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Raiva, revolta, dor, protestos: vai mudar alguma coisa no Líbano?

Campeão de autodestruição e de ingerências estrangeiras, com o poder firmemente sob controle do Hezbollah, país tem poucas chances de mudança

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 22 dez 2020, 12h52 - Publicado em 6 ago 2020, 12h30

Beirute é um mar de vidros estilhaçados e de raiva, muita raiva. 

Retirados os mortos — 137 até agora — que foi possível encontrar depois do maior desastre em cinco mil anos de história compactados em apenas 10.500 quilômetros quadrados e atendidos como deu os rios de feridos — uns cinco mil — que foram levados ou caminharam até os três hospitais da região, atingidos em diferentes graus, as ondas de choque emocional aumentam em vez de diminuir.

Que Emmanuel Macron tenha sido recebido como um herói aos gritos de “revolução”, foi um sinal do senso de oportunidade do presidente francês e do desespero dos jovens, na maioria, que começaram a protestar em outubro do ano passado por causa de um imposto que incidiria sobre chamadas telefônicas por WhatsApp.

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Sem nenhuma coincidência, Gebran Bassil, ministro sucessivamente de várias pastas e, acima de tudo, genro e sucessor político do presidente Michel Aoun, com interesses conhecidos no ramo das telecomunicações, tornou-se o homem mais odiado do Líbano.

Em janeiro, Bassil caiu fora. E atribuiu tudo à maldade dos “sionistas”. Certamente não ficou pobre de repente.

Retrospectiva a jato: Michel Aoun, líder do maioria dos cristãos maronitas, travou uma guerra nos estertores da destruição do Líbano com o Hezbollah e seus patrocinadores à época, os regimes da Síria e, indiretamente, do Irã.

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Foi para o exílio na França e, quando voltou, já tinha um acordo justamente com o Hezbollah.

Pragmatismo, diriam os menos envolvidos; cinismo terminal, concluiriam outros.

O fato é que o Hezbollah, tendo começado a organizar os muçulmanos xiitas do Líbano sob patrocínio religioso e ideológico – no caso, a mesma coisa – do Irã, evoluiu impressionantemente até se tornar a força política e militar dominante no Líbano.

A falência financeira e institucional do Líbano tem que ser colocada na conta os homens de turbante, a começar por Hassan Nasrallah, líder religioso e, simultaneamente, do tráfico de drogas para o qual o Líbano é território livre, desde que pago o pedágio, é claro.

O tráfico é uma das fontes de financiamento do Hezbollah e tem uma rede global de patrocinadores, especialmente forte na Venezuela e na tríplice fronteira.

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Em termos religiosos, é justificado pelo bem maior da causa, pelo furor incansável que as drogas infundem aos “mártires” e até pela qualificação teológica do haxixe como “puro”, em oposição ao álcool, “impuro”.

O vale do Beca é praticamente uma plantação só de cannabis, agora permitida para “uso medicinal”.

É difícil, embora não impossível, encontrar xiitas que se oponham ou mesmo critiquem minimamente o Hezbollah.

Isso já dá ao Partido de Deus a metade ou mais da população – é proibido contar para não tumultuar o arranjo original pelo qual os cristãos têm direito à presidência (e mais um monte de cargos), o primeiro-ministro representa os sunitas (e ganha mais um monte de cargos) e os xiitas levam a presidência da Câmara (e mais um monte de cargos).

Na prática, a ascensão do Hezbollah mudou esse acordo: todos têm que fazer o beija-mão, caso contrário não se forma um governo.

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Antes de renunciar como primeiro-ministro, Saad Hariri tinha cedido à realidade e se acomodado com os responsáveis pelo assassinato de seu pai, do qual herdou o “direito” à chefia de governo, Rafic Hariri.

O carro-bomba que, em fevereiro de 2005, explodiu Hariri e seu cortejo de seguranças formados pela escola do serviço secreto americano desencadeou protestos comparáveis aos atuais, embora apelasse mais às camadas de elite de sunitas, cristãos e drusos.

Excepcionalmente, essa onda de revolta produziu um resultado quase miraculoso: a saída das tropas sírias que ainda ocupavam  o Líbano – e mandavam nos asseclas ou opositores – desde o inicio da guerra civil.

Foi Hariri quem reconstruiu, com enormes injeções de dinheiro saudita, a Beirute devastada pela guerra civil – e agora, em questão de minutos, destruída a um nível nunca visto pela sequência de explosões.

A saída dos sírios foi, obviamente, negociada para não alterar o que é chamado de equilíbrio de poder, uma fórmula não só desequilibrada como usada para retalhar todas as possíveis fontes de rendimento público em proveito privado do que se chamaria no Brasil do passado de coronéis.

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Muitos dos que estavam até recentemente nos protestos pegaram vassouras e luvas para, pelo menos, tirar a camada de vidraças estilhaçadas na grande explosão no depósito de 2 750 toneladas de nitrato de amônio – uma força calculada em quinto do poder da bomba de Hiroshima que hoje completa 75 anos.

Ninguém espera que alguma autoridade tome alguma providência relevante para tirar o país de um buraco muito maior ainda do que a cratera de 200 metros aberta no epicentro da explosão.

Quando se tornaram parte da paisagem de Beirute, os protestos tinham um componente divertido, alegre – os libaneses são parecidos com os brasileiros em muitos aspectos.

Numa das cenas virais, um grupo de jovens canta Baby Shark para acalmar um menino na cadeirinha de um carro dirigido pela mãe angustiada ao ser envolvida pela massa.

O presidente, seu genro e até, excepcionalmente, o chefe do Hezbollah entraram na dança das musiquinhas, na maioria impublicáveis.

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Na emotiva visita de Emmanuel Macron, voltou a ser entoado o grito: “Ash-shab yurid  isqat an-nizam”. 

O povo quer a queda do regime.

Há poucas chances de que, mesmo com um desastre apocalíptico, isso venha a acontecer.

Se insistirem muito, o Hezbollah tem esquadrões de espancadores para desestimular os mais atrevidos.

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