
O alerta soou logo cedo no Palácio do Planalto: “o homem” estava especialmente nervoso, irritado, e o melhor, para quem pudesse, seria evitá-lo. De fato, em conversa com devotos à saída do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro foi logo avisando:
+ Receba notícias de VEJA no Telegram
– Peço, por favor, eu não quero gravar nada. Não estou passando bem hoje. Desculpa aí.
Confessou que dormira pouco, mas é o que costuma fazer na maioria das vezes, tanto mais quando algo o perturba. Bolsonaro ficou acordado até o início da madrugada enquanto a apuração de votos ainda se arrastava no Tribunal Superior Eleitoral.
Para ele, os resultados do primeiro turno das eleições municipais foram péssimos. Somente dois candidatos a prefeito indicados por ele se elegeram – e os dois de cidades do interior do Piauí e de Minas Gerais. Sabia que a conta por isso lhe seria cobrada.
Das 83 pessoas que concorreram no país tendo Bolsonaro no nome, 3 eram candidatos a prefeito, 3 a vice e 77 a vereador. Somente uma venceu – Carlos, o Zero Dois, reeleito vereador, mesmo assim com 35 mil votos a menos do que há quatro anos.
Sensível às dores do pai, Carlos foi às redes sociais defendê-lo. Escreveu:
– Se engana quem acha que o presidente sai derrotado dessa aí. Essa narrativa vai por água abaixo. Basta você olhar o que aconteceu no Nordeste, onde o PT perdeu praticamente todas as capitais e isso não acontecia há muito tempo. Tenha certeza que isso é trabalho do presidente e de seus ministros.
Papo furado. A derrota do PT em praticamente todas as capitais se deveu à vontade dos eleitores que preferiram votar em candidatos de outros partidos. Mais racional do que Carlos, Felipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro, comentou:
– Precisamos aprender com os nossos erros, tanto coletivos quanto individuais. Se seguirmos pensando, cada um, no erro do outro, fracassaremos. A autocrítica deve ocorrer em todos os níveis: do nível governamental, passando pelo da base, até o nível pessoal.
O autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, culpou generais e o próprio presidente pela derrota:
– O péssimo desempenho dos bolsonaristas na eleição não tem mistério: ludibriado pela conversa mole de generais-melancias, o presidente confiou demais no sucesso inevitável de sua liderança pessoal, sem perceber que ela não passava, precisamente, disso: uma liderança pessoal sem respaldo militante e incapaz, por isso, de transmitir seu prestígio a qualquer aliado.
Até quando estava em jogo a pauta sobre costumes, tão cara a Bolsonaro, ele se deu mal. O PSOL foi o partido que elegeu o maior número de pessoas LGBTI no país, com 25%. Em segundo lugar, o PT com 22,7%, e em terceiro, o PDT, com 2,3%.
Cerca de 30 transexuais ou travestis se elegerem vereador em 22 cidades diferentes. Pela primeira vez, São Paulo terá vereadores transgêneros – dois deles entre os 10 mais votados; Curitiba, uma negra; e Porto Alegre, cinco negros, sendo quatro mulheres.
Sim, o PT encolheu. Em 2016, comandava 254 prefeituras no país. Este ano, ganhou apenas 179 até agora. Disputa o segundo turno no Recife e em Vitória. O PCdoB, que levou 80 municípios em 2016, encolheu para 46. O PDT encolheu de 331 para 311.
Outro partido tradicional que perdeu eleitores foi o PSDB. Ganhou 785 prefeituras em 2016. Agora, 512. Os partidos de centro avançaram. O DEM passou de 266 para 459; o PSD, de 537 para 650; o PP, de 495 para 682; e o Republicanos de 103 para 208.
A eleição que terminará no próximo dia 29 deu a vitória aos bons gestores e aos políticos que não se envergonham de fazer política, o que significa conversar, atrair aliados e buscar o consenso na hora de tomar decisões. É assim que a democracia se consolida.
Se Bolsonaro for capaz de entender isso, terá chances de se reeleger em 2022. Do contrário, será expelido do poder com apenas 4 anos, como foi seu queridíssimo Donald Trump nos Estados Unidos. Lá como cá, presidente costuma se reeleger.