Em Brasília, qualquer movimento mais inusitado de uma autoridade, por menor e mais desimportante que pareça, se não for muito bem explicado, logo ganha versões. Desde o início do governo, percebe-se uma radical mudança de comportamento do vice-presidente da República nas redes sociais. Até bem pouco tempo, Geraldo Alckmin resistia muito a expor sua imagem. Em 2018, na campanha presidencial que disputou e perdeu, ele não escondia o entusiasmo zero com as sugestões que lhe eram apresentadas para atuar na internet. Vídeos informais, mensagens descontraídas, memes? Nem pensar. Não combinavam com seu estilo monocórdio, cerimonioso, formal. Aquela figura sisuda, porém, é coisa do passado — ao menos no ambiente digital. Aos 71 anos, Alckmin agora é um político antenado. Aparece vestindo meias listradas, usando boné de cantor hip hop e até dialogando com Harry Potter. Recentemente, postou uma foto pendurado numa tirolesa no meio de uma mata. A imagem, evidentemente, era uma montagem, mas, como dizem os jovens, causou.
Dono de três celulares, Alckmin incorporou à rotina de vice-presidente e ministro do Desenvolvimento seu lado influencer. Antes avesso a esse tipo de coisa, hoje reserva um tempo para gravar vídeos e, quem diria, postar memes nas redes sociais. “Sou o Lula da sorte: toda vez que eu assumo a Presidência, a economia melhora”, diz um deles, no qual o presidente aparece em uma montagem fantasiado de duende, celebrando a queda da inflação. Foi um sucesso de engajamento. A maioria das publicações, no entanto, tem o próprio vice como personagem. Ele pretende com isso se aproximar do eleitorado mais jovem, usando uma linguagem própria, algo que, para quem achava que conhecia bem o vice, parece soar de maneira um tanto artificial. “Não é bem assim”, esclarece o publicitário Nelson Biondi, responsável pela campanha de Alckmin ao governo de São Paulo em 2014. “A imagem dele acabou se confundindo com a de alguém muito conservador por ele ser uma pessoa religiosa. Mas quem convive com o Geraldo sabe que não é bem assim. Ele vive fazendo piada”, acrescenta.
Para operar essa metamorfose, Alckmin conta com a ajuda de Fábio Valente Cabral, um jovem de 30 anos, que cria os memes, edita os vídeos e os textos publicados. Formado em Relações Internacionais, o rapaz acompanha Alckmin desde 2015. O trabalho, segundo auxiliares do vice, é totalmente voluntário e informal. Fábio tem um cargo de gerente na Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex), órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, comandado por Alckmin, e recebe um salário mensal de 35 000 reais. Como em Brasília quase nada passa completamente despercebido, a repaginação digital do vice está na base de várias teorias. Uma delas, a preferida entre os políticos, é que Alckmin se prepara na surdina, com a discrição necessária, para disputar as eleições de 2026, seja ela mais uma vez para o governo de São Paulo ou mais uma vez para a Presidência da República, caso Lula decida não concorrer à reeleição. Ele nega, dá a entender que tudo não passa de pura treta, mas o PSB, seu partido, não descarta nenhuma das duas hipóteses.
Intrigas à parte, a ação mais ostensiva do vice-presidente na internet registra um balanço positivo. No início do ano, ele nem chegava perto do pódio digital dos ministros mais populares do governo. Nos últimos meses, Alckmin deixou para trás colegas bem posicionados como Marina Silva, do Meio Ambiente, e Simone Tebet, do Planejamento, duas ex-candidatas à Presidência da República. No último levantamento realizado pela consultoria Quaest, ele já aparece em terceiro lugar, atrás de dois “presidenciáveis”, os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Flávio Dino, da Justiça. O Índice de Popularidade Digital (IPD) é calculado com base na análise de 175 variáveis coletadas em plataformas digitais como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Google e TikTok (veja o quadro). “As redes sociais se tornaram o meio mais eficiente para conectar lideranças políticas diretamente com seus eleitores sem mediação”, explica Felipe Nunes, cientista político e CEO da Quaest. “Com a população jovem cada vez mais conectada, as redes também servem como cartão de visitas para um encontro de gerações”, acrescenta. A versão descolada de Alckmin está “causando” no universo digital.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869