de setembro de 2021. Foi a mais grave, quando se incitou realmente agressões físicas a ministros do STF.
O senhor foi, inclusive, citado diretamente pelo ex-presidente. Você incitar uma turba raivosa contra um determinado alvo é muito perigoso. A criminologia aponta isso. É o que chamamos de lobo solitário. Alguém acorda um dia e pensa: “Vou resolver isso para o meu grupo”. Vai lá e pratica um crime. O STF e alguns ministros foram sendo marcados como alvo. Isso, no entanto, não afetou a independência do STF e do TSE. Realizamos as eleições com todos os problemas hoje conhecidos.
Depois de 7 de setembro de 2021, o senhor temeu pela sua segurança e da sua família? Quando se envolve a família, é muito mais sério. Nós que estamos no cargo, por um motivo ou outro, aceitamos os riscos. É uma opção minha. Família, não. Esses extremistas, principalmente os milicianos digitais, são covardes pessoalmente e muito corajosos virtualmente, escondidos atrás do anonimato. Quase diariamente mandaram ameaças, a maioria para as minhas filhas. Porque, além de tudo, são covardes e misóginos. E sempre ameaças de cunho sexual. A segurança da família foi reforçada.
“Esses extremistas são covardes pessoalmente e corajosos virtualmente. Quase diariamente mandaram ameaças. A maioria para as minhas filhas”
Em relação às eleições, houve um momento complicado, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro convocou embaixadores de outros países e questionou o sistema eleitoral brasileiro. Como o senhor avalia? O sistema eleitoral brasileiro é o melhor sistema do mundo de apuração. Nós temos 156 milhões de eleitores. Somos um país continental, a quarta democracia do mundo. Só perdemos para Estados Unidos, Índia e Indonésia. Nós levamos urnas do Rio Grande do Sul até o Amazonas, levamos urnas para as aldeias indígenas, fazemos a eleição num único dia, e depois de três horas o resultado sai. Eleições sérias, eleições transparentes. Nunca houve demonstração de uma fraude. Nunca aconteceu. Isso é um absurdo. Mas não era um devaneio de quem propagava isso. Esse discurso começou com a extrema direita americana, passando pela Polônia, Hungria, Leste Europeu e alguns países da Europa, chegando ao Brasil. O atentado não é contra a urna eletrônica. Como está fora de moda dar um golpe contra a democracia, as pessoas se dizem democratas, mas acusam o sistema eleitoral de fraude. Nos Estados Unidos a acusação é o voto por carta. Você acusa o sistema. Foi uma campanha criminosa. O TSE julgou o ex-presidente exatamente por essa reunião, onde ele propagou mentiras, falsidades, acusando o sistema e as urnas de fraudulentas. Foi condenado por ampla maioria no TSE e está inelegível. A Justiça fez o que deveria ser feito.
Entre as hostes bolsonaristas, há uma visão de que é possível reverter esse julgamento até 2026. Isso juridicamente é possível? Os advogados ingressaram com um recurso extraordinário. Foi negado aqui pela presidência. Houve um agravo que vai automaticamente para o STF e lá isso será analisado se é uma questão constitucional ou não.
De zero a 10, qual o grau de estabilidade política no Brasil hoje? Eu diria 10. As instituições reagiram como deveriam, independentemente de partido. Houve uma união entre os Poderes para mostrar que o Brasil tem instituições fortes e a Constituição seria seguida. No ano passado, já fizemos a instrução de todos os casos mais graves do 8 de Janeiro. Já existem 26 condenações e trinta ações penais marcadas. Até abril, vamos julgar todos os 230 casos graves, demonstrando que a estabilidade permanece e aqueles que praticaram crimes serão responsabilizados. Isso é o mais importante. Não vamos admitir de forma alguma qualquer interrupção ou ataque à democracia.
Alguns grupos radicais estão combinando atos para o próximo 8 de janeiro. Como é possível prevenir novos ataques? Qualquer pessoa que pretenda comemorar o dia 8 estará comemorando um crime porque estará comemorando uma tentativa de golpe. Seria importante que essas pessoas tenham muito cuidado com o que vão fazer. Depois vão acusar o MP e a Justiça de serem rigorosos demais. Não se comemora tentativa de golpe. Não se comemora tentativa de ataques aos Poderes constituídos.
Qual o papel do STF para prevenir novos ataques à democracia? Em 2024, o STF tem que julgar as limitações e responsabilidades das redes sociais para evitar que elas sejam instrumentalizadas. Isso me parece o papel mais importante a curto prazo.
O que o senhor fará no dia 8 de janeiro de 2024? Eu fui comunicado pela Presidência da República e pela presidência do Senado que haverá um evento para relembrar a data. Estarei em Brasília a fim de mostrar a força das instituições.
Hoje existe uma certa medição de forças entre o Judiciário e o Legislativo. Como o senhor vê a disputa entre esses dois poderes? São coisas bem diferentes. Uma coisa é agressão gratuita e a instigação de discurso de ódio de um poder em relação ao outro. Isso é criminoso. Outra coisa são tensões permanentes que existem no Brasil e no mundo todo entre os limites de cada poder. É parte do jogo democrático. O Senado aprovou a PEC das liminares, proibindo decisões monocráticas dos ministros. Eu tenho uma relação ótima com o presidente Rodrigo Pacheco, mas coloquei que é uma visão equivocada. O STF preserva a colegialidade. O ministro de urgência pode dar liminar, mas imediatamente coloca para o órgão colegiado. Imagine que saia uma medida provisória permitindo a compra de armas por crianças. Eu, como relator, suspendo e coloco para o plenário. Alguém pode pedir vista, mas pelo menos a compra fica proibida. Se o relator não puder suspender, temos uma situação em que um ministro pede vista, outro pede vista e as armas são vendidas. As liminares monocráticas existem no mundo todo. Existem questões urgentes que não podem aguardar. Mas ainda há espaço de discussão para se chegar ao consenso com o Congresso.
Qual a sua resposta para quem diz que o STF está se politizando? As pessoas não entendem, às vezes porque não conhecem a legislação, outras por má-fé, o que é jurisdição constitucional. Não é uma questão de politização do Poder Judiciário. A interpretação da Constituição pode levar a interpretações diversas. O Congresso pode aprovar uma lei que seja inconstitucional. Ele não aprova achando que seja. Mas a missão do STF é defender a Constituição. E as questões mais importantes dos últimos dez anos, quem as trouxe para o Supremo foram os próprios partidos políticos. O Supremo não se politiza, não tem ideologia. Ora é criticado pela esquerda, ora pela direita e ora por ambas. A ideologia do Supremo é a Constituição.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874