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A nova geração de fazendeiros que dá exemplo de respeito ao meio ambiente

O governo se esforça em manchar a imagem do país, mas a maioria esmagadora do agro nacional vem mostrando o valor das práticas sustentáveis

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 14h05 - Publicado em 29 jan 2021, 06h00
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  • PELERSON PENIDO — Fazenda Mantiqueira -
    PELERSON PENIDO — Fazenda Mantiqueira – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/.)

    INTEGRAÇÃO DE CULTURAS EM PINDAMONHANGABA (SP)
    A presença do gado na plantação de soja promove a recuperação de áreas de pastagem degradadas. Acima, o dono do Grupo Roncador e o plantio direto, método que minimiza o efeito estufa

    Poucos setores no Brasil, talvez nenhum, são tão pulsantes, inovadores, prósperos e bem-sucedidos no exterior quanto o agronegócio. Isso é sabido, mas há um outro aspecto, tão vital quanto todos os outros, que não tem recebido o devido reconhecimento: o compromisso cada vez maior com o meio ambiente. Por mais que milhares — sim, milhares — de fazendeiros adotem práticas sustentáveis, aquelas que, acima de tudo, são aliadas da preservação da natureza, a imagem que se tem lá fora é que a produção agrícola, de alguma maneira, é terrivelmente devastadora para a natureza. Isso pode até ser verdadeiro em certos ambientes e grupos específicos, em geral denunciados e expostos por sua irresponsabilidade, mas não se pode deixar de admitir que há uma maioria esmagadora de fazendeiros brasileiros que não apenas incorpora medidas de redução de danos ambientais como desempenha papel vital para a preservação da biodiversidade brasileira — são fazendeiros verdes. O agro nacional não é somente um negócio de valor monetário inestimável, mas também uma força protetora da fauna e da flora do país — apesar da imagem recente ruim, mas injusta, alimentada pelo rol de posturas equivocadas e negacionistas do governo de Jair Bolsonaro, especialmente em relação à Amazônia.

    A realidade é outra. Nos últimos anos, a agricultura brasileira, de fato, consolidou-se como uma das mais sustentáveis do mundo. A adoção de novas tecnologias, a gestão responsável dos recursos naturais e a busca permanente pelo equilíbrio entre produção e preservação tornaram algumas das lavouras do país símbolos internacionais de respeito ao meio ambiente. Iniciativas incorporadas pelo Grupo Roncador, dono da maior fazenda do Brasil em área de produção, ou pelo Grupo Morena, colecionador de prêmios na área ambiental, foram visitadas pela reportagem de VEJA, que pôde comprovar, em campo, o esforço redobrado de alguns dos produtores mais reputados do país para manter a vocação ecológica. “O caminho da sustentabilidade é o único que vai garantir mercados e competitividade mundo afora”, diz Celso Moretti, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

    FAMÍLIA CIOCHETTA — Grupo Morena -
    FAMÍLIA CIOCHETTA — Grupo Morena – (Fotos Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/.)

    UM PARAÍSO VERDE EM CAMPO NOVO DO PARECIS (MT)
    Romeu e Dulce, donos do Grupo Morena, são referência em sustentabilidade. À esquerda, o Rio do Sangue na área de reserva legal. Abaixo, as placas solares que geram 100% da energia consumida no armazém de grãos

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    Moretti toca num ponto importantíssimo. Os fazendeiros não abraçam projetos ambientais apenas porque são dotados de espírito altivo. Conhecedores da demanda internacional por sustentabilidade, eles sabem que é preciso seguir esses parâmetros também por motivos comerciais. “Para nós, não é uma questão de abnegação”, diz, sem meias-palavras, Pelerson Penido, presidente do Grupo Roncador. “Os números comprovam que a sustentabilidade traz resultados.” Sediada em Querência, em Mato Grosso, a Fazenda Roncador ocupa uma área equivalente à da cidade de São Paulo, com mais de 700 quilômetros de estrada interna. Quase a metade — ressalte-se: quase a metade — corresponde a mata nativa e áreas de proteção permanente (APPs). Como a maioria das fazendas do país, no passado o grupo fundado pelo avô de Penido investia na pecuária extensiva, que degradava o solo e reduzia drasticamente a produção nas épocas de seca. O jogo virou com a otimização da terra e o investimento em outras culturas, como soja e milho. “Percebemos que era possível produzir mais e melhor e em menos espaço”, diz Pelerson, que exibe, orgulhoso, os relatórios mensais, com setenta indicadores positivos.

    Produtividade, de fato, é a palavra-chave para o setor. Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues explica por que, graças a ela, o país tem preservado as suas riquezas naturais. Rodrigues usa um exemplo direto. “Desde 1990, a área plantada com grãos cresceu 77% no país, enquanto a produção avançou 346%”, diz. Ou seja, a produção por hectare disparou. Isso só foi possível com o desenvolvimento tecnológico e o avanço das técnicas de plantios. Rodrigues vai além: devido ao notável aumento da produtividade, milhões de hectares de florestas deixaram de ser derrubados.

    HENRIQUE FIORESE — Fazenda Nossa Senhora Aparecida -
    HENRIQUE FIORESE — Fazenda Nossa Senhora Aparecida – (Cristiano Mariz/.)

    POLINIZAÇÃO PREMIADA EM ÁGUA FRIA (GO)
    Com apoio da Bayer, os produtores descobriram uma nova espécie de abelha. O inseto, e seu efeito na flora, é essencial para a saúde do ecossistema

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    Ser sustentável no mundo atual é cada vez mais uma questão de sobrevivência — também econômica. Com a eleição do democrata Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos, a pressão por fornecedores de alimentos que respeitem os recursos naturais será ainda maior. Biden tem a agenda ambiental como um dos pilares de seu governo — logo nos primeiros dias de sua administração, lançou um plano de 2 trilhões de dólares para combater as mudanças climáticas. Uma de suas promessas de campanha, dita em alto e bom som em um dos debates, é penalizar os mercados internacionais que destruam a natureza para a produção agrícola. Biden citou o Brasil como um exemplo de degradação, referindo-se às queimadas na Amazônia. Nesse aspecto, reafirme-se, o governo Bolsonaro tem culpa no cartório. Em sua sanha populista, o presidente falou em “fazer uma limpa” nos institutos de conservação Ibama e no ICMBio, criticou o Fundo Amazônia, criado em 2008 para apoiar iniciativas de combate ao desmatamento da floresta brasileira, e ameaçou deixar o Acordo de Paris, que visa a reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Seu subordinado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou, em reunião a portas fechadas, em “passar a boiada”, querendo dizer que o governo deveria aliviar as regras ambientais que regem o agronegócio.

    Não é difícil entender por que declarações como essas carecem de sensatez e são nocivas para a economia brasileira. O tema do meio ambiente entrou, quer Bolsonaro queira ou não, definitivamente na agenda global — e seguir na contramão neste momento é uma estratégia absolutamente equivocada. Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), elenca os motivos que deveriam levar toda e qualquer autoridade a pensar duas vezes antes de amaldiçoar o meio ambiente. Alguns exemplos são a decisão de um dos maiores fundos do mundo, o BlackRock, de retirar investimentos em empresas de combustível fóssil, a pressão do TCI Fund Management, o mais rentável do planeta, para que companhias de seu portfólio reduzam as emissões de gases do efeito estufa, e a inclusão da sustentabilidade nos programas de investimentos de instituições financeiras. Desprezar o meio ambiente, portanto, é abrir mão de uma enxurrada de recursos estrangeiros.

    ALINE LOCKS — Produzindo Certo -
    ALINE LOCKS — Produzindo Certo – (./Divulgação)

    PROGRAMA DE APOIO CRIADO EM GOIÂNIA
    A empresa, que conecta produtores e companhias comprometidas com a correta gestão dos recursos naturais, certificou 1 600 fazendas

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    A má impressão que as ações e frases descabidas do presidente transmitiram a respeito do agronegócio brasileiro para a comunidade internacional é realmente imprópria, injusta com o que os maiores produtores fazem por aqui. Os exemplos positivos superam, de longe, os desprezíveis. O Grupo Morena, que mantém uma fazenda de 9 500 hectares em Campo Novo do Parecis (MT), a 400 quilômetros de Cuiabá, integrou à produção de grãos como soja e milho estratégias que ajudam a proteger os recursos naturais. Uma de suas iniciativas é o sistema de captação de água da chuva. Ela é levada, por um conjunto de calhas e apenas pela ação da gravidade, até cinco tanques com capacidade para 6 milhões de litros. O líquido, então, é reutilizado para a lavagem de maquinários e irrigação, evitando a necessidade de recorrer aos lençóis freáticos. Outra ideia louvável é a incorporação da energia solar fotovoltaica. Grandes painéis captam a luz do sol e a transformam em fonte elétrica, fornecendo 70% da energia consumida na propriedade. A tecnologia está presente em todo o processo produtivo. “Também usamos aplicativos de celular que controlam as lavouras”, diz Dulce Ciochetta, a dona, ao lado do marido, Romeu, do Grupo Morena.

    CARMEN PEREZ — Fazenda Orvalho das Flores -
    CARMEN PEREZ — Fazenda Orvalho das Flores – (./Divulgação)

    MANEJO GENTIL EM BARRA DO GARÇAS (MT)
    Parceira da JBS, substituiu a antiga e agressiva marcação em brasa dos bois por brincos que não machucam

    Um dos méritos pouco conhecidos dos fazendeiros brasileiros é a sua louvável vocação para preservar a vida selvagem. A descoberta de uma nova espécie de abelha no início de 2021 instalou a Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Água Fria (GO), entre as referências sustentáveis do país. Batizada de Ceratina fioreseana, em homenagem à família Fiorese, dona da propriedade, o inseto foi identificado em uma área de floresta recuperada próximo a uma lavoura de soja. A catalogação, publicada em artigo científico da revista internacional ZooKeys, se deu após um ano de estudos realizados em parceria com a Bayer, farmacêutica alemã que se destaca no apoio à sustentabilidade do agronegócio. “É uma espécie de retribuição da natureza ao nosso trabalho”, diz Henrique Fiorese, um dos administradores da fazenda. Um dos maiores símbolos da biodiversidade brasileira, a onça-pintada encontra alimento farto na Fazenda Roncador. Lá, elas passeiam livremente, sem jamais ser incomodadas. No ano passado, os felinos foram responsáveis pelo sumiço de 1 000 cabeças de gado — 1,4% do total de 70 000 do grupo —, mas isso não representa um problema. “Não considero um prejuízo, mas um indicador”, diz o fazendeiro Pelerson Penido. Entre outros prêmios, a Roncador possui o certificado de proteção fornecido pelo Instituto Onça Pintada.

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    arte agro

    O clamor por um agronegócio mais consciente ganhou impulso há uma década. Uma das pioneiras foi a agrônoma Aline Maldonado Locks, CEO da Aliança da Terra, criada em 2004 como uma ONG e que desde 2020 funciona como empresa, a Produzindo Certo, especializada em conectar produtores e companhias comprometidas com a correta gestão dos recursos naturais. Apesar de não se tratar de um trabalho fiscalizador, houve certa hostilidade no início. “A primeira pergunta que escutávamos era: o que vou ganhar com isso?”, lembra Aline. “Sustentabilidade soava como um palavrão, algo ligado a multas, embargos ou à imagem de vilão dos produtores. Havia uma polarização entre o fazendeiro e o ambientalista.” Hoje em dia, diz ela, o cenário mudou. A Produzindo Certo certificou 1 600 fazendas e 6 milhões de hectares, e pretende quadruplicar o número em dois anos. Uma de suas estratégias é manter parcerias com grandes empresas. Entre outras ações, ajudou a identificar para a operação brasileira da britânica Unilever fornecedores de soja que incorporam a proteção do meio ambiente em suas lavouras.

    EM CHAMAS - Queimada na Amazônia: imagem do Brasil como destruidor da natureza pode trazer danos ao agronegócioEm chamas Queimada na Amazônia: imagem do Brasil como destruidor da natureza pode trazer danos ao agronegócio -
    EM CHAMAS - Queimada na Amazônia: imagem do Brasil como destruidor da natureza pode trazer danos ao agronegócioEm chamas Queimada na Amazônia: imagem do Brasil como destruidor da natureza pode trazer danos ao agronegócio – (Bruno Kelly/Amazonia Real/.)

    Corporações globais, ciosas da importância das ações ambientais para sua reputação internacional, estão cada vez mais atentas à cadeia de fornecedores. Quanto mais sustentáveis eles forem, melhor para as empresas. A Friboi, unidade de negócios de carne bovina da JBS, criou o Programa Rebanho, que consiste em promover a pecuária sustentável na região do Médio Vale do Araguaia, em Mato Grosso. Segundo a empresa, o objetivo é transformar a região, uma das principais produtoras de gado do país, em um parâmetro global de boas práticas de produção. Parceira da JBS, a fazenda Orvalho das Flores, na região de Barra dos Garças (MT), é adepta do chamado “manejo gentil”. Segundo a fazendeira Carmen Perez, são ações que parecem modestas, mas afeitas a gerar grandes resultados no bem-­estar do gado. A marcação com ferro em brasa, por exemplo, foi substituída por brincos identificadores. “Isso impacta diretamente na qualidade vida do animal”, diz Carmen.

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    ***ATENÇÃO - USO RESTRITO - PAGAMENTO POR REUTILIZAÇÃO***
    SOBREVOO - O ministro Salles: deixar a boiada passar significa prejuízo ao país – (Caio Guatelli/.)

    A agricultura é, sob diversos aspectos, a atividade comercial mais importante criada pelo homem. Saciar a fome é o mais ancestral dos desejos e está presente desde o nascimento, em todas as espécies. Foi graças ao desenvolvimento agrícola que o Homo sapiens cresceu e se multiplicou. Agora o mundo está diante de uma questão primordial: alimentar cada vez mais e mais bocas. Em 2050, a população global deverá se aproximar dos 10 bilhões de pessoas — atualmente são 7,7 bilhões. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cada uma delas comerá, em média, 12% a mais do que em 2000, incluindo duas vezes mais carnes vermelhas e aves. Isso representará um aumento explosivo de 70% no consumo de alimentos na primeira metade do século XXI, algo jamais experimentado na história da humanidade. Para saciar a fome do planeta, porém, será preciso cultivar sem agredir o meio ambiente, sob o risco de punições e cancelamentos de contratos, caso isso não aconteça. Não existe outro caminho, portanto, que não seja plantar e colher com responsabilidade, o que significa respeitar a natureza acima de tudo. A maioria dos fazendeiros brasileiros faz isso. Infelizmente, e de forma absolutamente inexplicável, o governo prefere vender outra imagem lá fora.

    Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723

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