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Violência, omissão e votos

Poucas atividades no Brasil, se é que há alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e fora do Estado, quanto o crime.

Por Ruy Fabiano
Atualizado em 4 ago 2018, 10h00 - Publicado em 4 ago 2018, 10h00

A violência no Brasil, com índices anuais de massacre (já que apenas um dos lados, o do crime, está armado), não é obra do acaso.

É uma gradual e contínua elaboração, a que se associam políticos, ONGs (nacionais e internacionais) e formadores de opinião (artistas, jornalistas, acadêmicos e quem mais aí figure).

Consiste em atenuar progressivamente a legislação penal, ao ponto de torná-la inoperante, figurativa, mera abstração. É construção de fundo ideológico, que vê no crime um sucedâneo inevitável da pobreza, o que imporia proteção moral aos criminosos.

A Lava Jato, nos seus quatro anos de ação, desmente essa vinculação socioeconômica, que, no entanto, prossegue. E o resultado é uma legislação que, em vez de freio ao crime, garante-lhe salvo conduto. Poucas atividades no Brasil, se é que há alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e fora do Estado, quanto o crime.

Quem se der ao trabalho de pesquisar as mudanças operadas na legislação nas duas últimas décadas, há de entender o que se passou com aquilo que um dia se chamou de segurança pública.

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Da progressão da pena, que a pode reduzir a um nada, à audiência de custódia, que liberta em 24 horas, sem inquérito ou processo, criminosos recorrentes, presos em flagrante (ideia genial de Ricardo Lewandowski, quando presidente do STF), chegou-se a limitar o direito de o policial valer-se da arma para enfrentar bandidos – em regra, mais bem armados.

Por essa lógica, o correto é o policial evitar a iniciativa e limitar-se a responder ao agressor, isto é, só atirar depois que o bandido o fizer. Ano passado, mais de uma centena de policiais, somente no Rio de Janeiro, foram parar no cemitério na tentativa de cumprir esse regulamento; neste semestre, já são mais de 70.

Nesse processo, chegou-se à tipificação bizarra do “excesso de legítima defesa”, em que se pretende limitar o número de tiros dados em pleno confronto. Além de cuidar da pontaria, o policial tem que contabilizar os tiros; caso contrário, pode ser – e é – punido.

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Como tais limites só valem para um lado – o que defende a sociedade -, o crime agradece e segue ganhando de goleada. Os números oficiais – e que, por serem oficiais, não expressam plenamente a realidade – falam em mais de 61 mil homicídios no ano passado, marca que se repete há pelo menos uma década.

Esses números contabilizam apenas os que morrem no local do crime – e os especialistas avaliam que pelo menos metade disso morre depois ou padece de sequelas graves e irreversíveis.

A intervenção militar no Rio não mudou o quadro: a MP que a instituiu nega ao soldado o poder de polícia. Torna-o, e ao aparato bélico que o acompanha, mero adorno, que não assusta o bandido.

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Estudiosos da cena – em regra, acadêmicos e teóricos que jamais subiram um morro – sugerem investimentos em saúde, educação, saneamento básico, o que, sem dúvida, é fundamental, mas não exerce efeito de curto (ou mesmo médio) prazo – e nem conflita com o que a urgência da situação requer.

Em meio a balas perdidas (e achadas), impõe-se o enfrentamento, com a devida retaguarda jurídica, recusado em nome dos direitos humanos, que obviamente não são os das vítimas.

Os mesmos personagens que sustentam essas teses horrorizam-se com os índices crescentes da candidatura presidencial do deputado Jair Bolsonaro. Não percebem que ele nada mais é que fruto político desse quadro bizarro, que por anos, ainda que com linguagem rude, excessiva ou inadequada, denuncia obsessivamente.

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O público perdoa os excessos da linguagem, não os da burrice, alienação ou cumplicidade; quer socorro, não conversa fiada.

Ruy Fabiano é jornalista 

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