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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Caça às bruxas salta o muro dos blogs sujos e paraestatais e chega ao “Valor”; editor de livros mete um triângulo no uniforme de alguns jornalistas e deixa claro: “Conservador bom é conservador morto”. Lá do além, dou um pé no traseiro do fascistinha. Ou: Na era da “Infraestrutura & Negócios”

O “Valor Econômico” é, de longe, o veículo mais petista do Brasil. Não dá para saber se o é por convicção ou por oportunidade. Os blogs sujos não têm como competir porque a turma do jornal é, ao menos, alfabetizada. Se, um dia, o PT deixar o governo federal (com a oposição que está aí, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h53 - Publicado em 8 fev 2013, 18h58

O “Valor Econômico” é, de longe, o veículo mais petista do Brasil. Não dá para saber se o é por convicção ou por oportunidade. Os blogs sujos não têm como competir porque a turma do jornal é, ao menos, alfabetizada. Se, um dia, o PT deixar o governo federal (com a oposição que está aí, é difícil), saberemos se é crença ou oportunismo. Talvez seja uma mistura das duas coisas. Empreendimento dos grupos Folha e Globo, começou a circular no ano 2000, com o objetivo, cumprido, de ocupar o lugar da Gazeta Mercantil, então em fase terminal por méritos próprios. Seria um jornal especializado em economia, sem se descuidar da política. Os outros grandes, como sabemos, invertem os termos dessa equação. Demora um tempo até que se ache um caminho. O jornal claudicou no começo. Empresário gosta da verdade, claro!, mas ela não pode se confundir com pessimismo. Acidez em excesso faz mal no café da manhã. O Valor achou o tom, que deve considerar o ideal, sendo uma espécie de porta-voz inteligente da verdade oficial. Sim, há opiniões dissonantes aqui e ali, mas o que interessa é o produto como um todo. No melhor de sua forma, confere ares de economia política aos improvisos do Planalto.

Esse negócio de governismo estratégico — ou tático — é coisa complicada. Vicia. Sempre pede mais. Embates intelectuais são parte da natureza dessa atividade. Quando se adota uma causa, no entanto, o horizonte não é mais o confronto de ideias, mas a eliminação do outro, como numa guerra. Nesta sexta, dia 8 de fevereiro de 2013, um rapaz chamado Flávio Moura, editor de livros da Companhia das Letras, escreve um texto em que decreta a obsolescência — tudo bem lido, a morte mesmo! — de um grupo de jornalistas e colunistas. Além de mim, são vítimas da chacina promovida por Flavinho VE Diogo Mainardi, Mario Sabino, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé — os dois últimos, colunistas da Folha. A íntegra do texto está aqui. Talvez o artigo marque uma nova fase do Valor. Teria chegado a hora de caçar as bruxas. Não, Flavinho VE não é agressivo na aparência, como esses pistoleiros dos blogs sujos financiados por estatais. O trabalho que ele faz — e, em certa medida, como veremos, também o Valor, é mais limpinho. Já chego à questão maior. Antes, falo mais um pouco da menor: o texto de Flávio.

Metade de seu artigo, talvez um pouco mais, é dedicada a falar de Daniel Piza, que morreu no dia 30 de dezembro de 2011. O texto marca, assim, a passagem de um ano, um mês e nove dias de sua morte. É o gancho. Ele conta que não gostava muito daquele jornalista, não. Confessional, revela que, quando mais jovem, tinha invejinha do outro. Malvado, diz não entender por que Piza informara, em um artigo escrito no ano 2000, tomar água Perrier em taça de cristal. Em 2002, conta, ele o entrevistou para um trabalho escolar. Não expôs ao entrevistado a sua curiosidade. Agora que Piza está morto, Flávio relembra o episódio da água Perrier. Trata-se de um detalhe que ajudaria, creio, a desenhar o perfil do outro. Talvez esnobe, um tanto autocentrado, tendente a se distanciar da raia-miúda.

Há suspeitas de patologia no artigo. Nota-se que ele tenta, aqui e ali, emular o texto do morto. Ao desdém, somam-se também elogios. Piza, discípulo de Paulo Francis, conta Flávio, também era culto, polêmico, mais para conservador do que para progressista etc. e tal. Mas morreu. E, com ele, este é o espírito do texto, teria morrido um “tempo do jornalismo cultural”. Ele permite que se entrevejam algumas suspeitas de lamento, mas nada excessivo que o deixe mal com os muitos detratores que Piza também tinha. E onde é que entram Diogo Mainardi, Mario Sabino, Reinaldo Azevedo, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé nessa história?

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A exemplo de Piza, mas, tudo indica, abaixo dele, seríamos todos tentativas frustradas de ser Paulo Francis — até parece que essa crítica é novidade… Teríamos ganhado relevo com a chegada do PT ao poder. Ninguém, ele deixa claro, tão profundo como Piza (aquele que ele retratou com uma taça de Perrier na mão só para demonstrar o seu apreço pelo morto). Escreve Flávio:

“Diogo Mainardi virou a estrela dos colunistas da “Veja”. Reinaldo Azevedo transferiu-se para as hostes da mesma revista. Na “Folha de S. Paulo”, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé ganharam colunas e começaram a exercitar um tipo de provocação cultural e política que passou a repercutir. Revistas de ensaios de corte liberal e católico ganharam voz e apoio de arautos em posição de destaque.
Claro que não formavam um bloco homogêneo. Mainardi era o mais estridente e ferino, com a vantagem de que caprichava na autoironia. Azevedo assumiu a linha de frente da indignação moral com a corrupção. Coutinho trouxe leituras de liberais ingleses e afetava uma superioridade dândi capaz de irritar os leitores mais serenos. Pondé veio com sua teologia à moda antiga temperada por Dostoiévski e citações de filósofos de prestígio.”

Notaram? Eu “me transferi” para a VEJA, como se isso fizesse parte de uma estratégia maligna de enfrentamento do lulismo, assumindo “a linha de frente da indignação moral com a corrupção”. Pelo visto, Flávio não aprecia quem se indigna moralmente com a corrupção, o que revela, é evidente, uma escolha moral! Eu adoraria ver esse rapaz opor a sua “teologia à moda moderna” à “teologia à moda antiga” de Pondé. Na verdade, eu ignorava a existência de modas e modos teológicos. Mas posso aprender com Flávio.

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O salto
Aí Flávio dá um salto, e é nesse ponto que começo a juntar, mas ainda vai demorar um pouco até a conclusão, o conteúdo de seu texto ao fato de ele ter sido publicado no Valor Econômico. Ele passa, então, a fazer o elenco das vitórias dos governos petistas, de suas inequívocas conquistas. Isso tudo teria nos liquidado. Escreve o rapaz:
“A saída de Lula do centro do poder dissolveu o grupo. A competição para lançar petardos ao mandatário e ao que ele representava perdeu sentido. A resistência do Brasil à crise de 2008 e a queda nos índices de desigualdade social se tornaram trunfos fortes. E a entrada em cena na “nova classe C” trouxe um elemento aos quais os dirigentes da imprensa não podiam ficar indiferentes.
Com o fim do governo Lula, Mainardi deixou sua coluna na “Veja”. O jornalista Mario Sabino, que ao lado dele e de Azevedo, imprimia o tom ácido da revista, também abandonou a publicação. Coutinho e Pondé continuam em seus postos, mas suas colunas não repercutem como naquele período.”

Pela ordem
Começo corrigindo a informação factual — existe “Erramos” no Valor? Sabino não saiu da VEJA. É correspondente da revista em Paris. Diogo deixou a coluna porque estava empenhado em escrever “A Queda”, com os desdobramentos conhecidos, não só no Brasil. O que diz sobre a repercussão das colunas de Pondé e Coutinho é mera opinião, sei lá com base em que dados objetivos. Quem precisa disso? No que me diz respeito, como atestam os números, o blog nunca foi tão lido. É grande a chance de que eu tenha mais leitores do que o Valor Econômico — a relação custo/repercussão certamente me é favorável.

Diogo e Mario são meus amigos, sim, felizmente. Com Coutinho, estive uma única vez, num jantar que reuniu um grupo grande. Jamais conversei com Pondé. Certamente estou perdendo bastante. O que nunca foi um grupo jamais poderia se dissolver. Não sei se Piza reivindicava a herança de Francis. Sei que os outros, o que me inclui, definitivamente não! Francis riria do meu catolicismo e das considerações teológicas e doutas de Pondé, por exemplo. Consideraria, sem sombra de dúvidas, excesso de otimismo o liberalismo de Coutinho. Recomendaria a Diogo e a Mario que cuidassem de suas respectivas carreiras literárias e deixassem de lado a política. Diogo fez isso parcialmente. Mas não porque o PT venceu. Em certa medida, é o contrário: é porque o PT perdeu. Quando começou no colunismo, já era um escritor consagrado. Hoje, mais do que antes — e aí está a derrota petista.

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Quer refletir, Flavinho VE? Ao“Valor” de quarta-feira!
Flavinho VE tem ambições de pensador da cultura. Ele sugere que nós, os críticos do petismo (“Credo, que nojo!”) tentávamos negar as conquistas do governo, mas acabamos “dissolvidos” pelos “dirigentes da imprensa”, que não podiam ficar indiferentes. A exemplo do parajornalismo financiado por estatais, o articulista que escreve para o Valor também acha que a “mídia” (da qual ele, claro!, não faz parte) está de um lado, e o povo, de outro. Pois é… Flávio, ele sim, é sintoma de um tempo, e não dos mais felizes.

O artigo de Moura me obrigou a voltar à edição de quarta-feira do Valor. Tinha me destinado a escrever a respeito, mas depois desisti, tocado por outras urgências. Mas, agora, o caso virou primeiro da fila. A exemplo de Flavinho VE, que chacina jornalistas de direita (afinal, seja no caso de Piza, seja no nosso, direitista bom é direitista morto…), eu também gosto de refletir sobre os tempos. Adiante.

Na terça, o governo Dilma anunciou mudança das regras de concessão para as obras de infraestrutura. Essa já é a terceira versão, como demonstrei no blog. Na minha página, os insucessos de Guido Mantega são chamados de insucessos; nas do Valor, com a exceção da pena de alguns colunistas, seus fracassos são um sucesso. Cada um na sua. Quem quer controlar a imprensa e decretar a morte dos adversários são Flávio e seus amigos do governo, não eu. Convivo bem com a diferença — sem abrir mão de dizer o que penso.

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Muito bem! Na terça, o governo divulgou o seu novo “pacote”. No próprio dia, os veículos eletrônicos divulgaram as medidas gerais, reproduzidas nos jornais impressos no dia seguinte, com o detalhamento possível — que não era tanto assim. Não havia tempo hábil para um trabalho mais detido. Não foi o caso do Valor. Com riqueza de detalhes, estava tudo explicitado num suplemento especial intitulado “Infraestrutura & Negócios”. A foto de quase meia página é de Mantega. Quem conhece como se faz jornalismo impresso sabe que aquilo é coisa demorada. O jornal teve acesso às medidas antes dos demais veículos, certo como dois e dois são quatro.

“Até aí, vantagem dos espertos, né? Vai ver os jornalistas do Valor têm mais fontes…” É, vai ver… O suplemento de dez páginas traz um anúncio de página dupla, central, do governo Dilma exaltando justamente a infraestrutura. Título: “O Brasil constrói caminhos para crescer ainda mais”. Na página 9, a Caixa Econômica Federal anuncia o seu apreço pelas empresas etc. e tal. Em Dois Córregos, a gente chama isso de “juntar a fome com a vontade de comer”. O clima do caderno, bastante informativo, sem dúvida, é de “agora vai”, festivo mesmo! A pegada um pouco crítica, lembrando que o pacote de agora é evidência do insucesso das duas jornadas anteriores, ficou para a “Folha” e o “Globo”. No “Valor”, só o amor constrói, como cantariam Dom e Ravel, no tempo de uma ditadura que Flavinho VE não pôde combater. Ele se empenha agora em exaltar uma outra, de um novo consenso.

Mas ainda não esgotei os elementos para a reflexão desse valente. Na página A9 do mesmo jornal, lê-se a manchete: “Lula cogita Mantega para disputar SP” — o Mantega, no caso, era aquele mesmo herói do suplemento de infraestrutura, com anúncio de página dupla do governo federal e de página inteira da CEF. O texto é de Raymundo Costa, e não estou sugerindo que ele participe de algum conluio. Aliás, eu não estou acusando conluio nenhum. Não lido com essas categorias. Estou apenas refletindo, como faz Flávio — só que com fatos, não com opiniões —, sobre os novos tempos do jornalismo e seu espírito: o Zeitgeist! Nota à margem: eu, que torço para que o PT seja derrotado em São Paulo, torço, então, para que o candidato seja mesmo Mantega, o Fortão do Bairro Peixoto da Infraestrutura. Torço, mas sei que não será ele. É uma pena!

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Caminhando para a conclusão
O que estou demonstrando é que o texto de um rapaz que decreta a morte de um grupo de jornalistas (porque, diz, o petismo ganhou a batalha, e a gente nota que ele não está infeliz; está do lado dos supostos vitoriosos) não é fruto só de um arroubo individual. Estamos diante do produto de uma cultura interna e, sem dúvida, de um modo de fazer jornalismo.

O texto desse rapaz tem mais importância do que ele mesmo se dá conta. Ele tentou nos matar, mas eu o promovo, se me permitem o chiste, no degrau da degradação intelectual de setores importantes da imprensa. Com esse artigo, a linguagem da caça às bruxas salta o muro do parajoralismo, também financiado por estatais, e chega ao que já foi chamado de “grande imprensa”.

Certa feita, um dos blogueiros de Lula sugeriu uma pauta ao jornalismo brasileiro: identificar onde estavam e quem eram aqueles 3% ou 4% que achavam seu governo “ruim ou péssimo”: ele queria os nomes, saber onde moravam, o que pensavam. Fazia de conta que sua pegada persecutória era mera curiosidade intelectual. Com uns dois uísques a mais, sugeriria que fossem devidamente chipados e marcados com um triângulo — a cor seria definida por uma enquete na Internet para evidenciar o caráter democrático da coisa.

Eis aí. Um editor de livros, da Companhia das Letras, acaba de explicar no “Valor Econômico” por que aquele grupo de jornalistas merece um triângulo. Dois deles — a rigor, três, porque Diogo está no Manhattan Connection, da Globo News, que é do grupo Globo — produzem conteúdo (como se diz hoje em dia) para os controladores do Valor: Folha e Globo. “Que bom! Evidência de democracia interna…” Nada disso! Ele não disse o que há de errado com o pensamento dessas pessoas, contestando-o. Ele tentou excluí-las do mundo, como um bom fascistinha que é, disfarçado de pensador delicado. Pelo visto, chegou a hora da guerra interna também. 

E depois aquela canalha fica cobrando “controle da mídia”. Controlar o quê e para quê? Já temos Flavinho VE e o caderno “Infraestrutura & Negócios”. Mais negócios do que infraestrutura.

PS – Eu estou morto, e Flavinho VE é muito vivo. Agora ele vai ver o que é, de fato, repercussão. Acabo de criar mais um herói do nariz marrom para a rede petralha. Bom proveito entre os de sua estirpe, rapaz!
*
Leia o textoAh, entendi: o Moura é editor da Companhia das Letras, não do Valor; o que muda e o que não muda

 

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