A promessa de que os militares palacianos moderariam os arroubos autoritários do presidente frustrou-se há tempos. Deu-se o oposto: Bolsonaro radicalizou seus militares. São eles que conduzem a insana política de saúde, cooptam o Centrão para barrar o impeachment, intimidam o Supremo Tribunal Federal.
A adesão a Bolsonaro por parte dos palacianos foi tão despudorada que a sociedade entendeu que o risco de ruptura democrática era real e se organizou para impedi-la. Com o Congresso paralisado pelo Centrão e a Procuradoria-Geral da República ocupada por alguém cujos colegas chamam de “procurador-geral do Bolsonaro”, coube ao Supremo a tarefa de ser intolerante com a intolerância. E o fez com maestria: preparou-se e, em apenas 48 horas, ordenou prisões e operações de busca e apreensão, quebrou sigilos bancários, negou habeas-corpus a Weintraub.
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A determinação do Supremo mudou o centro de gravidade da política em Brasília. O governador do Distrito Federal, um dos mais próximos ao presidente, desmantelou acampamentos, proibiu manifestações, demitiu o subcomandante da PM que permitiu o ataque ao prédio do STF e anunciou que vai prender recalcitrantes. O procurador-geral Augusto Aras, em que pese sua proximidade com o presidente, foi quem pediu as ações contra o bolsonarismo radical.
“Governos são diferentes de navios: quando eles começam a afundar, os ratos embarcam”
Dias antes de ordenar as ações, o Supremo enviou Gilmar Mendes para uma visita “de cortesia” ao general Edson Pujol. O objetivo aparente era desfazer a narrativa bolsonarista de que o tribunal impede o governo de funcionar e quer “tomar o poder”, mas é provável que Gilmar tenha adiantado ao comandante do Exército as ações que estavam por vir. O simples fato de Pujol ter aceitado receber Gilmar é uma sinalização de que o Alto-Comando do Exército não endossa as declarações golpistas dos generais palacianos.
O governo ficou atordoado: em vez da costumeira agressividade, Bolsonaro respondeu com 48 horas de silêncio retumbante e, enfim, uma sequência de tuítes cautelosos. Mourão defendeu um “diálogo harmonioso” entre Executivo e Judiciário, e disse que há um “ruído de comunicação” a ser superado. Os generais palacianos permaneceram calados. Até os filhotes deram declarações conciliadoras. A única agressividade que o governo manteve foi intestina: brigou consigo mesmo, a ala militar tentando demitir o ministro da Educação, a ala olavo-filial tentando dobrar a aposta e mantê-lo no cargo. Mas o “acabou, porra!” acabou. Pelo menos por enquanto.
A investigação está na porta do Palácio do Planalto, e, pela ordem natural das coisas, deverá estar do lado de dentro em algumas semanas. Este é aquele momento em que quem está no governo se pergunta o que está fazendo lá, e olha com inveja para Sergio Moro e Mansueto Almeida, que, um por sorte, outro por juízo, abandonaram o barco antes do naufrágio. Governos são diferentes de navios: quando eles começam a afundar, os melhores quadros se vão e os ratos embarcam — a chegada do Centrão ao ministério não é coincidência.
O mar de Jair Bolsonaro não está para peixe.
Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692
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