O sonho de viajar para os Estados Unidos nunca esteve tão distante para milhares de brasileiros. Não há motivações econômicas para isso — o dólar tem mantido certa estabilidade nos últimos anos e as agências de turismo confirmam que a demanda tem crescido. A razão é de outra natureza: a fila para tirar visto nos consulados empacou. Há alguns dias, o tempo para agendar a data da entrevista e apresentação de documentos nas representações diplomáticas chegou ao maior patamar da história para aqueles que jamais estiveram em território americano. Em São Paulo, o período de espera é de 556 dias, o equivalente a dezoito meses. No Rio de Janeiro, são 442 dias (ou quinze meses). Com 438 dias, Brasília está um pouco melhor, mas nem tanto.
As autoridades dos Estados Unidos atribuem o estorvo à pandemia. “É fundamental lembrar que o problema não ocorre apenas no Brasil”, diz Michael Whipple, assessor para assuntos consulares da Embaixada dos Estados Unidos. “Estamos lutando para diminuir o tempo de espera.” O louvável desafio é imenso. Todos os dias, pelo menos 6 000 pedidos são processados pela missão diplomática. Em busca da normalização do processo, os consulados contrataram mais funcionários e criaram horários de atendimento aos sábados, mas as filas só devem começar a reduzir no fim do primeiro semestre. “Queremos que os brasileiros sigam viajando aos Estados Unidos”, diz Whipple. Segundo projeções das autoridades americanas, o número de turistas brasileiros no país deverá aumentar 19% em 2023.
Ainda assim, muitos planejamentos de viagem foram adiados. Passada a crise sanitária que confinou à imaginação qualquer expectativa de passear pelo mundo, o casal Cristina Miguel e Ícaro Ramos, ambos de 36 anos, finalmente pôs em prática o projeto de voltar a Times Square, em Nova York, e assistir, ao vivo, a um jogo de futebol americano da National Football League (NFL). No entanto, ao entrar no site de agendamento de entrevistas do consulado americano em São Paulo, eles descobriram que garantir mais um carimbo no passaporte exigiria paciência: só havia disponibilidade para a última etapa do processo em setembro de 2024. O jeito foi tentar uma nova estratégia. Mesmo sendo moradores de Franca, no interior paulista, agendaram a entrevista bem longe de casa, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde a fila está em 406 dias de espera. “Nossa ideia é viajar no primeiro semestre de 2024”, justifica Ramos.
A boa notícia é que as chances de aprovação são altas. Mesmo ocupando o segundo lugar entre os países que mais solicitaram vistos americanos em 2022, as reprovações de brasileiros não passaram de 15%. Ana Barbara Schaffert, do escritório de advocacia imigratória AG Immigration, lembra que o ponto mais relevante para evitar ter o pedido negado é demonstrar vínculos fortes com o Brasil — emprego formal, boas condições financeiras e posse de bens são fatores decisivos.
O tempo de espera para modalidades de vistos que não sejam relativos ao turismo são bem menores, não passando de uma semana em alguns casos. No entanto, uma agravante ameaça sobrecarregar ainda mais os atendentes dos consulados. Os primeiros vistos com dez anos de validade passaram a ser emitidos em 2010 e, portanto, começaram a vencer nos últimos meses. Para evitar o aumento das filas, a embaixada estendeu de doze para 24 meses o prazo para pedir a atualização dessas autorizações sem que seja preciso passar por nova entrevista. Whipple, o porta-voz da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, alerta que muitas pessoas que poderiam ser dispensadas da conversa com os agentes consulares estão sendo direcionadas para essa etapa por preencherem o cadastro no sistema de maneira equivocada. Com um pouco mais de atenção, o tempo de espera seria bem menor e os solicitantes de primeira viagem seriam atendidos com maior agilidade. Vale a dica para quem não quiser transformar o sonho de visitar os Estados Unidos em um grande pesadelo.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835