O triunfo tão desejado e o desafio que se oferece (Por Virgínia Botelho)
Trump fez muito mal à América

Horas depois da vitória de Joe Biden ser confirmada, Donald Trump continua a posar como vencedor e ameaça refutar legalmente o processo eleitoral que não o reelegeu. No entanto, suas tentativas de acusar o processo eleitoral de fraudes e irregularidades caem no vazio, desde que a opinião pública não parece comprar sua narrativa sem sustentação. Não há notícia de confrontos sérios, ou mesmo animosidade. A propalada violência civil que se temia caso o Democrata fosse o vencedor não parece ter fundamento. É cedo ainda para se afirmar, mas, se os ânimos continuarem pacíficos, de parte a parte, podemos supor que os temores foram falsamente espalhados pela campanha de Trump.
Pela primeira vez um presidente não foi reeleito desde Jimmy Carter, há 39 anos, o que indica um repúdio a Trump como líder. Muitos editoriais mencionam a exaustão dos ânimos a que seu governo caótico levou. “Sua paranoia, narcisismo, mentiras e dificuldade de aceitar a realidade” são expressões constantes hoje também nas edições dos mais prestigiados jornais e programas de comentários nos canais de TVs.
O fato de Kamala Harris se tornar a primeira mulher, e primeira mulher de cor, a vencer uma eleição compondo uma chapa presidencial, confirma a tradição de uma cultura que valoriza a diversidade étnica. O 46º presidente eleito é considerado um político de visão moderada, no espectro do centro, conhecido por acreditar que atingir modestos progressos é uma opção segura para se avançar reformas em uma democracia.
A vitória foi bastante apertada. O resultado desta eleição sugere que a maioria dos eleitores americanos reconhece que as instituições foram profundamente abaladas pelo veneno do Trumpismo. David Wo Blight, colunista do New York Times, lembrou hoje que o conservadorismo vem sendo engendrado há décadas “até que fosse possível que um Trump se elegesse presidente”. Os desgastes na governança, no Senado, na Corte Suprema e nas agencias públicas, notadamente na Saúde Pública e na Justiça Prisional, corrompe o tecido social da nação. Enquanto o desprezo à Ciência, a falta de apoio federal às escolas públicas e universidades solaparam a base da democracia americana. O uso da redes sociais para alienar e causar desinformação foi uma arma permanente na Era Trump.
Se puder dar um testemunho como residente há 30 anos no país, digo que o governo Trump levou as instituições a uma falência moral. Vimos o acirramento das tensões raciais e o crescimento de comportamentos proto-fascistas que não foram nunca reprovados pelo presidente derrotado. E, isto leva tempo para se corrigir. Por outro lado, sendo testemunha da vitalidade desta sociedade, considero promissora a eleição do ex-vice presidente Joe Biden.
O compromisso que ele assumirá é enorme, mas estamos esperançosos que com competência, coerência e serenidade na governança Biden conseguirá bons resultados.
Virginia Botelho é Ph.D. em Sociologia. Foi Professora na New School of Social Research, em Nova York, onde mora. Atualmente, dedica-se à escrita ficcional.