Com a fragmentação partidária atual, mais de 25 legendas com assento no parlamento, nenhum Presidente da República pode governar sem lançar mão do chamado presidencialismo de coalizão. O atual presidente decidiu não governar com ele. Resultado, vivemos um presidencialismo de colisão.
Vitorioso em uma eleição crítica, em que os parâmetros das anteriores foram superados ou mitigados e cavalgando a onda da anti-política, o Presidente julgou poder governar com as redes sociais e para os segmentos que o apoiam. Ocorre que, se a sua eleição foi fruto de uma ruptura, a política e o sistema de governo diferentemente não o são, mas de continuidade.
As redes sociais são eficazes para chegar ao poder ou até para derrubá-lo, porém são imprestáveis para governar. Ou seja, não há como projetar a lógica das eleições sobre o modo de governar. Sem a ferramenta do presidencialismo de coalizão, restou-lhe a política plebiscitária de apelar às massas ou à espada, multiplicando conflitos que se espraiam pelos demais poderes e órgãos de controle.
Essa prática deteriora o clima institucional e paralisa seu governo. O que tem levado a sucessivas rodadas de choques e conflitos, numa espiral ascendente. Surgem então as narrativas conspiratórias e auto-justificantes. A última, atribui ao Presidente da Câmara a articulação de um complô, juntamente com governadores e integrantes do STF, para adotar medidas que sangrem o Tesouro Federal e transfiram recursos para os Estados, visando o pleito de 2022.
Nesse quadro, um fator complicador é o vírus privado e familiar no coração da presidência, a influir em decisões de interesse da Nação sob a ótica doméstica, o que tende a promover ondas de desordem, conflitos e uma instabilidade permanente.
No plano simbólico, a saída do ministro Sérgio Moro, vestal do combate à corrupção, e a aproximação com o Centrão, deve levar ao divórcio dos lava-jatistas de sua base de apoio, em nome de uma coalizão parlamentar para enfrentar a hora crítica que se aproxima: a quem caberá o espólio do Covid-19 e da inédita recessão.
É bom lembrar, nessa hora, que crises entre o Parlamento e o Executivo em nossa história, de Deodoro da Fonseca a Dilma Rousseff, levaram à queda do presidente ou ao fechamento do Congresso. Ambos fora do radar e, assim espero, permanecerão.
Raul Jungmann – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.