Nessa quinta-feira cumpriram-se três meses do desaparecimento do submarino argentino Ara San Juan. Com 44 vidas a bordo, o submarino zarpou dos confins do mundo para o porto da cidade Mar del Plata. Nesse trajeto, “caiu da terra” (ou do mar) como se fosse plana, sem deixar sinal algum de seu paradeiro.
A Marinha argentina, sob o argumento de que seguia o protocolo, tardou 36 horas para dar como desaparecida a embarcação. Essas longas horas ajudariam a transformar o sumiço do submarino em um dos maiores mistérios da história contemporânea da região.
Durante duas semanas, a costa argentina se transformou em um enxame militar, com embarcações e aviões de todo o mundo chegando para ajudar nas buscas.
Enquanto isso, no prédio da Marinha, no bairro de Retiro, em Buenos Aires, durante 14 extensos dias que a Marinha chamou de SAR (Operação de Search and Rescue, Busca e Salvamento), um homem pálido se apresentava diante das câmeras com o corpo retraído e acanhado, fala pausada e digna, sem nunca perder a calma ou subir de tom. Coube ao Capitão Balbi navegar um submarino invisível. Ao aparecer no 14º dia com os olhos miúdos, soterrados sob pele fina, demonstrava, no abismo da retina, a notícia terrível que a torcida humana hesitava em dar: estão todos mortos.
A 400 quilômetros dali, na base militar de Mar del Plata, a cena era outra. Desesperados com o destino terrível que pesava sobre seus amados, os familiares e amigos dos tripulantes se aferravam ora à esperança, ora ao desespero. Dentro dessa bolha submersa, estavam os tripulantes e 44 milhões de argentinos circunscritos a uma tragédia inimaginável, percorrendo juntos o que parecia ser 20 mil léguas submarinas.
A cúpula do governo se debatia dentro de si, enfrentando o dilema de dar por perdidos seus homens e a mulher, no mar.
Durante esses meses, como a tripulação do Nautilus da novela de Julio Verne, comandada por Nemo, que em latim significa ninguém, uma alusão a rumo ao esmo, os argentinos enfrentaram suas fobias, a falência de suas instituições e o pensamento de um soterramento nas águas, como no mundo sub aquático e fantástico do livro 20 mil léguas submarinas. Confrontados com a fragilidade da vida no mar, a inoperância das máquinas, os segredos institucionais que dificultavam saber o que verdadeiramente aconteceu com o submarino, os argentinos, assim como os tripulantes, foram deixados à deriva rumo ao desconhecido, um destino tão misterioso que muitos não ousam nem imaginar.
Talvez jamais saibamos o que aconteceu com o Ara San Juan. Talvez seja melhor assim.
Gabriela G. Antunes é jornalista. Morou nos EUA e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. Escreve aqui todos os sábados