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Por Coluna
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A arte de criar adversários (por Marcos Magalhães)

O reino das mensagens indiretas do Bolsonaro

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 25 nov 2020, 11h09 - Publicado em 25 nov 2020, 11h00

Uma disputa de poder. A isso se resumiu, aos olhos do presidente Jair Bolsonaro, a enorme reação nacional e internacional à morte de João Alberto Silveira Freitas em um supermercado de Porto Alegre, na véspera da celebração do Dia da Consciência Negra.

Ele fez da reunião do G-20 um megafone mundial para divulgar sua peculiar interpretação das imagens distribuídas por todo o planeta. Para o presidente, a repercussão do caso se deve à ação dos que pretendem minar a essência diversa de um povo que “conquistou a simpatia do mundo”.

“Há quem queira destruí-la e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de ‘luta por igualdade’ ou ‘justiça social’”, reagiu Bolsonaro. “Tudo em busca de poder”.

O presidente foi adiante. Para ele, existem “diversos interesses” em que se criem tensões na sociedade brasileira. Afinal, um povo dividido seria vulnerável. E um povo vulnerável, prosseguiu, pode ser “mais facilmente controlado e subjugado”.

No reino das mensagens indiretas que compõem o universo dos discursos do presidente, os destinatários são sempre indefinidos. Existe sempre algum sujeito oculto que pretende usar bonitas palavras para esconder tenebrosas intenções.

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Não, Bolsonaro não lamentou a morte de João Alberto, agredido até a morte por agentes de segurança do Carrefour de Porto Alegre. Também não dirigiu palavras de consolo aos familiares do homem assassinado. Nenhuma empatia.

Mas ele reservou o espaço nobre do início de seu pronunciamento aos principais líderes do mundo para fazer acusações vagas. Ao mesmo tempo, ao resumir a reação diante do assassinato a uma busca de poder, parecia querer ali, no palco privilegiado do G-20, reafirmar o seu próprio poder.

Meio ambiente

No segundo dia da reunião, o presidente escolheu outro alvo. Desta vez foram as nações “menos competitivas e menos sustentáveis” que, na sua opinião, lançam “ataques injustificáveis” à política ambiental de seu governo.

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Para reforçar a defesa de sua gestão, Bolsonaro reiterou que o país usa apenas 8% de suas terras para produzir alimentos e mantém mais de 60% do território com vegetação nativa. Nenhuma palavra, naturalmente, sobre os crescentes índices de desmatamento ou sobre as recentes queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Em resposta às nações críticas, o presidente recorreu ao hino nacional para lembrar que o Brasil é “gigante pela própria natureza”. E caprichou nos possessivos em sua promessa: “vamos continuar protegendo nossa Amazônia, nosso Pantanal e todos os nossos biomas”.

Tom patriótico parecido ao que usou recentemente para dizer ao presidente eleito dos Estados Unidos, sem revelar seu nome (até porque ainda não reconheceu sua vitória), que nem sempre a saliva era suficiente para proteger o Brasil diante do que considera uma ameaça à sua soberania.

Ainda que a ameaça de sanções econômicas feita por Joe Biden seja acompanhada da promessa de US$ 20 bilhões para proteger a Amazônia.

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Brics

Poucos dias antes do encontro do G-20, Bolsonaro já havia indicado que estava pronto para a briga com as “nações menos competitivas e menos sustentáveis”. Durante reunião de cúpula do Brics, ele prometeu que divulgaria os nomes dos países que importam madeira ilegal da Amazônia brasileira. Agindo assim, mostraria que esses países, críticos de sua gestão, “em parte têm responsabilidade nessa questão”.

Bolsonaro desperdiçou a oportunidade de promover uma política de boa vizinhança com os líderes dos países que, juntamente com o Brasil, integram o Brics. Seria um bom momento, depois de suas divergências públicas com líderes europeus, com o presidente da Argentina, maior parceiro brasileiro no Mercosul, e com o presidente eleito dos Estados Unidos.

Mas aí também o presidente brasileiro escolheu um adversário. Seu discurso foi repleto de críticas indiretas à China, maior parceiro comercial do Brasil e principal integrante do Brics, em termos políticos e econômicos.

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O presidente chinês Xi Jinping fez uma ampla defesa da cooperação internacional. Ele lembrou que o multilateralismo “pode evitar guerras”, criticou o isolacionismo típico das gestões de Donald Trump e Jair Bolsonaro, defendeu o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas – rejeitado por Trump – e se dispôs a enviar vacinas contra a Covid 19 aos demais países do Brics.

Bolsonaro preferiu destacar a “centralidade das nações para a solução dos problemas que hoje acometem o mundo”. E observar que, a seu ver, a superação dos desafios gerados pela pandemia não se deveu à ação dos organismos internacionais, mas sim à coordenação entre os países.

O presidente brasileiro pediu uma reforma da Organização Mundial de Saúde. E de quebra, como em mensagem indireta ao líder chinês, repetiu Trump ao defender a democracia e “as prerrogativas soberanas dos países”.

Todos os países defendem a sua soberania, não há dúvida. Seria difícil imaginar por exemplo, que a China não defenda a sua. Nem por isso, porém, deixa de lado a necessidade de ações coletivas diante de questões que atingem toda a humanidade, como a pandemia e o risco do aquecimento global.

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Ou seja, a soberania do Estado nacional pode muito bem conviver com ações multilaterais em temas que têm dimensões regionais ou globais. Ninguém precisa adotar uma política de confronto para demonstrar soberania.

Em temas como racismo, pandemia e meio ambiente, Bolsonaro parece interessado em criar adversários – sejam eles outros governos, organizações não-governamentais e organismos internacionais. Acusar adversários, afinal, é mais fácil que buscar soluções aos problemas.

 

Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018. ⠀

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