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TOFFOLI, A CONSTITUIÇÃO DOS EUA E A BÍBLIA

José Antonio Dias Toffoli agora é ministro do STF. Agora e pelos próximos 29 anos se não desistir para fazer outra coisa. Concede uma entrevista na Folha de hoje a Valdo Cruz e Vera Magalhães. Para indagações pertinentes, respostas óbvias — nada muito além do arroz, feijão, bife e batas fritas. A maionese estragada está […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 16h44 - Publicado em 4 out 2009, 09h09

José Antonio Dias Toffoli agora é ministro do STF. Agora e pelos próximos 29 anos se não desistir para fazer outra coisa. Concede uma entrevista na Folha de hoje a Valdo Cruz e Vera Magalhães. Para indagações pertinentes, respostas óbvias — nada muito além do arroz, feijão, bife e batas fritas. A maionese estragada está em duas respostas. Vamos ver?

FOLHA – Por falar em independência, como deve ser o processo de construção de uma decisão de um ministro do STF? Baseado estritamente no que diz a lei ou é possível uma interpretação à luz das circunstâncias históricas e do momento?
TOFFOLI –
É evidente que a realidade social e o momento histórico se manifestam na visão do juiz. Se nós formos pegar um exemplo de fora do Brasil, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sob a mesma Constituição, se entendeu que era legítima a escravidão e, depois, que ela não era legítima. A realidade social, a realidade da cultura do momento em que se vive integra a formação da consciência de um julgador.
Epa! Acho que não é bem assim, não. A Constituição original dos EUA não faz referência à escravidão a não ser para ressalvar que nem os EUA nem os estados-membros arcarão com indenização por emancipação dos escravos. A proibição da escravidão passou a contar na Carta de modo explícito depois: está no Artigo XIII das emendas que foram sendo acrescentadas ao texto original, a saber:
A R T I G O XIII
1.
Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição por um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.
2. O Congresso terá competência para fazer executar este artigo por meio das leis necessárias.

Isso significa que o texto mudou, sim. Proibiu a escravidão. Não era o mesmo texto. Assim, a questão da escravidão não justifica que ora se aceite uma coisa, ora se a rejeite, com base “na realidade social”. ATENÇÃO, MINISTRO TÓFFOLI: MUDANDO A REALIDADE SOCIAL, O IDEAL É QUE SE PROCURE MUDAR A CONSTITUIÇÃO. ATÉ QUE ELA NÃO MUDE, É PRECISO SEGUIR A LEI. Vamos à segunda resposta.

FOLHA – Na hora de interpretar a Constituição, esses fatores devem ser levados em conta?
TOFFOLI –
Para usar um exemplo bíblico, Jesus Cristo disse: “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”. O que Jesus quis dizer com isso? Que a lei existe para o homem, não é o homem que existe para a lei. A lei é o parâmetro, mas ela leva em conta, ao ser aplicada, o homem, o ser, a vida.
Toffoli está se referindo a um passagem do Evangelho de São Marcos (2,27). Huuummm… Trata-se de Marcos narrando uma resposta que Cristo teria dado aos fariseus, que o acusavam e a seus seguidores de não guardarem o sábado, conforme exige a Lei Mosaica. E Cristo, por sua vez, estava citando Davi, num episódio em que se vira forçado a comer o pão dos sacerdotes… No verso seguinte de Marcos, temos: “Assim que o Filho do homem é Senhor também do sábado”.

Com a vênia máxima ao novo ministro, acho que nem a Constituição dos EUA nem a Bíblia o autorizam a optar pelo direito achado “no homem, no ser, na vida”, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé…

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Das muitas vezes em que se usa “Filho do Homem” no Novo Testamento, ao menos 80 delas, como é o caso acima, referem-se ao próprio Cristo. No contexto do Evangelho de Marcos — e dos Evangelhos —, trata-se apenas de uma pinima com os fariseus, acusados por Cristo e pelos discípulos de fazer um uso hipócrita das leis (religiosas) — o termo “farisaísmo” acabou entrando para a língua com este sentido. Daria um bom debate, claro, mas assevero: CRISTO ERA UM SEGUIDOR DA LEI MOSAICA. Não estimulava a sua transgressão. O “Filho do homem” do verso seguinte é, claramente, o próprio Cristo. Convenham: todos os 11 do STF são filhos de Deus, mas ninguém é “o” filho de Deus. Se, na metáfora de Toffoli, o sábado entra no lugar da “Constituição”, então eu terei de lembrá-lo: ele é ministro para servir a Constituição, sim! Ou faz isso ou acaba se servindo dela.

Não gostei nem de uma resposta nem de outra. Nos dois casos, submete textos a estranhas torções para justificar essa história de que um juiz tem de levar em conta o contexto ou sei lá o quê. ATÉ QUE A CONSTITUIÇÃO NÃO MUDE, É A CONSTITUIÇÃO QUE VALE. Ou que garantia teremos do exercício do direito? Ah, sim, nenhum homem é uma simples máquina de julgar; tanto é assim, que os ministros têm divergências. Sei de tudo isso: mas todos eles têm de buscar a justificativa no texto constitucional, não fora dele. E sem torcê-lo. Esse negócio de “o homem, o ser, a vida” costuma variar muito, como sabe bem o ministro, de acordo com as minorias organizadas e influentes, não é?

Para os que crêem, “o” Filho de Deus já veio. Há os que acreditam que ainda virá. E há os que acham que nem veio nem virá. Em qualquer dos casos, “o” Filho não é Toffoli. Melhor decidir como simples homem mesmo. E a Constituição segue sendo a melhor bíblia.

Acho que Toffoli tem de ler melhor a Constituição Americana, a Bíblia e a lei que garante 30 dias de férias às domésticas. Tem 30 anos de estabilidade pela frente. É uma eternidade!

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