Pelas salas de aula da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), no Rio de Janeiro, passaram muitos dos mais destacados oficiais do país. Nos últimos quarenta anos, a instituição formou nada menos que sete comandantes do Exército, incluindo o atual, general Paulo Sérgio de Oliveira, três ministros da Defesa, com o general Braga Netto na conta, sete chefes do Gabinete de Segurança Institucional, com o general Augusto Heleno na lista, e também o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, e o presidente Jair Bolsonaro, que foi cadete na década de 70. Com mais de 200 anos de história, a academia é considerada uma das instituições de ensino militar mais tradicionais e respeitadas do Brasil. “A Aman dedica especial atenção à formação ética e moral dos cadetes, no intuito de entregar ao Exército oficiais que se destaquem pela integridade, honradez, honestidade, lealdade, senso de justiça, disciplina, patriotismo e camaradagem”, informa o site da instituição.
![LARISSA-DENARDIN-DE-MESQUITA-PAZUELLO-12a.jpg “LARISSINHA” - A arquiteta Larissa Denardin de Mesquita: contratos na Aman após a intervenção do ex-ministro -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/LARISSA-DENARDIN-DE-MESQUITA-PAZUELLO-12a.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
O general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e atualmente assessor da Presidência, também estudou na Aman. Mas a visão que ele parece ter sobre o funcionamento de certos mecanismos na respeitada academia combina, no máximo, com uma das virtudes apregoadas acima — a camaradagem. Em 2013, uma amiga do general, arquiteta, estava encontrando dificuldades para se habilitar a prestar serviços e participar de licitações promovidas pelo governo federal. Larissa Denardin de Mesquita, esposa de um major próximo a Pazuello, também não conseguia se registrar na Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército, o que a impedia de ter qualquer relação comercial com a Aman. No dia 13 de março daquele ano, a arquiteta se enfureceu e desabafou com o amigo: “Dá vontade de mandar todo mundo…”, escreveu numa mensagem a que VEJA teve acesso. “Povo enrolado”, disse, se referindo aos militares da Aman. “Vou ter que tomar um anti-ácido (sic)…isso acaba comigo”. E encerrou: “Pachaquelo, Pachaquelo!”.
![Ipad “POVO ENROLADO” - Na mensagem, a arquiteta reclama de dificuldades com a burocracia do Exército, Pazuello faz referência à necessidade de um padrinho e se propõe a ajudar — dizendo que, no caso, seria ele mesmo. Detalhe: funcionou -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/Ipad.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Pazuello só responderia algumas horas depois. “Larissinha, o sinal aqui é uma m…”, justificou, sugerindo à amiga que refizesse o cadastro na Aman. “As coisas só acontecem quando vc tem um padrinho. No caso deve ser eu mesmo…”, tranquilizou, explicando que no dia seguinte estaria no “palácio” e que ligaria para ela assim que conseguisse sinal. Não fica claro na mensagem a qual palácio o general estava se referindo — provavelmente ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro. Na época, ainda coronel, Pazuello ocupava o cargo de assistente do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), responsável pela coordenação de projetos, alguns deles na própria Aman.
Depois que o então coronel se comprometeu a assumir a condição de “padrinho”, o fato é que os negócios da arquiteta começaram a fluir. Segundo o Portal da Transparência, o primeiro contrato de Larissa, no valor de 8 000 reais, conquistado sem licitação, previa a realização de estudos, prestação de serviços de consultoria em arquitetura e “implementação de medidas necessárias para adequar os estabelecimentos de ensino”. Na sequência, a arquiteta fundou a YEX Arquitetura e Design e, nesse período, assinou pelo menos mais três prestações de serviços com o comando do Exército, todas sem licitação. No ano passado, ainda de acordo com os registros oficiais, a empresa foi novamente agraciada: mais 16 000 reais por um projeto de revitalização da sede da guarda da Bateria Mallet, corpo de artilharia montada do Exército.
![AMAN-ACADEMIA-MILITAR-DE-AGULHAS-NEGRAS-2020-01.jpg REFERÊNCIA - Academia das Agulhas Negras](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/AMAN-ACADEMIA-MILITAR-DE-AGULHAS-NEGRAS-2020-01.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Embora alguns laços tenham se estreitado ainda mais, um imprevisto afastou geograficamente o padrinho da afilhada. Em abril de 2020, Pazuello foi convidado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e mudou-se para Brasília. Cinco meses depois, em setembro, a arquiteta foi contratada pela Fundação de Estudos e Pesquisas Socioeconômicos (Fepese), entidade privada que desenvolve um projeto financiado pelo Ministério da Saúde para aperfeiçoar mecanismos de gestão de hospitais no Rio de Janeiro, e recebe um salário de mais de 8 000 reais. A instituição, sediada em Santa Catarina, não quis informar detalhes do contrato nem como foi o processo de seleção da arquiteta. Mas, em seu perfil no LinkedIn, ela passou a se apresentar como especialista em planejamento de negócios do ministério. Procurada pela reportagem, Larissa de Mesquita não foi localizada.
Apesar de ter saído dos holofotes, após a demissão por péssimo desempenho no ministério, Pazuello ainda priva da confiança de Bolsonaro. Em outubro de 2021, ele assumiu a função de assessor especial do presidente, o que lhe permitiu manter seu soldo de aproximadamente 20 000 reais, mais 9 100 da nova função gratificada. Desde que chegou à Secretaria de Assuntos Estratégicos, onde está lotado, pouco fez — ao menos oficialmente. De junho de 2021 até o início desta semana, a agenda do ex-ministro contabilizava apenas dois compromissos. Uma das últimas tarefas relevantes foi a preparação de um planejamento logístico (sua suposta especialidade) voltado para a campanha de reeleição de Bolsonaro. Fora isso, Pazuello passa o dia numa discreta sala do quarto andar do Palácio do Planalto. Recentemente, comentou com um amigo que deve ir para a reserva no próximo mês. Sua ideia é disputar uma cadeira de deputado federal pelo Rio de Janeiro, contando com o apoio dos militares e do presidente Bolsonaro. O voto da afilhada, “Pachaquelo” certamente terá.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776