Texto do dia 20/9/1989
Alguma coisa acontece no coração dos eleitores entrevistados pelos institutos de pesquisa. Há um mês, se tanto, em público ou em particular, políticos em geral dos variados matizes consideravam o candidato Collor de Melo praticamente eleito para suceder o presidente José Sarney. Discordava apenas quanto à possibilidade de ele se eleger direto no primeiro turno. A maioria admitia que isso poderia ser possível.
O próprio candidato parecia esbanjar confiança de que venceria a eleição no primeiro turno com metade mais um dos votos válidos conferidos por um total de 82 milhões de eleitores.
Para que votar duas vezes se o candidato será o mesmo? – chegou a entoar o coro de adeptos fervorosos do ex-governador de Alagoas. A realização do segundo turno da eleição rachará o país ao meio, advertiu Collor mais de uma vez.
Nos últimos 10 dias, a avaliação dos políticos mudou radicalmente. Pelo menos por enquanto, foi arquivada a discussão em torno das chances de Collor obter a maioria absoluta dos votos ainda no primeiro turno.
Raros são os políticos que agora imaginam que isso ainda poderá ocorrer – salvo uma brutal inversão do quadro eleitoral delineado. A inversão é possível – qualquer coisa o é –, mas não parece provável.
Collor abandonou o discurso contra o perigo de o segundo turno dificultar o entendimento nacional necessário para que o próximo presidente possa montar uma boa equipe de governo.
No início desta semana, em contato com jornalistas em Brasília, o candidato começou a dizer coisas como “se eu me eleger”, se o povo me indicar para o ser “o futuro presidente”. Tais coisas suavizam, um pouco, a imagem arrogante projetada por ele.
Fazem parte, portanto, de um esforço empreendido por Collor para superar a resistência que enfrenta em certas áreas de opinião. Mas tais coisas, também, estão mais de conformidade com o momento que sua candidatura atravessa.
A mais recente pesquisa do Instituto Gallup registrou que Collor está caindo na preferência dos eleitores de todos os níveis de instrução. Cai em todas as faixas sociais.
Nas cidades de pequeno, médio e grande porte, está caindo. O Instituto DataFolha, ligado ao jornal Folha de S. Paulo, apurou que Collor está em baixa nas 10 mais importantes capitais do país.
Em Belo Horizonte e Brasília foi ultrapassado pelo candidato Afif Domingos, do PL. O instituto Bonilha, de reputação reconhecida no Paraná, concluiu ontem mais uma pesquisa sobre a intenção de voto em Curitiba e arredores. Ali, até meados de agosto último, Collor detinha 40% do eleitorado.
Na última semana de agosto, caiu para 37%. Na primeira de setembro, caiu mais um pouco para 32%. Agora, está com 30%. Afif está crescendo em Curitiba e Florianópolis.
O empresário e jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, está preocupado com a ascensão de Afif. “Esse moço está tirando votos de Collor”, observou Marinho. Determinou a seu jornal que reduza o espaço que vinha oferecendo para noticiar as atividades de Afif.
Collor não contava que Afif viesse a demonstrar tanto fôlego. Subestimou-o. Collor contava com um desempenho melhor dele mesmo no Rio de janeiro, aproveitando o desgaste sofrido por Leonel Brizola quando governou o estado. O desempenho de Collor no Rio está muito aquém das perspectivas dele e dos seus assessores.
Não deu certo até agora o projeto de vender Collor como carioca aos eleitores do Rio. O candidato contava em polarizar com Brizola no Sul do país.
“Collor é gaúcho” – foi um slogan que circulou no Rio Grande do Sul por iniciativa de auxiliares do governador Pedro Simon. “Gaúcho vota em gaúcho”, replicou o PDT do estado. Brizola ameaça a sair do Rio Grande do Sul com mais de 60% do total de votos.
O programa do candidato do PRN no horário gratuito de propaganda eleitoral confirma a opção que ele fez pelos eleitores das classes sociais C, D e E – que representam mais de 70% do eleitorado de 15 de novembro. O programa reforça a imagem de Collor de jovem destemido, disposto a pôr os corruptos na cadeia. O candidato perdeu o interesse em conquistar o chamado “voto qualificado”.
Não quer perder a folgada maioria que tem entre os mais pobres – os que Carlos Menem chamou na Argentina de “descamisados”. As dificuldades que, por ora, começa a enfrentar para suceder Sarney estão ainda muito distantes de configurar um perigoso sinal de que corra o risco de ficar de fora do segundo turno.
A eleição deixou de ser o passeio que chegou a parecer para Collor. Passou a ser uma eleição com as características de imprevisibilidade inerentes a qualquer outra.
(Publicado originalmente no Jornal do Brasil)