Jovem estrela da constelação política do país, cuja estreia na carreira ocorreu em 1986 com a eleição para deputado federal, Aécio Neves era tratado por muitos de seus pares desde cedo como o futuro presidente do Brasil — e quase chegou lá em 2014, quando perdeu por apenas três pontos a disputa com Dilma Rousseff. Depois da derrota, o tucano queria liderar a oposição à petista, mas acabou sendo abatido por uma série de escândalos. No episódio mais crítico, ocorrido em 2017, no auge da Operação Lava-Jato, foi afastado do mandato de senador, por decisão do STF, após vir à tona uma gravação com o empresário Joesley Batista. O áudio mostrava os dois acertando um pagamento de 2 milhões de reais. Ele sempre se defendeu dizendo que o valor negociado com Joesley seria usado para despesas com advogados e era um adiantamento referente à venda de um apartamento. O estrago, porém, parecia definitivo. Mesmo conseguindo se eleger depois disso por dois mandatos consecutivos na Câmara, passou a ser questionado dentro do PSDB, e seus inimigos vislumbravam para ele apenas um futuro obscuro, como político do baixo clero da Casa.
A espetacular volta por cima do neto do ex-presidente Tancredo Neves começou a ganhar tração com uma decisão da Justiça que o absolveu no ano passado da acusação do caso por não haver como comprovar que os 2 milhões de Joesley se referiam a pagamento de propina. Embora nunca tenha deixado de ter influência sobre o PSDB nacional, é inegável que essa sentença deu a ele o impulso definitivo para retomar o comando do partido. Os caminhos ficaram abertos para Aécio após Eduardo Leite decidir não permanecer no comando do PSDB. O grupo do governador gaúcho tentou formar uma chapa para manter a liderança da sigla, mas foi atropelado por Aécio, que trabalhou intensamente para que um de seus principais aliados, o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, fosse escolhido como o novo presidente do PSDB. A decisão foi confirmada na última quinta, 30. Com o amigo no comando da sigla, Aécio agora deve seguir com seu plano de disputar o governo de Minas Gerais em 2026, o que coroaria de vez sua volta por cima. O deputado integra a nova Executiva Nacional e vai participar ativamente das decisões internas. “Ele é uma figura central do partido”, diz Perillo.
Na semana passada, o tucano começou a preparar o terreno para um possível retorno ao comando do estado ao entrar na discussão sobre a renegociação da dívida de Minas com a União, que já ultrapassa a casa dos 160 bilhões de reais. Para a quitação, já há duas propostas na mesa, uma do atual governador, Romeu Zema (Novo), e outra do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que ambiciona se tornar o sucessor dele. Aécio e o deputado mineiro Paulo Abi-Ackel formularam uma terceira sugestão. Enquanto Zema propõe a privatização de estatais para abater a dívida e Pacheco sugere a federalização das mesmas empresas, em troca de o governo federal assumir todo o passivo do estado, Aécio e Abi-Ackel pedem simplesmente a extensão do prazo para pagamento do débito para 50 anos, em condições bastante camaradas. Aécio acredita que a fórmula pode ganhar apoio de outros estados com problemas semelhantes.
Para além da política mineira, ele tem dito que deseja fazer com que o PSDB volte a ser o principal opositor do petismo, posição perdida com a ascensão do bolsonarismo. Para isso, o primeiro passo é ter um candidato a presidente — pela primeira vez em décadas, o PSDB não apresentou alternativa viável em 2022. “O Eduardo Leite é nosso candidato a presidente. A gente precisa preparar o partido para que ele venha forte em 2026”, diz Perillo. Ele e Aécio também pretendem fazer uma comunicação mais direta com os jovens, ir atrás de figuras importantes que deixaram o PSDB nos últimos anos e fortalecer a sigla em estados onde ela ainda é muito fraca, além de tentar puxar lideranças de outras agremiações e que tenham perfil ideológico semelhante ao dos tucanos.
Gigante na política nacional durante duas décadas, o partido encontra-se na pior fase de sua história, consequência de um declínio acelerado nos últimos anos. Nesse período, a agremiação só fez encolher. Tem hoje apenas duas cadeiras no Senado e elegeu só 13 deputados federais em 2022. Como consequência, terá pouco tempo de TV e um pedaço menor do fundo eleitoral em 2024 e 2026. Além disso, enfrenta problemas internos, com rachas de difícil superação. Alguns setores da legenda ainda lidam com as sequelas das conturbadas prévias da última eleição, que tiveram como protagonistas João Doria e Eduardo Leite — como se sabe, numa rasteira inacreditável promovida por seus desafetos dentro da sigla, Doria venceu a disputa, mas não levou: por falta de apoio interno, desistiu da candidatura quando mal havia iniciado sua campanha. Recuperar o prestígio do combalido ninho tucano vai demandar uma volta por cima tão espetacular quanto a da ressurreição política de Aécio.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870