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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Paulo Guedes vai cair?

Quais os motivos para Guedes ficar no governo, apesar das pressões

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 ago 2020, 16h04 - Publicado em 12 ago 2020, 14h56

O mercado acordou com os rumores de que os dias de Paulo Guedes como ministro da Economia estão contados. Na terça-feira, Guedes classificou como uma “debandada” os pedidos de demissão de dois secretários, o da Desestatização e o da Desburocratização. Outros cinco auxiliares já haviam deixado o Ministério da Economia desde julho, uma evidência da fragilidade de chefe em manter sua equipe empolgada em tocar as reformas adiante. Segundo o próprio Guedes, “um (secretário) está reclamando que está indo devagar e o outro (o presidente Jair Bolsonaro) está dizendo’ vai no ritmo que eu quiser, eu sou o presidente, eu que tive o voto. Se você quiser, você sai’. É um sinal de que Paulo Guedes pode cair?

Para responder essa questão é preciso uma volta no tempo:

Em 2016, quando o país vivia a transição entre os governo Dilma Rousseff e Michel Temer, Paulo Guedes, então presidente da gestora de recursos Bozano, procurou o apresentador Luciano Huck para convencê-lo a ser candidato a presidente. As conversas entre os dois prosseguiram até que em novembro de 2017, Guedes foi procurado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, que já aparecia com 18% das intenções de voto para presidente, atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva. No mesmo mês de novembro, Huck desistiu da candidatura e Guedes pulou no barco bolsonarista. Havia se transformado no “Posto Ipiranga”, o fiador do ex-capitão junto ao mercado e empresariado.

Paulo Guedes sempre se ressentia não ter sido convidado para um cargo público relevante. Foi sondado para ser diretor do Banco Central no final do governo Figueiredo, mas achou pouco. Depois virou especialista em achar defeitos nos planos econômicos dos outros. Ganhou dinheiro apostando que o Cruzado ia dar errado e que o Plano Collor era fajuto. Nunca perdoou os ex-colegas da PUC-Rio por ter sido excluído da confecção do Plano Real, embora como operador do mercado tenha faturado muito apostando que o câmbio fixo iria empurrar os juros para a lua. Mas todo o dinheiro não apagou a mágoa de ter sido deixado de lado.

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Guedes descobriu que todos políticos de expressão têm times ao seu lado e que ele não fazia parte de nenhum. Em 2007, um empresário amigo levou Guedes a conhecer Lula, mas o então presidente estava embarcado no projeto do Estado Grande, a tese oposta à de Guedes. Em 2015, o então ministro Gilberto Kassab o levou para jantar com Dilma Rousseff, mas não houve química. Em 2016, Guedes não estava nem entre os três possíveis ministros de Temer. Foi quando ele decidiu que precisava inventar ele mesmo um candidato a presidente. Primeiro tentou Luciano Huck. Depois foi de Bolsonaro.

Com a vitória do capitão, Guedes teve um poder formal sobre um superministério que fundia as pastas da Fazenda, Planejamento, Indústria&Comércio, Trabalho&Previdência. Tantas atribuições em um único posto foi uma decisão temerária, agravada pela escolha de executivos com zero experiência em gestão pública. Mas esse foi em erro menor. O maior equívoco de Guedes foi realmente acreditar que Bolsonaro, um político do Centrão que sempre votou a favor de benesses para os militares e contra as reformas do Estado, estava se convertendo ao liberalismo. É como se Guedes acreditasse na lorota de que ele era um superministro. Superministro e boitatás não existem.

Governos eleitos por ampla maioria recebem, naturalmente, um crédito no Congresso. Guedes enviou a mais ambiciosa reforma da previdência da história e que poderia ter sido aprovado em poucos meses não fosse o próprio Guedes arranjar batalhas perdidas (como a capitalização, o fim do BPC e a mudança na aposentadoria rural) e esgarçar a relação com o aliado mais estratégico, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Sem relação com o Congresso, Guedes passou a depender apenas do seu acesso ao presidente. Os militares o consideram ultrapassado, os políticos reclamam da sua arrogância e os empresários (como sempre no Brasil) são liberais até a página 3. Quando alguém tenta reduzir o seu subsídio, eles passam a sabotá-lo.

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A combinação de prepotência e inexperiência como personalidade pública fez Guedes tropeçar na própria hipérbole. Ele chegou a Brasília prometendo R$ 1 trilhão em privatizações e terminou o ano criando uma nova estatal para a Marinha. Prometeu déficit zero e entregou R$ 90 bilhões negativos no ano passado e R$ 900 bilhões de rombo neste ano. Em setembro de 2019, disse que iria enviar “na semana que vem” uma proposta tributária. A cada semana renovava a promessa, se tornando o folclórico “ministro semana que vem”. Quando dez meses depois a proposta de reforma saiu, veio fatiada e com outra ideia natimorta, a recriação de um imposto sobre transações financeiras. Mesmo antes da pandemia, o crescimento estava andando de lado. Por qualquer critério objetivo, Guedes não entregou 10% do que disse.

O quadro hoje, portanto, é de um ministro de desempenho fraco, que está perdendo equipe, tem adversários dentro do governo e com uma orgulhosa ignorância sobre como funciona Brasília. Em condições normais, seria previsível supor que a validade de Guedes está se acabando. Mas não.

Há três fatores a serem levados em conta:

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1. Guedes não jogou a toalha. Quando um ministro da Economia quer permanecer é muito provável que fique. Guedes sempre sonhou em ser o maior ministro da Economia da história. Não quer sair pela porta dos fundos.

Isso significa um acordo de casamento em crise no qual o ministro aceita engolir sapos e o presidente finja lhe dar crédito. Hoje (12/08), por exemplo, Bolsonaro postou no Facebook uma defesa das privatizações e responsabilidade fiscal.

2. Guedes é quem está formulando o Renda Brasil, o programa social que pode assegurar a reeleição de Bolsonaro. É essencial para o presidente que a transição entre o Auxílio Emergencial e o novo Renda Brasil seja realizada da maneira mais competente, sem sobressaltos. Tirar Guedes agora vai contra os melhores interesses do presidente.

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3. Ainda há amor na Faria Lima pelo ministro. Guedes é um desapontamento, mas o Ibovespa está acima de 100 mil pontos, os juros e a inflação estão em baixas históricas e, dentro das possibilidades da pandemia, a turma da Faria Lima continua fazendo dinheiro.

Nenhum novo ministro da Economia teria, ao mesmo tempo, o acesso privilegiado ao presidente e um discurso pró-mercado que, se não se reflete em ações, pelo menos evita algumas decisões de intervencionismo estatal.

A hora de sair é a mais difícil decisão de um ministro. Guido Mantega teria saído como um gênio em 2010, no final do governo Lula. Insistiu em ficar no governo Dilma até se tornar um dos símbolos do descalabro fiscal.

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Já Bresser Pereira, que foi ministro do governo José Sarney em 1987, conta que estava pressionado pelos deputados que eram contra a sua proposta reforma administrativa (olha aí, como no Brasil velhos temas nunca morrem). Um dia, por motivos protocolares, ele recebeu a visita do então primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres.

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“Todos éramos fascinados pela experiência israelense de combate à inflação (dos anos 80), então perguntei ao Shimon Peres como havia sido, porque ele já era primeiro-ministro à época e lá não houve apenas um congelamento de preços, houve também uma remodelação do tamanho do Estado. O Peres me descreveu assim: “Chamei meus ministros todos e os fechei numa sala junto comigo e disse: ‘Daqui vocês não saem. Ninguém sai daqui enquanto nós não pusermos um equilíbrio nesse balanço desse orçamento. Ponto’. Ele sequestrou os seus ministros por 29 horas e não os liberou enquanto não concordassem com os cortes que precisavam ser feitos e se comprometessem a defender esse orçamento ajustado no Parlamento.

Eu ouvi aquilo e só pensava, que diferença, que diferença… Terminada a conversa, eu fui chamado para mais um encontro com o Sarney. Eu fui pensando: nunca terei um chefe como o Shimon Peres para me apoiar. Daí foi só escrever a carta de demissão.”

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