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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O Centrão quer a cabeça de Guedes

O ministro da Economia pode sair se Bolsonaro não vetar parte do Orçamento

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 1 abr 2021, 11h35

O ministro da Economia, Paulo Guedes, está a um fio de pedir demissão. Ele pediu uma audiência ao presidente Jair Bolsonaro para dizer que não ficará no governo se não houver veto pelo menos parcial ao orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso na semana passada. A dois assessores, Guedes afirmou que o projeto fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, abre a possibilidade de impeachment do presidente e que ele, Guedes, não permaneceria para “assinar um crime de responsabilidade”.

A Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado para acompanhamento das contas públicas, afirma que para cumprir as regras da lei do Teto de Gastos, o limite do orçamento 2021 deveria ser de R$ 1,48 trilhão, mas a peça aprovada no Congresso alcança R$ 1,52 trilhão. Isso significa que, com se o Orçamento for sancionado, o governo Bolsonaro seria obrigado em alguns meses a parar de gastar, fechar repartições e atrasar fornecedores. Seria a paralisação da máquina pública ao meio do avanço da pandemia de Covid19, da falta de vacinas e do colapso dos hospitais. Caso contrário, Bolsonaro romperia o Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal e, no limite, seria passível de afastamento.

No Congresso, a relação de Guedes é péssima. Se aceitar a ameaça de Guedes, Bolsonaro comprará uma briga pesada com o Congresso. O Centrão já quer a cabeça do ministro. Não será a primeira vez que o ministro ameaça sair, mas nunca ele enfrentou adversários tão fortes. Na quinta-feira (31/03), depois de Guedes ter dito aos quatro cantos que o orçamento era “inexequível”, Bolsonaro se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira, o relator do Orçamento, senador Marcio Bittar, a nova ministra da Secretaria Geral, Flavio Arruda (que presidiu a Comissão Mista do Orçamento) e o chefe da Casa Civil, general Luiz Ramos, que coordenou pelo governo as negociações do projeto. Criticou-se muito o ministro Paulo Guedes e ao final, em uma concessão, o relator Bittar se comprometeu a renunciar a R$ 10 bilhões em emendas. A equipe de Guedes acha pouco. O Congresso, Artur Lira à frente, acha que Guedes busca um pretexto para renunciar.

De acordo com os técnicos da Secretaria do Tesouro, o orçamento foi aprovado com um corte de despesas obrigatórias de R$ 19 bilhões (incluindo benefícios previdenciários e gastos com seguro-desemprego) e um transbordo de R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentes. Márcio Bittar diz que os técnicos acompanharam todo o processo e que o próprio Guedes havia aceitado na votação da PEC Emergencial que aos R$ 16 bilhões das emendas parlamentares fosse acrescido outros R$ 16 bilhões quando os congressistas desistiram da ideia de tirar as despesas com o Bolsa Família do Teto de Gastos. Na versão do senador, depois da promessa de Guedes, as emendas poderiam chegar a R$ 32 bilhões, mas ele as estimou em R,5 bilhões. Na reunião com Bolsonaro, aceitou o corte de R$ 10 bilhões, voltando aos R,5 bilhões originais. A responsabilidade pela possibilidade de uma paralisação da máquina, por esta narrativa, seria do próprio Guedes ao não acompanhar as negociações com o Congresso. Guedes afirma assessores que alertou o tempo todo que o projeto era “inexequível”.

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Bolsonaro tem duas semanas para sancionar o Orçamento. Guedes defende o veto total, embora aceite um parcial. Ambas decisões gerariam um confronto aberto em um momento de fragilidade de Bolsonaro, com índices decadentes de popularidade. Pouco mais de um ano atrás, o ministro disse em tom de blague que o dólar chegaria a R$ 7 caso ele deixasse o governo. À época, o dólar estava em R$ 4,40 e uma queda de Guedes levaria o mercado financeiro às raias da loucura. Hoje, sem diálogo com o Congresso e menos influente sobre Bolsonaro, a reação do mercado vai depender mais do nome do substituto do que da saída em si.

Em entrevista ao programa Roda-Viva, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, fez uma comparação aguda sobre o destino de Paulo Guedes, comparando-o ao Hjalmar Schacht, o ministro das Finanças que tirou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920s e depois se tornou o chefe da economia do governo nazista. Respondendo à apresentadora Vera Magalhães, Franco disse que no início comparava a relação entre Jair Bolsonaro e Guedes ao de um “casamento arranjado”, no qual Guedes se ofereceu como uma “grife liberal” para que Bolsonaro circulasse com a turma andar de cima em troca de depois da eleição receber um superministério.

“A pandemia mudou a dinâmica. O que era um casamento arranjado virou um pacto fáustico, onde o Paulo Guedes parece ter se tornado um deles (bolsonarista). Para onde eles vão, ele vai junto. Evoca muito a experiência do Shacht. Como o alemão se justificou no julgamento de Nuremberg, o Paulo parece estar dizendo ‘seria pior se eu não estivesse aqui’. Se o Paulo deixar aquela cadeira, quem vai ficar no lugar, com tantos poderes. É alguém do bolsonarismo raiz? Vamos deixar o Paulo quieto. Acho que ele está fazendo o que pode em uma circunstancia difícil”.

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Vindo de Gustavo Franco, que dirigiu o BC na dramática manutenção do câmbio fixo até 1998, a comparação de Guedes com o ex-ministro nazi é elogiosa. A tese de doutorado de Franco foi sobre a hiperinflação alemã (um dos motivos para ele ter sido incorporado com menos de 40 anos à equipe que criou o Plano Real) e depois escreveu o prefácio da edição brasileira de Schacht. A verdade é mais tenebrosa. Demitido por Hitler do comando do Banco Central alemão em 1939, Schacht permaneceu no governo nazi como ministro sem pasta até ser preso por ter participado da conspiração militar para assassinar Hitler, a fracassada Operação Valquíria, já em 1944 quando a derrota alemã era questão de tempo e vidas.

Mas a analogia permite também imaginar como será a imagem que a história fará de Guedes, o economista que trouxe a elite para a mesa com Bolsonaro. Em dois anos, Guedes propôs uma reforma da previdência corajosa, aprovada a ferro e fogo pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas depois ele se perdeu em intrigas internas e uma tenaz ignorância sobre o funcionamento do mundo político.

Se deixasse o governo amanhã, Guedes poderia dizer que colocou de pé o maior programa social de combate aos efeitos econômicos da pandemia no mundo. Quase 70 milhões de brasileiros pobres e miseráveis foram beneficiados pelo Auxílio Emergencial a um custo recorde de R4 bilhões. Mas Guedes e sua equipe erraram ao supor que (a) a recuperação econômica do final de 2020 era independente do Auxílio; (b) o Ministério da Saúde era competente para encomendar vacinas e promover a imunização em massa, a única forma de a confiança voltar à economia; e (c) que a nova variante do vírus não obrigaria uma nova rodada do Auxílio em 2021.

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Hoje Guedes luta pela sua biografia. Do economista com mais poderes da história, Guedes tornou-se com o tempo um ministro fraco. A sua agenda se resume a evitar rombos fiscais. Os militares conspiram pela sua queda, assim como os deputados do Centrão. Bolsonaro não quer tirá-lo por sua comprovada lealdade, mas esse reconhecimento apenas exige de Guedes novas provas de fidelidade, que por sua vez apenas o enfraquecem como interlocutor capaz de dizer verdades inconvenientes. É possível que, como Schacht, Guedes consiga convencer alguns que sua presença no governo Bolsonaro evitou um mal maior, mas é fatal que ele enfrente o julgamento da história.

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