Li e mandei para cada um dos meus netos o livro de Djamila Ribeiro. “Pequeno Manual Antirracista“. Pouco acessível aos pequenos, é perceptível aos seus pais. Devem ler e ensinar aos filhos como lutar contra essa praga que nos envergonha. A boa noticia é que Djamila prepara um livro em que falará diretamente às crianças.
O livro será editado pela Companhia das Letras. Terá forma de carta para sua avó, Antônia, benzedeira, moradora do interior paulista. Djamila falará sobre os desafios de educar uma criança numa sociedade racista.
Djamila é filósofa, professora e escritora. Um manual antirracista para crianças, ainda que em forma de carta, faz lembrar os ensinamentos do indigenista que fez história no Brasil, Orlando Villas Boas: “Na tribo, o velho é o dono da história, o adulto é o dono da aldeia e a criança é a dona do mundo”.
Faço uma pequena parte. Minúscula. O tema me angustia, tamanha sua crueldade. Frio e perverso, racismo é crime. Há poucas semanas, Djamila Ribeiro fez um primeiro Boletim de Ocorrência para denunciar ataques sofridos por ela e sua filha de 15 anos, em redes sociais. Citou a tese de doutorado do colega negro Luis Silvério: “81% dos discursos de ódio no Twitter são direcionados às mulheres negras”.
É sórdida a violência contra os negros no Brasil. A Rede de Observatórios de Segurança, grupo de estudos criado em 2019 sobre violência em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco, traz números alarmantes. Os negros são 75% dos mortos pela polícia; mulheres negras são 61% das vítimas de feminicídio.
Diz o relatório da Rede de Observatórios: “apesar da desigualdade inaceitável revelada pelos números, um impressionante silêncio sobre o tema racial tem prevalecido na mídia e no debate público. É pesado o véu que oculta a marca do racismo na rotina de assassinatos, mortes por agentes do estado, feminicídios, violências contra crianças e adolescentes”.
O silêncio é quebrado pela hipocrisia e o descaso. Em maio deste ano, o Capitão que nos desgoverna, disse num programa de TV que “essa coisa do racismo, no Brasil, é coisa rara. O tempo todo jogar negro contra branco, homo contra hétero, desculpa a linguagem, mas já encheu o saco esse assunto”.
Idiota? Não. Bolsonaro é boçal. Primitivo. Bestial.
Tal qual a política pública de combate ao racismo. Djamila Ribeiro fala pelos negros, pode falar também por nós, brancos que não suportam conviver com tal calamidade. Há muitas iniciativas privadas de combate ao racismo. Na série “Dentro da minha pele” (Globoplay), nove pessoas comuns compartilham situações de racismo, veladas e explícitas.
Vale a série, vale cada documentário, vale cada livro. Não vale mais o pensamento romântico de que não somos racistas, e pronto. O racismo é estrutural. Nem pretos nem brancos são capazes de combatê-lo sozinhos.
No portal Geledés, do Instituto da Mulher Negra, criado em abril de 1988, há um bom começo para quem se interessa pela dor dos que sofrem o preconceito. São nove motivos pelos quais você também deveria lutar contra o racismo. A luta é constante e pesada. Incessante. E vale muito. Cada dia, cada gesto.
Mirian Guaraciaba é jornalista