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Reinaldo Azevedo

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A condescendência da democracia brasileira com a tortura e com a violência e uma grande impostura

Nunca deixou de haver tortura no Brasil. Nas cadeias, nos presídios, na justiça informal dos morros e das periferias. Se é difícil, e é, coibir a violência praticada nas margens da sociedade, é estupefaciente que o estado brasileiro tenha decidido se conformar com a barbárie de cada dia em instituições que estão sob a sua […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 04h42 - Publicado em 8 jan 2014, 15h21

Nunca deixou de haver tortura no Brasil. Nas cadeias, nos presídios, na justiça informal dos morros e das periferias. Se é difícil, e é, coibir a violência praticada nas margens da sociedade, é estupefaciente que o estado brasileiro tenha decidido se conformar com a barbárie de cada dia em instituições que estão sob a sua guarda, contra pessoas entregues a seus cuidados. É evidente que lugar de bandido é na cadeia — e o Brasil, muito especialmente o Maranhão, prende pouco. Só nefelibatas e cretinos ideológicos querem tratar presidiário como bibelôs. O ponto não é esse. É preciso que a cadeia seja, sim, um local de restrição de direitos. Mas tem de ser também um local de garantias.

Grupos ideológicos dedicados a reescrever o passado estão empenhados, neste momento, em rever a Lei da Anistia — contra, diga-se de passagem, todos os mais sólidos fundamentos de um estado de direito. Nem entro nesse mérito agora (e já escrevi muito a respeito). Um dos argumentos supostamente hígidos do ponto de vista moral sustenta que a tortura nos presídios é uma herança deixada pela… ditadura militar.

Trata-se de uma tese canalha, mentirosa, contra os fatos. Então essa gente não leu nem mesmo “Memórias do Cárcere”, do esquerdista (brilhante!, o maior prosador do modernismo brasileiro) Graciliano Ramos? Então não houve um Filinto Müller no Brasil? Então a ditadura do Estado Novo, comandada pelo tirano Getúlio Vargas, não matou e não esfolou nas prisões? Então não houve entre nós um gigante moral chamado Sobral Pinto?

O advogado apelou à Lei de Proteção aos Animais para proteger o militante comunista Arthur Ernst Ewert — que tinha o codinome de Herry Berger — que viera ao Brasil para auxiliar Luiz Carlos Prestes na tentativa de golpe comunista de 1935. Preso, foi barbaramente torturado, o que levou Sobral Pinto — um militante católico e anticomunista ferrenho — àquela decisão: não encontrando na lei que protegia os homens uma forma de livrar seu cliente do horror, apelou à que protegia os bichos. Ewert só deixou a cadeia em 1947. Estava louco. Morreu num hospital psiquiátrico na Alemanha, em 1959. Não era flor que se cheirasse e não veio ao Brasil fazer nada que prestasse. O estado que o torturou, no entanto, era criminoso.

Mentira! A tortura nos presídios não é uma herança da ditadura militar coisa nenhuma! É uma herança da truculência e do déficit democrático. Aí, sim! É asqueroso ver como, ao longo do tempo, da história, os ditos “progressistas” foram distinguindo a tortura inaceitável da aceitável.

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Há dias, li textos de alguns mistificadores saudando o fato de que uma escola pública havia decidido trocar de nome: de Emílio Garrastazu Médici para Carlos Marighella. Saía um dos generais da ditadura, entrava o militante comunista, autor de uma penca de crimes. Seu “minimanual” da guerrilha urbana recomenda explicitamente a prática de atos terroristas e o assassinato de soldados inocentes e considera que até os hospitais são alvos, digamos, “militares”. Ações planejadas e executadas por ele mataram e mutilaram inocentes. A delinquência esquerdopata, mesmo assim, aplaudiu a troca.

Este é, afinal, o país que exalta a figura de Getúlio Vargas, este sim, à diferença dos militares, um ditador, digamos, unipessoal, um caudilho verdadeiro. A ditadura militar era um sistema; Getúlio era o nosso “condutor”. Matou, torturou, esfolou e… virou herói. Afinal, a história ideologicamente orientada fez dele depois um paladino do bem, esquerdista e nacionalista (santo Deus!), contra a suposta direita entreguista. Inventou-se até mesmo a farsa de que 1964 era apenas a reedição de 1954, como se o país tivesse passado dez anos numa espécie de “sursis”, à espera do… golpe!

Bobagens dessa natureza serão produzidas aos montes neste 2014, nos 50 anos do golpe militar.

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Não perdi, não
Não perdi o fio, não! Ao contrário: ele está mais “achado” e evidente do que nunca. A verdade assombrosa é que este é um país que, ao criar uma indústria da reparação para rever a história e transformar em heróis alguns bandidos que estariam “do lado certo”, deu de ombros para os homens comuns, para os indivíduos sem pedigree. O país que fez de Getúlio um herói escolheu não repudiar essencialmente a barbárie e a violência. Ao contrário: disse que ela era aceitável a depender do propósito.

Quando a causa é considerada “progressista”, tudo é permitido, inclusive a truculência oficial contra agricultores pobres, retirados, debaixo de porrete, de terras consideradas indígenas. Uma autoridade do governo federal (ainda voltarei ao assunto) os classificou de produtores de maconha. Sabem em que estado aconteceu? No Maranhão!

A persistência da tortura e da violência nos presídios brasileiros — praticadas por autoridades ou pelos próprios presos — se deve ao apreço seletivo de nossos bem-pensantes pelos direitos humanos. A sua raiz, no fim das contas, é ideológica. A ditadura acabou em 1985. De Itamar Franco a esta data, o país está sob o comando de forças políticas ditas “progressistas”. A situação, no período, não fez senão se agravar.

Em suma, já não se trata de um problema da ditadura. É um problema da democracia.

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