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Quem pode falar de Marielle?

O repúdio à série sobre ela expõe uma nova forma de censura

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 mar 2020, 10h46 - Publicado em 13 mar 2020, 06h00

A GRANDE notícia no meio audiovisual, recentemente, foi a contratação do diretor José Padilha (Tropa de Elite) pela Globoplay. Ele deixou a Netflix e a Amazon. Deverá fazer uma série ficcional sobre Marielle Franco. O roteiro é da escritora Antonia Pellegrino, que assinou, entre outros trabalhos, Bruna Surfistinha. A sala dos roteiristas será liderada por George Moura (Onde Nascem os Fortes). Em termos de currículo, todos têm. Mas começou uma briga feia. O site de notícias e mídia Alma Preta (@almapretajornalismo) publicou uma nota de repúdio assinada por diversos profissionais negros. O motivo: a não presença de negros na equipe (pelo menos até o momento). Também se discorda da participação do diretor José Padilha no projeto: “É uma violência extrema envolver numa série sobre Marielle o autor de filmes que retrataram de forma heroica a polícia mais violenta do país.” É uma interpretação discutível do ponto de vista do diretor — que, após as reações, pareceu em dúvida se continuaria no projeto. Quando ganhou o Urso de Ouro em Berlim (2008), Padilha rebateu as críticas: “Eu queria explicar como o Estado corrompe os policiais e os incita à violência”. Mas isso não vem ao caso.

A grande questão é: quem pode escre­ver?

“A luta pela identidade não deve dizer quem pode escrever o quê. Isso é autoritarismo”

Antonia é casada com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), próximo a Marielle, e ela foi sua amiga. Em seu Instagram (@pellegrino.antonia) diz que “ver Marielle morta e depois carregar seu caixão foi um rasgo profundo na minha vida, um divisor de águas”. A família lhe cedeu os direitos. Sinceramente, o argumento de que, por Marielle ser negra, sua história tem de ser contada por negros me assusta. Sou totalmente a favor da inclusão. Acredito que os projetos devem ter representatividade, inclusive demográfica. É preciso lutar para conquistar espaço, sem dúvida! Mas como autor penso que qualquer pessoa pode falar sobre qualquer tema. Eu mesmo, há anos, escrevi a novela Xica da Silva, na extinta TV Manchete — na qual pela primeira vez uma negra fez o papel-título. Foi um marco. O fato de eu ser branco diminui a qualidade de Xica?

Há um radicalismo em ascensão — pior, um radicalismo de esquerda, originário dos movimentos pelos direitos (repito, direitos válidos) —, em que se tenta impor regras. Um dos grandes livros que já li, As Benevolentes (Les Bienveillantes), de Jonathan Littel, Prêmios Goncourt e da Academia Francesa em 2006, fala do Holocausto do ponto de vista de um oficial nazista e homossexual. O autor é judeu. Mas é justamente por estar do lado oposto que ele consegue fazer um retrato profundo da mentalidade nazista. Todo autor se coloca na pele do personagem. É óbvio que seu modo de ver o mundo impregna a obra. Antonia, amiga de Marielle, não será capaz de produzir um retrato profundo e humano dessa mulher, negra e lésbica, cujo assassinato até hoje ainda carece de explicação?

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A luta pela identidade não deve dizer quem pode escrever o quê. Isso é autoritarismo. Censura. Não importam fins nem motivos. O que vale é a liberdade de expressão.

Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678

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