O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua favorito a vencer o pleito, mesmo lutando contra a pornográfica derrama de dinheiro patrocinada pelo governo federal para angariar votos entre os mais pobres e sob intenso fogo-cruzado de ataques adversários, muitos deles à base de golpes abaixo da linha da cintura. Há alguns meses, quando era bem mais confortável a liderança nas sondagens eleitorais, alguns caciques do PT já começavam até a escalar o futuro ministério de Lula. O sonho de uma vitória tranquila deu lugar à percepção de que a disputa na reta final será muito mais apertada do que o previsto — e o risco de uma virada de última hora, embora ainda improvável, não pode ser descartado, conforme mostram as últimas rodadas de pesquisas.
Inegavelmente, os erros cometidos por Lula e sua campanha acabaram contribuindo para a situação atual de quase equilíbrio no segundo turno. No debate da Band realizado no domingo passado, 16, o ex-presidente mostrou novamente muita dificuldade para não sair arranhado no momento do debate sobre o “petrolão”. Apesar de repetir o discurso de que o governo petista criou condições para a investigação de casos de corrupção, o desconforto dele ao falar sobre o assunto continua evidente, assim com a falta de argumentos mais convincentes para explicar o caso. No mesmo debate, Lula perdeu o controle sobre o relógio, deixando Bolsonaro livre para discursar contra ele (poderia ser até pior, caso o presidente não tivesse desperdiçado o tempo falando sobre sua obsessão a respeito da volta do comunismo) e demonstrou uma certa arrogância, ao dar como certa sua vitória diante do adversário.
Dois dias depois, em aparição no podcast Flow, bateu o recorde de audiência do programa digital (1 milhão de espectadores simultâneos), mas se deixou levar pelo clima de conversa de boteco e, ao tocar em temas mais sérios como o teto de gastos, relacionou a medida de responsabilidade fiscal como uma espécie de benesse aos banqueiros, em detrimento aos investimentos necessários em educação e saúde. Na verdade, como se sabe, é justamente o controle das contas públicas que permite ao governo federal ter estabilidade suficiente para priorizar esforços nas áreas mais importantes. A fiel plateia de apoiadores aplaudiu muito a exibição do ex-presidente e repercutiu fortemente o conteúdo, mas é pouco provável que essa “entrevista” tenha ajudado a trazer para Lula votos de quem continua ressabiado com a superficialidade dele no debate de temas econômicos, um problema e tanto para um partido cuja última lembrança nesse aspecto no poder foi o desastre do período Dilma Rousseff. Para quem tem fama se ser encantador de serpentes, a verdade é que a versão 2022 do candidato está longe de ser tão convincente quanto a do Lula no passado.
A campanha petista, vale ressaltar, tampouco tem ajudado. Até o momento, mostrou-se um fiasco a tentativa de reduzir a desvantagem do ex-presidente junto ao eleitorado evangélico. O tom de improvisação no esforço junto aos fiéis teve o seu momento alto com a divulgação na quarta, 19, da carta da campanha aos religiosos. Além de ser uma iniciativa tardia, o longo documento gastou grande parte do tempo rebatendo ataques da campanha adversária e o uso político da fé. É verdade que são questões importantes, mas é fato também que esse tipo de discurso pouco deve ajudar a virar votos dentro dos templos. Se não bastasse, o esforço de última hora abre flanco para os bolsonaristas acusarem os petistas de fazerem uma tentativa emergencial de conquistar fiéis. “Vai enganar trouxa, não o povo evangélico”, criticou o pastor Silas Malafaia, um dos principais aliados de Jair Bolsonaro no segmento religioso.
Apesar de todos os problemas e dificuldades, Lula tem tudo para vencer o pleito, apostando no recall de sua atuação no período à frente do Palácio do Planalto, de 2003 a 2011. Mas a verdade inconveniente é que as fragilidades dele e de sua campanha abriram espaço para um adversário que tem rejeição recorde entre a população chegar bem próximo do petista na reta final do segundo turno.