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Governo de desunião nacional (por Mary Zaidan)

Pregar unir o país em torno de Bolsonaro é mais do que um acinte

Por Mary Zaidan
Atualizado em 12 abr 2021, 08h56 - Publicado em 11 abr 2021, 09h00

Unir forças para domar crises é um apelo reincidente de governantes. Em tese, crê-se que a soma de esforços e sacrifícios de todos resultará em ganhos para a coletividade. Por aqui, há tempos esse pressuposto é balela. União nacional tem sido capa de proteção para políticos em desespero, não rara utilizada para detonar inimigos, tratorar incômodos. No governo do presidente Jair Bolsonaro, no qual só a discórdia prospera, pregar união é mais do que um acinte. É sem-vergonhice, desfaçatez, safadeza.

O papo-furado de unir forças dominou as recentes entrevistas do ministro das Comunicações, Fábio Faria, na tentativa de dar um restart no chefe quanto à péssima gestão da pandemia. Na saída do jantar com empresários simpáticos ao presidente, Faria insistiu na tecla, como se lá dentro Bolsonaro não tivesse acabado de desancar o governador paulista com palavrões, xingando de vagabundo quem, via Butantan, fornece 80% das vacinas que o Ministério da Saúde distribui.

As vacinas cuja eficácia Bolsonaro desdenhou, deixou de comprar em meados do ano passado, e disse que não compraria se fosse a chinesa do Doria, foram eleitas como o ponto de união. A ideia era – e ainda é – grudar uma máscara em Bolsonaro e colocá-lo como garoto propaganda da imunização. A partir daí, conclamar a união do país em torno do presidente para erradicar a peste e a crise.

Mas como na cartilha bolsonarista unir não é agregar e sim dominar, a estratégia, assim como o presidente, é desmascarada diariamente.

Clama-se pela união, mas o que se quer é desqualificar críticos, promover o esquecimento dos absurdos administrativos, como o investimento bilionário em cloroquina e o abandono até o vencimento de kits de testes, do descaso com mortos e doentes, das falas negacionistas. Quer-se união para passar a borracha na “gripezinha”, no “país de maricas”, na incompetência e na desumanidade do presidente, incapaz de se comover com os mais de 350 mil mortos, com profissionais de saúde exaustos, hospitais em agonia, falta de medicamentos.

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A tal da união de forças também foi o argumento do presidente do senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para retardar a abertura da CPI da pandemia. Um raciocínio peculiar, para não dizer para lá de torto, que pressupõe abrir mão de fiscalizar a atuação do governo federal na pandemia em nome de combater a pandemia.

Parece ironia barata, troça de mau gosto com os brasileiros. E é.

Dois meses depois de ser requerida, a CPI deve ser instalada contra a vontade de Pacheco, cumprindo determinação liminar do ministro Luís Roberto Barroso a ser apreciada pelo plenário do STF na quarta-feira, 14.

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A reação de Bolsonaro à decisão de Barroso escancarou o temor que tem de ser investigado. Com o seu habitual destempero, mais uma vez expôs a verdadeira campanha à qual se dedica com afinco: a de destruir as instituições, apostar na desunião nacional, provocar o caos.

Esbravejou aos quatro cantos. Sugeriu a abertura de impeachment contra ministros da Corte, acusou o magistrado de “falta de coragem moral” por não ter a mesma atitude quanto à CPI conhecida como Lava-Toga, como se o STF pudesse agir sem ser provocado para tal.

Sua ira ganha em desproporção diante do apoio dado a um recurso semelhante para que fosse instalada a CPI do “apagão aéreo”contra o PT de Lula, em 2007, cuja ação no STF teve assinatura do então deputado Onyx Lorenzoni, amigo fiel e hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. À época, o também deputado Bolsonaro elogiou a vitória obtida no Supremo. Não considerou como interferência de Poder, muito menos “politicalha”, termo usado pelo presidente para agredir Barroso.

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O governo Bolsonaro não é o primeiro a se utilizar do apelo à união nacional para tentar se safar. José Sarney o fez depois dos reveses dos seus fiscais contra uma inflação incontrolável. Collor de Mello e Dilma Rousseff tentaram de forma patética convocar o país para se unir a eles e acabaram apeados do Planalto. E o pacto nacional de Michel Temer naufragou nos diálogos gravados por Joesley Batista na garagem da residência oficial da vice-presidência.

Mas é o único presidente que se diverte em plantar e alimentar a cizânia contradizendo seus interlocutores oficiais. Enquanto o seu quarto ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tenta angariar apoio na comunidade médica, defende o uso de máscaras e até o distanciamento social, odiado pelo chefe, Bolsonaro aumenta o tom contra governadores e prefeitos que mantêm restrições de circulação. Passeia sem máscara e prefere apoiar pastores evangélicos a preservar vidas.

Age como se fosse possível agradar à tropa cega de fiéis, que venera seu negacionismo, e, ao mesmo tempo, livrar-se da alcunha de genocida.

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Muitos países com líderes de verdade conseguiram arregimentar esforços para debelar crises gravíssimas, superar reveses de guerras, fomentar condições para que seus cidadãos invertessem espirais de fome, desemprego e desesperança. No Brasil, isso só será possível sem Bolsonaro. Passa da hora de reunir forças contra ele.

Mary Zaidan é jornalista 

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