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A estratégia de Bolsonaro na arriscada manifestação com aliados em SP

Ex-presidente promete se defender sem agredir autoridades e instituições. Se a aposta der certo, mostrará força política e apoio popular

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Adriana Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 09h21 - Publicado em 23 fev 2024, 06h00
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  • A Avenida Paulista já foi palco de duas grandes manifestações de Jair Bolsonaro, ambas no feriado de 7 de Setembro, ambas com repercussões políticas que fizeram o país passar os dias seguintes sob suspense. No episódio mais grave, em 2021, discursando raivoso em cima do palanque, xingou Alexandre de Moraes, ministro do STF, e ameaçou não respeitar mais as decisões da Corte. No ano seguinte, voltou à carga. Citando o golpe militar de 1964, afirmou que a história poderia se repetir. A multidão de apoiadores que acompanhava o evento em êxtase trazia faixas pedindo a volta da ditadura e montagens com integrantes do Supremo dentro de caixões. Nas semanas que se seguiram aos atos, foi preciso um esforço enorme para restabelecer alguma normalidade institucional.

    Bolsonaro traçou nos últimos dias planos de voltar à Paulista no próximo domingo, 25, em manifestação convocada por ele, mas em circunstâncias completamente diferentes. Apeado do Palácio do Planalto após a derrota para Lula, ele passou a acumular uma série de enroscos judiciais. Ficou inelegível por decisão do TSE e agora é alvo principal de uma investigação sobre uma tentativa de golpe para impedir a posse do adversário. Na última quinta, 22, o ex-presidente ficou calado no depoimento à Polícia Federal sobre o caso, depois que a tentativa de adiar a oitiva feita por seus advogados foi negada por Alexandre de Moraes, relator do processo. O ex-presidente acredita ser vítima de perseguição do ministro, que pediu a apreensão do passaporte dele no curso da mesma investigação, e atribui isso a uma vingança pelos insultos e ameaças que Moraes e sua família receberam das hostes bolsonaristas. Para tentar esfriar os ânimos, aliados do capitão vêm tentando uma aproximação com a Corte e até saíram otimistas de algumas conversas, mas os sinais externos são de que o Supremo está “fechado” com Moraes. Em entrevista recente ao programa Ponto de Vista, de VEJA, questionado sobre a manifestação convocada pelo ex-­presidente, o decano Gilmar Mendes disse se tratar de uma tentativa do político de buscar “apoio popular” em meio a “provas comprometedoras de ameaça e de ruptura do Estado de direito e do Estado democrático”.

    Parlamentares de oposição ao governo querem formalizar novo pedido de impeachment contra ministro Alexandre de Moraes
    MEMÓRIA - Alexandre de Moraes: o ministro e sua família foram alvos de muitas ameaças e insultos de bolsonaristas (Ton Molina/Fotoarena/.)

    Por esse tipo de termômetro, o ex-­presidente sabe que mesmo uma manifestação bem-sucedida tem poucas chances de mudar os humores do STF, mas aposta todas as suas fichas em ter uma foto da Avenida Paulista lotada, de forma a demonstrar sua capacidade de mobilização. Organizadores do evento, como o pastor Silas Malafaia, falavam em, no mínimo, 300 000 pessoas. Outra utilidade do evento para Bolsonaro é exibir força política. A manifestação pode reunir pela primeira vez no mesmo palanque alguns dos mais relevantes expoentes da direita no país. Além do enorme séquito de deputados e senadores do PL, o partido do ex-presidente, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o ato também deverá ter governadores, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina. Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, é também esperado, mas não havia confirmado presença até a última quinta, 22.

    VAI OU NÃO VAI? Cláudio Castro: uma das dúvidas de última hora do evento
    VAI OU NÃO VAI? Cláudio Castro: uma das dúvidas de última hora do evento (Governo do Estado do Rio de Janeiro//)
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    A motivação em comum da maior parte deles é de marcar proximidade com o eleitorado do capitão com vistas a voos políticos maiores, como é o caso do governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Recentemente, em uma entrevista a VEJA, ele sinalizou que fará esforços para tentar disputar a Presidência em 2026 com apoio desse público. “Os próprios eleitores do Caiado hoje são em grande parte nomes do agronegócio, que apoiam massivamente o Bolsonaro”, diz um interlocutor do governador. “Não tem como ele não estar alinhado, não só por uma futura ambição eleitoral, mas por uma questão de sustentação política”, afirma essa mesma fonte. A preocupação com as eleições deste ano também é evidente. Ao menos dois ex-ministros de Bolsonaro que participarão do ato são cotados para disputar prefeituras: Marcelo Queiroga (Saúde), em João Pessoa, e João Roma (Cidadania), em Salvador.

    ELES IRÃO - O senador Pontes: um dos noventa parlamentares confirmados
    ELES IRÃO - O senador Pontes: um dos noventa parlamentares confirmados (Roque de Sá/Ag. Senado)

    De forma a não criar novos enroscos na Justiça, Bolsonaro promete não ser Bolsonaro. Em diversos vídeos em que conclama apoiadores, o ex-presidente deixou claro que o mote do dia será a defesa dos valores da direita, como a liberdade e a família, e da democracia, além, é claro, da denúncia ao que classifica de “perseguição judicial” e “violação de prerrogativas” das quais é alvo. Bolsonaro também instruiu os admiradores a não levarem faixas nem cartazes contra instituições como o Supremo e a Polícia Federal. Até a preocupação com a lisura de doações acendeu o alerta do capitão, que foi às redes proibir que sejam feitas rifas em seu nome para o custeio de transporte e compra de itens como bandeiras e tinta.

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    arte Bolsonaro redes

    De acordo com a organização, o evento será aberto pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que fará uma oração. Os discursos mais esperados são os de Silas Malafaia, que deve abordar as “injustiças” da situação jurídica do ex-presidente, e do governador paulista Tarcísio de Freitas, tido como herdeiro natural de Bolsonaro na liderança do campo político da direita no país. O grand finale será do ex-presidente, que planeja falar por cerca de trinta minutos. Um terço disso será dedicado a Lula, segundo o capitão confidenciou a seus aliados. Além de atacar a política econômica do atual governo, ele vai explorar a vexaminosa fala do petista comparando o atual conflito na Faixa de Gaza ao Holocausto (veja a reportagem na pág. 28). “O Lula vai tomar uma pancada, mas a manifestação não é para isso. É sobre Bolsonaro se defender e defender o Estado democrático de direito”, diz Silas Malafaia. O ex-­presidente promete reforçar no início do evento o pedido para ninguém trazer manifestações contra as instituições, em particular, o STF — e disse a uma pessoa próxima que irá parar os discursos caso note algum grupo na plateia saindo do tom.

    Na convocação para a manifestação de domingo, mais uma vez, o bolsonarismo se valeu muito das redes sociais. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Democracia em Xeque, mais de trinta vídeos foram publicados sobre o assunto nos últimos dias. Juntos, eles ultrapassaram a marca de 1 milhão de visualizações. Os principais esforços vieram de parlamentares mais ideológicos da direita radical — a campeã nesse quesito é a deputada federal Carla Zambelli (PL-­SP). O Telegram foi outro veículo muito utilizado, com direito à veiculação de fake news “confirmando” a presença de autoridades estrangeiras, como o presidente argentino, Javier Milei, e o pré-candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump.

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    ALVOS - Passeata na Paulista em 2022: ataques furiosos aos membros do STF (./.)

    Apesar das promessas de que não haverá ataques às instituições, no meio político o que acontecerá na Avenida Paulista é uma incógnita. Aliados de partidos como o MDB, União Brasil e Republicanos temem que bolsonaristas mais radicais desobedeçam à ordem do chefe, colocando os presentes em uma saia justa. Disposto a comparecer, mas sem se comprometer com discursos à militância, o prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), é um dos que mais têm a perder caso o combinado não seja cumprido. Pré-candidato à reeleição com o apoio do ex-presidente, o emedebista tem se limitado a citar que a Constituição assegura a todos a presunção da inocência e que Bolsonaro tem o direito de se defender democraticamente. É o que acredita também um importante cacique do MDB: “Até pelos alertas que recebeu, acho que ele não vai ofender ninguém no ato. Se cumprir isso, está tudo bem”.

    LONGE DO AEROPORTO - Em Miami: defesa tenta rever o passaporte apreendido
    LONGE DO AEROPORTO – Em Miami: defesa tenta rever o passaporte apreendido (Thiago Amâncio/Folhapress/.)
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    A organização do evento ficou aos cuidados de Silas Malafaia e do advogado Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro. De pronto, Malafaia teve de contornar um possível embaraço. Inicialmente, anunciou que o custeio seria feito pela Associação Vitória em Cristo, presidida por ele — a entidade, sob a qual está a Igreja de mesmo nome, arrecada fundos por meio de doações de fiéis, além de promover cursos de formação religiosa e de prestar assistência social. Após críticas, no entanto, de estar usando o dinheiro do rebanho para fins políticos, Malafaia decidiu que o dinheiro sairia do seu próprio bolso — mesmo que a organização tenha como prerrogativa em seu estatuto o financiamento de manifestações públicas, como fez questão de afirmar. O grande número de convidados confirmados também fez com que tivessem que alugar dois carros de som. Segundo Malafaia, a conta geral do evento ficou em torno de 90 000 reais, o que inclui o aluguel dos veículos, a contratação de seguranças e de banheiros químicos e a distribuição de garrafas d’água. Ou seja, o show estava armado na quinta, 22, dentro da expectativa de cumprir o obje­ti­vo de produzir uma foto de um palanque bem recheado e outra da Paulista lotada de apoiadores.

    BASTIDOR - Wajngarten: carros de som para um alto número de convidados
    BASTIDOR - Wajngarten: carros de som para um alto número de convidados (Andre Borges/Getty Images)

    Até as vésperas, no entanto, mesmo o entorno de Bolsonaro roía as unhas com as chances consideráveis de esse roteiro sair da linha, dado o histórico de imprevisibilidade do comportamento do ex-­presidente. Sobre a situação jurídica dele, cresceu entre os aliados a percepção de que o capitão está destinado a virar alvo de uma medida extrema. Sem meias-palavras: trabalha-se mesmo com a possibilidade de uma prisão, cedo ou tarde. Nesse caso, em meio aos preparativos da manifestação, o próprio Bolsonaro já traçava planos para o pior cenário: ele pretende posar de vítima de perseguição e sonha com a solidariedade até de governos do exterior. Sob pressão enorme, resta-lhe sempre aumentar o cacife da aposta política. Cada vez mais, seu jogo está na base do tudo ou nada.

    Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881

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