Prestes a decolar no streaming, novelas perdem audiência na TV aberta
Enquanto plataformas se preparam para lançar folhetins inéditos, 'Um Lugar ao Sol' marca pior estreia na faixa das 9 da Globo

Um gêmeo é certinho; o outro, desequilibrado. Na Rede Globo, o velho clichê da dramaturgia leva agora Cauã Reymond em dose dupla: no folhetim Um Lugar ao Sol, ele encarna Christian e Renato, que, separados quando bebês, cresceram em realidades opostas. Quando uma tragédia os coloca frente a frente, Christian assume a identidade do irmão ricaço – e dá início à primeira novela global inédita da faixa das 9 desde que a pandemia instaurou um regime de reprises na televisão. Com uma premissa que já se provou frutífera, a exemplo de sucessos como Mulheres de Areia (de 1973 e refeita em 1993), Cara e Coroa (1995) e O Clone (2001), a história criada e dirigida por Lícia Manzo era uma aposta segura no gradual retorno ao “velho normal”. Mas o capítulo de estreia, exibido na segunda, 8, teve métricas aquém do esperado: segundo dados do Kantar Ibope, foram registrados apenas 25,2 pontos de audiência na Grande São Paulo, a pior para um primeiro episódio no horário nobre da emissora.
O segundo lugar no ranking de “piores estreias” é da reprise de Império, precursora imediata de Um Lugar ao Sol, com 28,8 pontos. Ao longo das 30 semanas que esteve no ar, a trama de Aguinaldo Silva acumulou 27,4 pontos de média e saiu de cena, na última sexta-feira, 5, com a pecha de terceira pior audiência da faixa. Os índices baixos desafiam um fenômeno curioso: enquanto as novelas perdem público na televisão, as métricas nos streamings decolam a ponto de títulos inéditos no formato estarem prestes a sair do forno. Só entre janeiro e junho deste ano, o consumo de folhetins antigos no Globoplay aumentou em 90% em relação ao mesmo período de 2020, segundo dados divulgados pela plataforma – e a continuação da picante saga de Walcyr Carrasco, Verdades Secretas 2, está saindo por lá antes de chegar à TV aberta.
Frente à dianteira do Globoplay, a concorrência vem se sacudindo para pegar uma fatia desse mercado. A Netflix, por exemplo, já anunciou que vai investir no formato folhetinesco e exportá-lo para fora do Brasil. Com a produtora Elisabetta Zenatti encabeçando o departamento de dramaturgia nacional, a gigante do entretenimento também tem uma poderosa remessa de ex-globais, como Bruno Gagliasso, Marco Pigossi e Alessandra Negrini, para compor futuros elencos. A HBOMax, por outro lado, contratou Silvio de Abreu para ser o produtor-executivo de telesséries (um produto híbrido entre novela e série) na América Latina, em um movimento que mira a fidelização de espectadores pela dramaturgia.
Em entrevista às Páginas Amarelas de VEJA, o ilustre noveleiro diz ver razão na empreitada assumida pelos titãs do streaming: “É um gênero de grande sucesso no mundo inteiro. Se essas plataformas quiserem conquistar nosso público, terão de fazer novelas e telesséries. O pessoal do streaming raciocina assim: se conseguirmos fazer um produto folhetinesco interessante e que faça sucesso global, será uma mina de ouro. Eles vão fazer e farão bem”, explicou Abreu.
É o streaming inserindo o produto mais tradicional da dramaturgia brasileira na lógica on demand – e há de se esperar que a TV aberta reaja à altura.