Eleita na onda bolsonarista de 2018, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) cacifou-se para um segundo mandato em 2022 com uma das maiores votações de todo o país. Conhecida como uma das defensoras mais aguerridas do ex-presidente, a parlamentar agora tem um futuro incerto. Caída em “desgraça” entre os seus desde que protagonizou a cena em que perseguiu, pistola em punho, um homem desarmado na véspera do segundo turno das eleições — aliados dizem que Bolsonaro credita ao episódio sua derrota para Lula e que não suporta mais nem ouvir falar da correligionária —, Zambelli virou ré no STF por causa desse ato tresloucado. O Supremo aceitou a denúncia da PGR contra a deputada por porte ilegal de arma. O representante legal de Zambelli, Daniel Bialski, afirma que a documentação estava regular e que sua cliente agiu daquela forma por estar sendo ameaçada pelo rapaz. “Por isso, foi atrás dele para detê-lo”, diz o advogado. Trata-se de uma tese difícil de sustentar diante das imagens que viralizaram da perseguição.
Se não bastasse o enrosco bélico, Zambelli passou a ser recentemente investigada pela Polícia Federal por uma trama cibergolpista. Ela é tida como mentora e financiadora do plano para transformar Walter Delgatti em garoto-propaganda de uma campanha para desacreditar o resultado das últimas eleições. Conforme registrou uma reportagem de VEJA em agosto do ano passado, o hacker, condenado recentemente a vinte anos de cadeia pela Vaza-Jato, encontrou-se com Bolsonaro no Alvorada para tratar da segurança das urnas (em encontro articulado por Zambelli) e, na sequência, foi mandado ao Ministério da Defesa para fortalecer a teoria conspiratória de que as urnas eletrônicas estavam programadas para “roubar” o resultado. Em conversas com a reportagem de VEJA, repetidas depois por Delgatti na CPMI do 8 de Janeiro, o hacker disse que Bolsonaro ainda teria lhe pedido para assumir a autoria de um grampo telefônico capaz de comprometer Alexandre de Moraes, ministro do STF e do TSE. Segundo Delgatti, Bolsonaro prometia indultá-lo quando pesassem sobre ele as consequências legais pelo ato criminoso. Ainda de acordo com o hacker, no entanto, nunca mais o procuraram para tratar desse assunto específico.
Por outro lado, a cibertrama avançou. Em depoimento à PF, Delgatti contou que recebeu cerca de 40 000 reais para trabalhar com Zambelli. Nesse período, a mando dela, teria invadido o sistema do Conselho Nacional de Justiça e inserido documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão. “Delgatti faz acusações sem nenhum tipo de prova, é um mitômano”, diz o advogado de Zambelli. Sobre os pagamentos da equipe de campanha da deputada ao hacker, a defesa alega que foram referentes a contratos para prestação de serviços de gestão de redes sociais, sem nenhum tipo de ilegalidade — outra história difícil de sustentar e que deverá ter novos capítulos com a quebra de sigilo de Zambelli aprovada pela CPMI na última quinta-feira, 24. As denúncias de Delgatti já foram suficientes para duas representações no Conselho de Ética da Câmara, do PSOL e do PSB, que pedem a avaliação de uma suposta quebra de decoro que pode levar à perda do mandato de Zambelli.
O fogo cruzado contra ela criou também uma saia justa para seu atual partido, o PL. Em público, apesar do histórico da pesada da parlamentar, caciques da legenda, incluindo o presidente, Valdemar Costa Neto, prometem articular com as bancadas para barrar o avanço de um possível processo. “Vamos defendê-la com todas as armas que pudermos”, disse Costa Neto a VEJA, sem se dar conta do ato falho. Integrantes da cúpula do partido avaliam que o episódio da arma foi, de fato, “desgastante”, mas que seria uma péssima ideia “jogá-la aos leões” no “caso hacker”, pois Delgatti foi levado também por Zambelli a uma reunião com Costa Neto para falar da segurança das urnas, um dia antes do encontro com Bolsonaro. O presidente do PL garante que não levou a conversa a sério, mas Delgatti diz que falou ainda com o marqueteiro da sigla, Duda Lima, sobre a possibilidade de uma exibição pública da fragilidade do sistema em um evento de 7 de setembro. Duda Lima nega.
As confusões recentes representam uma espécie de coroação da trajetória errática de Zambelli. Ela começou a aparecer ao participar de atos do movimento feminista ucraniano Femen, em 2010. No ano seguinte, fundou o NasRuas, que acabou se tornando depois uma das forças mais engajadas no movimento pró-impeachment de Dilma Rousseff. Com a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, ganhou poder, virando uma das líderes da tropa de choque dele no Congresso. Agora, está às voltas com uma acusação no Supremo, uma investigação na PF e denúncias por quebra do decoro parlamentar. A ascensão dela foi meteórica. Hoje a aposta é que a queda ocorrerá também em velocidade vertiginosa.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856